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Nosso colaborador Artur Mascarenhas conta para nós como foi o último Behavioral Science & Policy Association em Nova York:

 

No último dia 14/06, tive a felicidade de comparecer à quarta edição da BSPA Annual Conference, em Nova York. A BSPA – Behavioral Science & Policy Association – é uma associação de praticantes e pesquisadores em ciências comportamentais, que visa unir pessoas em torno do tema por meio de eventos e publicações. Em seu conselho consultivo aparecem grandes nomes como Daniel Kahneman, Richard Thaler, Cass Sunstein, Paul Slovic, Katy Milkman, dentre outros. Mas, enfim, vamos ao evento…

Fiquei bem impressionado com a disposição dos presentes em se conhecerem, trocarem ideias e saberem mais sobre o trabalho e pesquisa uns dos outros. Tive ainda a alegria de encontrar outros três brasileiros no evento: Silvério Zebral Filho, head da unidade de inovação da OEA; Claudio Garcia, vice-presidente executivo da Lee Hatch Harrison; e Cristiano Guaraná, professor na Universidade de Indiana. Foi extremamente interessante conhecê-los e saber mais sobre seus trabalhos no campo das ciências comportamentais fora do Brasil.

Pelo bem do tamanho do texto e de sua leitura, falarei apenas sobre principais pontos do dia:

O primeiro painel, moderado por Rebecca Blumenstein – editora do New York Times – tratou do uso das ciências comportamentais na guerra contra as fake news. Os debatedores discutiram inicialmente que as fake news – ou “misinformation”, como preferiram definir – sempre existiram, porém, com as redes sociais, a saliência dessas informações falsas foi muito amplificada e com muito mais poder de alcance. Isso implica que o problema não reside apenas nos produtores de informações falsas, mas também em seus disseminadores e no ambiente em que são propagadas.

Uma possível maneira de mitigar esse problema são os “fact checkers”. Aqui, porém, residem dois desafios: definir quem tem a autoridade de fazer o fact checking e como fazer para que fact checkers consigam fazer com que as pessoas desafiem suas crenças, evitando o que se chama de Backfire Effect – tendência que pessoas têm de se agarrarem ainda mais às suas crenças quando confrontadas com informações que as contestam.

Os debatedores enfatizaram que empresas de tecnologia já reconhecem esse desafio e estão contratando cada vez mais pessoas com background em ciências comportamentais para liderar projetos que possam mudar o ambiente onde as informações circulam, de maneira a reduzir os danos causados pela propagação de informações falsas.

Após as atividades da manhã, tivemos o keynote de Cass Sunstein, chamado “Sludges & Ordeals”.

Em contraste ao conceito de Nudge – intervenções que direcionam as pessoas para uma decisão melhor, sem retirar nenhuma opção ou impor incentivos econômicos à decisão – surgiu o conceito de Sludge, como intervenções que sejam diametralmente opostas aos nudges: intervenções que pioram ou dificultam a tomada de decisão das pessoas, direcionando-as a um resultado pior, como, por exemplo, excesso de burocracia ou procedimentos complexos que custam tempo, dinheiro e energia para quem toma a decisão.

Sunstein mostrou uma taxonomia de Nudges e Sludges que confesso que me deixou com certas dúvidas. Acho que, a essa altura do campeonato, estão claros os campos 1 e 4, os extremos. O problema está nas áreas cinzentas. Aqui, Sunstein atribui o rótulo de nudge ou sludge por conta da fricção da intervenção e não por conta do resultado (ou da intenção do interventor). Ele mesmo fez uma ressalva a esse quadro, atribuindo ao campo 3 a possibilidade de ser um nudge e não um sludge. Na minha humilde opinião, o campo 2 seria um grande sludge (talvez o mais nocivo) e o campo 3 ainda seria um nudge, pois acredito que, as vezes, uma fricção ou a saliência de um ponto de decisão sejam benéficas para o decisor.

Para Sunstein, os governos deveriam fazer programas de “Auditoria de Sludges”, a fim de reduzir burocracias, papeladas e esperas desnecessárias que facilitam a ocorrência de vieses, como o viés do presente, inércia e procrastinação, que prejudicam a qualidade da decisão e o bem-estar da sociedade.

O ponto alto do evento foi o painel que veio logo em seguida, moderado por Dolly Chugh e composto por Cass Sunstein, Jon Haidt e Paul Slovic para falarem sobre seus livros, respectivamente, Conformity, The Coddling of the American Mind e Number and Nerves.

Sobre Conformity, Cass Sunstein falou sobre a polarização da opinião pública em diversos aspectos e como isso pode ser mitigado. Uma das principais fontes para evitar a polarização é a diversidade: em colegiados de três juízes em que 2 são republicanos e 1 é democrata (ou vice-versa), mesmo tendo maioria de republicanos, as decisões tendem a ser menos radicais do que as decisões de colegiados em que os 3 juízes são da mesma corrente ideológica. A simples presença de uma voz dissidente já é suficiente para moderar os processos decisórios. Mesmo assim, ainda devemos atentar para fenômenos de decisões colegiadas, como a Cascata de Informação, por exemplo.

Em sua fala, Jon Haidt falou sobre seu polêmico livro sobre a fragilidade da “geração Z”, nascida após 1996. Uma pesquisa (Twenge, 2017) mostra que esses americanos têm menos “experiências de vida”. Proporcionalmente, tiram menos carteiras de motorista, têm menos experiências com álcool, sexo e até mesmo com trabalhos remunerados. Para o autor, é uma geração que vive superprotegida, com mais medo e menos diversão graças às redes sociais. A partir de 2009, com a maior popularização do Facebook, a vida social dos adolescentes passou a migrar para as redes sociais, desencadeando problemas de depressão e outras doenças psicológicas.

Por fim, Paul Slovic falou de como tratar de informações através de emoções. Para o experiente professor, os cientistas comportamentais devem lançar mão de narrativas, imagens e até mesmo arte para disseminar informação. Como exemplo, citou as embalagens ecologicamente corretas utilizadas pela Amazon: ao invés de chamá-las de “sustentáveis” ou “ecologicamente corretas”, as chamou de “Frustration Free packaging”.

E para terminar a tarde, Philip Tetlock, autor do excelente Superprevisões, falou sobre previsões e como torná-las mais certeiras. Para ser sincero, sua palestra não foi muito diferente de outras que havia assistido via internet. Talvez as duas grandes mensagens tenham sido: 1. Aprenda a desafiar as crenças dos outros e ter as suas desafiadas também; 2. Ao abordar um problema ou trabalhar com uma previsão, procure dividir uma questão grande e complexa em subpartes menores, que sejam mais fáceis de lidar. Como exemplo, citou a grande e complexa questão: “Teremos uma quarta revolução industrial provocada pela inteligência artificial?”. Para lidar com ela, podemos lidar com questões menores, que seriam pré-requisitos para a previsão inicial: “Teremos carros autônomos rodando em Las Vegas até 2018?”, “Metade das funções de contabilidade serão automatizadas até 2020?”, “A indústria de robótica irá superar 155 bilhões de dólares até 2020?”. Ao lidar com questões menores e mais específicas, espera-se ter maiores chances de lidar com uma grande questão, no melhor estilo “dividir para conquistar“.

No final das contas, foi um grande evento, muito dinâmico e com diversas informações e apresentações de trabalhos menores. Se você gosta de ciências comportamentais e tem condições de ir a um desses congressos, por favor, vá. E volte aqui para nos contar.

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