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…investigamos o potencial e as implicações da abordagem comportamental da pobreza e porque ela compara a tomada de decisão entre os pobres com a difícil tarefa decisória de “fazer caber tudo em uma mala pequena” (Mullanaithan & Shafir 2013)

Roberta Muramatsu
Economista e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo. PhD em Economia pela Universidade Erasmus em Roterdã. Professora adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora em regime parcial no Insper São Paulo.

Introdução

O desenvolvimento e a pobreza são fenômenos complexos, que desde sempre têm inspirado a ciência econômica e sua trajetória de evolução. Várias abordagens teóricas e metodológicas convergiram para a visão contemporânea acerca da multidimensionalidade da pobreza e do desenvolvimento como liberdade e expansão das capacitações dos indivíduos (Sen 2000; Nussbaum 2000; Alkire & Deneulin 2009).

Nosso ponto de partida é a visão de que grande parte da literatura econômica pressupõe que os indivíduos e grupos sociais são plenamente racionais, guiados essencialmente pelos seus próprios interesses e capazes de contornar qualquer fraqueza de vontade que lhes impeça de planejar e escolher o que é melhor para eles (Mullanaithan 2007).

O objetivo geral deste artigo é apresentar e avaliar contribuições que o programa de pesquisa em Economia Comportamental pode oferecer para uma explicação complementar dos desafios da pobreza e desenvolvimento humano em termos de obstáculos internos – heurísticas e vieses cognitivos e afetivos potencializados pela condição de pobreza material e privação de oportunidades ou direitos (Bertrand et al. 2004, Banerjee 2005, Mullanaithan 2007). Isso porque as abordagens econômicas tradicionais apoiam-se na premissa de que as dificuldades de inclusão e expansão de capacitações daqueles que vivem em privação referem-se fundamentalmente a restrições externas aos próprios indivíduos, como estruturas sociais, processos históricos e peculiaridades do marco regulatório.

Mais precisamente, investigamos o potencial e as implicações da abordagem comportamental da pobreza e porque ela compara a tomada de decisão entre os pobres com a difícil tarefa decisória de “fazer caber tudo em uma mala pequena” (Mullanaithan & Shafir 2013). Para tanto, o texto está organizado da seguinte forma. A primeira seção apresenta os fundamentos da perspectiva comportamental da pobreza e desenvolvimento, que se propõe a complementar a literatura de desenvolvimento humano (Anand & Lea 2011). A seção 2 investiga as perspectivas explanatórias da Economia Comportamental aplicada às esferas da educação e micropoupança (Karlan &Appel 2012). A terceira seção avalia as relações entre a Economia Comportamental do desenvolvimento e as políticas ou intervenções levemente paternalistas chamadas nudges (Sunstein 2012). Finalmente, a seção 4 discute as principais lições que se pode tirar do artigo.

1. Pobreza e Desenvolvimento sob as lentes da Economia Comportamental

A literatura econômica tem avançado para iluminar a constelação de fatores que caracteriza a pobreza e o desenvolvimento. Inspirados pela visão de desenvolvimento de Amartya Sen, a dimensão de privação material ou de escassez de renda caracteriza apenas uma das facetas da pobreza. Existem vários tipos de privação ou escassez que, por seu turno, se referem a dimensões institucionais, sociológicas, motivacionais e cognitivas da pobreza (Anand e Lea 2011).

Em seu Desenvolvimento como Liberdade, Sen explica a pobreza em termos de privação de capacitações. Tal fenômeno expressa a falta de oportunidades ou ausência de liberdades para os agentes fazerem as escolhas necessárias para o exercício do potencial de ser e fazer tudo aquilo que valorizam. Alguns exemplos referem-se à escolha de ser bem alimentado, ter vida longa; frequentar boas escolas; ter serviços de saúde de qualidade; ter acesso a produtos financeiros que possibilitam inclusão financeira e efetivo planejamento familiar; ter chance de participação ativa na vida econômica e política, entre outros (Sen 2000).

