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O objetivo deste capítulo é fornecer uma visão geral de alguns aspectos da literatura em Economia Comportamental na tomada de decisão individual, com algum foco em decisões que envolvam risco.

 

Professor do Departamento de Economia da Universidade de Nottingham, Diretor do CeDEx (Center for Decision Research and Experimental Economics) e da ESRC NIBS (Network of Integrated Behavioral Sciences)

 

 

O objetivo deste capítulo é fornecer uma visão geral de alguns aspectos da literatura em Economia Comportamental na tomada de decisão individual, com algum foco em decisões que envolvam risco. Tenho dois objetivos principais em mente. O primeiro é discutir algumas descobertas mais amplas que surgiram nessa área de pesquisa ao longo de várias décadas. O segundo, e talvez o mais importante, é refletir sobre o que é a “pesquisa comportamental” e como ela contribui para a disciplina da economia. Tais reflexões conduzirão à proposição de cinco “lições” baseadas nessa discussão

É bem provável que uma das primeiras coisas que a pessoa que se envolve em pesquisas na área comportamental virá a fazer é conduzir experimentos para analisar como pessoas reais tomam decisões de verdade. Ao iniciar pesquisas na área, ela rapidamente descobrirá que as pessoas fazem coisas surpreendentes; isto é, ela rapidamente identificará o que veio a ser rotulado ou denominado de “anomalias”.

No contexto da escolha individual, por “anomalias” me refiro a preferências declaradas (ou comportamentos) que parecem ser afetados por coisas que não teriam importância se pensarmos em termos da teoria econômica padrão (ou teoria padrão sobre preferências). Por “teoria padrão de preferência” tenho em mente, por exemplo, a teoria da utilidade esperada de preferência sob risco ou a teoria da curva de indiferença hicksiana. Anomalias são, portanto, comportamentos que simplesmente não se encaixam na teoria padrão.

Três exemplos de anomalias clássicas relacionadas à escolha individual são: reversão de preferência, efeitos de framing (ou enquadramento) e efeito posse (ou dotação). Essa lista poderia se estender ainda mais e a escolha por essas anomalias é de certa forma arbitrária. Para cada um desses casos, primeiro apresentarei uma versão estilizada delas para, em seguida, oferecer um exemplo mais específico.

Sendo assim, comecemos pelo fenômeno de reversão de preferência. Considere dois itens, sejam eles bens de consumo, políticas públicas, o que quiser, e imagine que tanto um indivíduo quanto o governo tem uma ordem particular de preferência entre os dois itens. Em termos gerais, a reversão de preferência é a observação de que a ordenação das preferências reveladas de um indivíduo acaba por depender do procedimento usado para evocá-las. Este é um fato surpreendente, se considerarmos um contexto onde você assume que existam rankings de preferências estáveis entre itens como bens de consumo, políticas públicas etc. A teoria padrão supõe que as preferências são dadas e não devem depender da forma como são evocadas, mensuradas ou observadas. Mas, na realidade, em alguns momentos elas dependem, como exemplificarei daqui a pouco.

Meu segundo exemplo de anomalia é a categoria dos chamados efeitos de framing (enquadramento). Tais efeitos são observados quando pequenas mudanças na apresentação de opções de escolha conduzem a mudanças expressivas naquilo que as pessoas escolhem. O que eles têm de interessante é que são mudanças nos detalhes da apresentação que, novamente, não deveriam importar do ponto de vista da teoria padrão.

Meu terceiro exemplo de anomalia é o chamado efeito posse. Uma forma de descrever o efeito posse é a seguinte: observa-se que, em algumas circunstâncias, as pessoas aparentam conferir um valor relativamente mais alto a um produto a partir do momento em que o possuem, comparativamente a quando elas não o possuem. Portanto, o fato de algo estar ou não em posse da pessoa afeta o valor que dá a esse objeto, o que, novamente, não aconteceria segundo a teoria padrão (ou, alguns ousariam dizer, não aconteceria segundo teorias ultrapassadas).

Gostaria agora de oferecer ilustrações mais concretas desses três fenômenos, descritos acima de forma genérica.

As reversões de preferência têm sido observadas desde os experimentos feitos por psicólogos como Paul Slovic e Sarah Lichtenstein [1] no início da década de 1970. Os economistas também notaram esse fenômeno, e a primeira contribuição à literatura econômica é a de Grether e Plott [2]. A literatura continuou a crescer e, para os interessados em trabalhos posteriores, um artigo de destaque é o de Tversky, Slovic e Kahneman [3], publicado no American Economic Review em 1990. Como muitos experimentos de reversão de preferência, eles pediram para as pessoas tomarem decisões em relação a algumas apostas bem simples. Uma dessas apostas, denominada aposta-$, oferecia uma pequena chance (nesse exemplo, de 30%) de ganhar algum prêmio (18 dólares ou euros). Uma segunda aposta, denominada aposta-P, oferecia uma chance relativamente maior (60% no lugar de 30%) de ganhar um prêmio relativamente mais modesto (digamos, 8 dólares ou euros). Então, como é comum nesses experimentos, os indivíduos foram colocados em uma situação onde deveriam fazer julgamentos e tomar decisões em relação às apostas. Uma delas seria fazer uma escolha direta, em resposta à pergunta: “se você pudesse escolher jogar uma dessas apostas, podendo ganhar ou não, qual delas escolheria?” Os indivíduos nesses experimentos também deveriam dar um valor para cada um desses objetos; frequentemente um valor monetário, normalmente induzido pelo uso de algum procedimento para estimular as pessoas a revelarem suas verdadeiras preferências (se é que eles tinham algo assim).