1.1 Economia Comportamental complementa o estudo sobre desenvolvimento

A Economia Comportamental propõe uma postura metodológica eclética, mais empírica e experimental para dissecar mecanismos e processos subjacentes aos comportamentos dos indivíduos. Para tal perspectiva, os julgamentos e decisões dos ricos e pobres enfrentam barreiras internas, tais como: (a) influência do contexto, efeitos de moldura e regras automáticas (default rules) com poder de inércia decisória e (b) problemas de autocontrole e tendência à procrastinação (Duflo 2012, Datta and Mullanaithan, 2014).

1.2 Barreiras que ampliam a complexidade do julgamento e decisão dos pobres

Mullanaithan e Shafir (2013) sugerem que a abordagem comportamental da pobreza nos ajuda a compreender o complexo comportamento decisório que a própria condição de escassez carrega. A pobreza molda a percepção de insegurança e a aversão à perda dos destituídos. Adicionalmente, distorce a qualidade do processamento de informação de modo tal que sua atenção e preferências priorizam resultados menores de curto prazo. Consequentemente, perde-se a habilidade de se planejar e de se comprometer com a obtenção de maiores resultados futuros.

1.2.1 Indivíduos são sensíveis a contextos de perdas e ganhos e às regras automáticas de escolha

O julgamento e a tomada de decisão dos indivíduos são influenciados pelos contextos e percepção das perdas e ganhos relativos (Kahneman e Tversky 1979). Vários experimentos sugerem que os agentes são duas vezes mais sensíveis às perdas do que aos ganhos (Kahneman 2003). Tais regularidades empíricas inspiram recomendações de políticas que sejam percebidas como ganhos postergados ao invés de perdas imediatas (World Bank 2015).

A existência de regras de bolso ou rotinas automáticas frequentemente visam comportamentos decisórios e indicam situações nas quais as pessoas preferem “não escolher” e “apertar o piloto automático” para economizarem esforço cognitivo para as tarefas mais importantes. Entretanto, as regras automáticas ou de modo padrão podem gerar consequências decisórias negativas, tais como se alimentar mal, poupar pouco e não fazer uso das alternativas disponíveis de saúde preventiva, microfinanças e educação.

Uma área interessante de pesquisa sobre a relevância das regras automáticas é a poupança para a aposentadoria. Há contextos específicos nos quais as pessoas postergam suas decisões de contribuir com um plano privado de aposentadoria existente que oferece ganhos maiores futuros para elas. Brigitte Madrian e Dennis Shea (2001) conjecturaram que a baixa adesão ao plano de contribuição definida 401(k) resultava do peso das regras automáticas. Para investigar a relevância do viés cognitivo, os autores observaram que quando o modo de comportamento decisório padrão era não aderir ao esquema de poupança 401(k), o número de participantes era de apenas 38% dos trabalhadores. Entretanto, quando o ambiente decisório foi alterado para a regra de poupança automática com opção de saída, as contribuições cresceram aproximadamente 86%.


A versão completa desta capítulo está disponível gratuitamente no Guia de Economia Comportamental e Experimental a partir da página 156.


Roberta Muramatsu
Economista e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo. PhD em Economia pela Universidade Erasmus em Roterdã. Atualmente é professora adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora em regime parcial no Insper São Paulo. Tem experiência na área de Economia e História do Pensamento Econômico, com ênfase em filosofia (metodologia) econômica e Economia Comportamental, atuando principalmente nos seguintes temas: a teoria da escolha, a relação mente e cérebro, as perspectivas da neuroeconomia, e as interações entre instituições, racionalidade e comportamento econômico. Tem artigos publicados pelo Journal of Economic Psychology, Journal of Economic Methodology, Revista de Economia ANPEC, Revista de Economia Política e Revista Estudos Econômicos.

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