O resultado padrão nesses tipos de experimentos é uma forte tendência das pessoas escolherem a opção com maior probabilidade de ganho, mas darem um valor maior à opção que oferece o maior prêmio. Ou seja, observam-se classificações [rankings] inconsistentes entre as duas opções, dependendo do fato de se olhar para a escolha da pessoa ou para o valor que ela dá para cada opção. Agora, se temos uma teoria que atribui aos indivíduos rankings de preferência estáveis a fatores como simples riscos, então deve-se esperar que o mesmo ordenamento seja revelado por qualquer um dos procedimentos. No entanto, observa-se que não apenas há diferenças, como também que as inconsistências nos rankings apresentam um padrão previsível. Esse é um exemplo de reversão de preferência.

Já em relação ao efeito framing, posso dar o exemplo de um estudo que eu e outros autores conduzimos. Nele utilizamos membros de uma conferência como participantes de um experimento sem que estes soubessem. Como tal, é um exemplo do que algumas pessoas chamam de experimento de campo
natural, visto que os participantes estão envolvidos no que, para eles, são atividades normais, e desconhecem que estão participando de um experimento. Em Nottingham, em 2006, sediamos a Economic Science Association European Meeting. Como é comum em diversas conferências, oferecemos incentivos para as pessoas se inscreverem logo e pagarem a respectiva taxa até um prazo determinado. Os participantes sabiam que a taxa aumentaria depois do prazo e, quando escrevemos às pessoas informando que “seu artigo foi aceito; agora, por gentileza, pague a sua taxa de inscrição”, separamos aleatoriamente as pessoas em dois grupos e enviamos duas mensagens levemente diferentes. A única diferença: um grupo foi avisado de que haveria um desconto caso a inscrição fosse paga antes do prazo e, o outro, de que haveria uma multa para pagamentos depois do prazo. Mas as taxas, na verdade, eram idênticas. O que constatamos foi que participantes juniors (pesquisadores relativamente jovens, possivelmente doutorandos ou professores assistentes) tinham a tendência a se inscrever com antecedência no contexto da multa. Os participantes mais experientes não reagiram dessa forma. Ficamos muito contentes com esse resultado porque sempre que apresentamos evidências de coisas como os efeitos de framing a grupos de economistas e eles dizem que “as pessoas não estão entendendo de forma adequada; talvez seja algum tipo de decisão estranha para eles; talvez eles não tenham entendido essa escolha da forma correta”. Bem, esse experimento envolveu cerca de 200 economistas, e além disso, tratava-se principalmente de economistas experimentais que, imagina-se, estariam particularmente afinados com a moldura de problemas decisórios. Mas o resultado foi que pelo menos um subgrupo deles abriu espaço para uma anomalia bastante conhecida: enquadrar uma situação em termos de penalidades e perdas parece ter um efeito diferente de enquadrá-la em termos de ganhos e descontos.

Meu terceiro exemplo concreto se relaciona com o efeito posse. Um dos famosos experimentos iniciais a esse respeito foi o que Jack Knetsch publicou [5] no American Economic Review no fim dos anos 1980. Para cada um de três grupos de sujeitos ele propôs o que, do ponto de vista da teoria padrão, era a mesma questão: “você gostaria de sair desse experimento com uma caneca com o logotipo da universidade ou com uma barra de chocolate?” Mas ele propôs a pergunta de três maneiras distintas. Para um grupo, presenteou a caneca e perguntou se gostariam de trocá-la pelo chocolate. Para outro, ofereceu o chocolate e perguntou se gostariam de trocá-lo pela caneca e, para o terceiro grupo, não ofereceu nada, apenas perguntou o que preferiam. Agora, supondo que haja uma distribuição subjacente das preferências por canecas e chocolate na população, e supondo ainda que as pessoas tenham sido alocadas aleatoriamente entre esses tres grupos, então em cada um deles seria possível observar de forma não viesada a proporção de pessoas que preferem canecas a chocolates ou vice-versa na população. Mas o que se observou foi uma forte tendência de pessoas que preferem exatamente aquilo que obtiveram. Então, por exemplo, no grupo das canecas, quase 90% das pessoas revelaram a preferência pela caneca. Mas, no grupo do chocolate, apenas 10% pareceu preferir a caneca, e se tivessem de optar entre um e outro, o resultado foi intermediário: cerca da metade optou pela caneca e, a outra metade, pelo chocolate. Essa anomalia não raro é interpretada como evidência de que as pessoas têm uma espécie de tendência geral a dar mais valor ao que possuem do que ao que não possuem.

Os três exemplos apresentados ilustram que, quando se começa a conduzir experimentos, é provável que se encontrem anomalias ou resultados que parecem surpreendentes em relação à teoria padrão; e – como é necessário para figurar como uma verdadeira anomalia – esses resultados também são replicáveis e bastante resistentes a pequenas mudanças no desenvolvimento experimental. Todo tipo de pessoa, inclusive os economistas, está sujeita a elas.


A versão completa desta capítulo está disponível gratuitamente no Guia de Economia Comportamental e Experimental a partir da página 61.


Chris Starmer

PhD em Economia pela University of East Anglia. Professor de Economia e Diretor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Nottingham. Diretor do CeDEx (Center for Decision
Research and Experimental Economics
) e da ESRC NIBS (Network of Integrated Behavioral Sciences). Seus principais interesses de pesquisa relacionam-se com o desenvolvimento de modelos descritivos tomada de decisões (tanto individual e estratégica) através da aplicação de uma mistura de métodos teóricos e experimentais, Economia Experimental e metodologia experimental. Publicou artigos na American Economic Review, Econometrica, Economic Journal, Economica, Journal of Economic Literature, Quarterly Journal of Economics e Review of Economic Studies.

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