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A aplicação da Economia Comportamental ao campo das Finanças é bastante conhecida (área de pesquisa conhecida como Finanças Comportamentais), porém, sua aplicação à Organização Industrial, em geral, e à regulação Antitruste, em particular, é ainda incipiente. Vale então tentar identificar como estes dois campos podem ser objeto de investigação conjunta, seguindo Bailey (2015). Mas, antes, seria importante lembrar as razões que podem ser elencadas para ser necessária uma intervenção antitruste.

Existe um conceito muito importante em Economia, a chamada falha de mercado, que ocorre sempre que as decisões individuais não levam aos resultados socialmente desejados. Ou seja, são situações em que o equilíbrio de mercado não é ótimo (Salanié, 2000). Com a falha de mercado, aquela ideia de que uma mão invisível irá implicar em um mercado eficiente fica comprometida, uma vez que o mercado não funciona perfeitamente quando deixado completamente livre.

As situações nas quais os mercados falham em ofertar bens e serviços para toda a demanda que se apresenta podem ser vistas nas áreas da educação, saúde e demais serviços de utilidade pública. Outro caso é aquele no qual o mercado oferta bens e serviços que não implicam em benefícios sociais, porque geram desmatamento, poluição, etc. E há ainda as chamadas imperfeições de mercado, que são as clássicas situações de ações anticompetitivas para alcançar resultados de monopólio, como o caso do cartel.

Se as falhas, bem como as imperfeições de mercado, estão à nossa volta, o que se apresenta como tentativa de amenização desses problemas é a regulação dos mercados. A ideia de regular mercados, com intuito de reparar falhas e imperfeições, tem em geral encontrado apoio na Microeconomia tradicional, pois fornece a base da área de Organização Industrial, da qual derivam os insights para a regulação antitruste.

Mas como ficaria a atuação antitruste que incluísse não a teoria neoclássica, como normalmente ocorre, mas as contribuições de tomada de decisão com o suporte da Economia Comportamental? Em outras palavras, como estudos sobre comportamento real, promovidos pela Economia Comportamental, ajudam a predizer comportamentos anticompetitivos?

Um primeiro aspecto a considerar é que o entendimento de tomada de decisão pelo consumidor é importante para a atuação antitruste, pois por este canal é que se compreende: como a demanda é determinada; como os consumidores desejam pagar ou substituir consumo, dependendo dos preços relativos dos produtos em questão; e como estas escolhas afetam o poder de mercado das firmas. Em resumo, estas são variáveis chave para se inferir sobre ações anticompetitivas; e se o processo decisório mais próximo da realidade do consumidor é considerado pelas firmas, então também deve ser por parte daqueles que as monitoram em nome da defesa da concorrência. Um segundo aspecto a considerar é que a tomada de decisão da firma teoricamente segue objetivos de maximização de lucro, e isto também é chave para compreender ações que possam se distanciar do comportamento otimizador.

Com estes dois aspectos, que parecem sustentar bem os princípios norteadores da regulação antitruste clássica, seria então importante indicar como poderia uma abordagem comportamental contribuir no processo de entendimento e monitoramento da natureza da competição dos mercados.  O ponto a se desenvolver então seria verificar o efeito do relaxamento das suposições de racionalidade sobre as decisões que afetam o poder de mercado e o tipo de competição entre as firmas.

Assim, ao invés de simplesmente avaliar se as firmas são maximizadoras de lucro, a Economia Comportamental também pode procurar entender como as firmas modificam seu comportamento para tirar vantagem das formas como os consumidores desviam do modelo de escolha padrão. É fácil perceber que as políticas de proteção do consumidor se valem disso, mas os efeitos antitruste são bem menos claros, como ressalta Bailey (2015).

Para vê-los, há toda uma literatura que relaciona mercados e comportamento. Armstrong e Huck (2010), por exemplo, analisam o efeito do comportamento das firmas pela ótica do comportamento dos seus administradores. Os autores descrevem a forma pela qual conluio ocorre a partir de um experimento em laboratório, tratando questões como o efeito do comportamento da denúncia sob programas de delação premiada. Tomando o comportamento como vingança em delação, por exemplo, ele é ambíguo, pois pode tanto enfraquecer quanto sustentar um resultado colusivo, na medida em que desvios aos acordos desencadeiam punição pelas próprias firmas participantes do cartel. Ou seja, a ameaça de delatar no futuro pode servir para que ninguém trapaceie o cartel. Por outro lado, experimentos sobre o sentido de lealdade entre os que infringem a lei explicam como os agentes facilitam a sustentação de acordos anticompetitivos.

Há ainda trabalhos que sugerem explicações da Economia Comportamental sobre as limitações em relação à identificação de cartéis e eventual punição dos responsáveis. Um dos motivos apontados é o fato de certos crimes ocorrerem porque os agentes responsáveis pela detecção dos cartéis são influenciados pelo benefício imediato (seja através de propina ou simplesmente pelo fato de se esforçar menos), enquanto os administradores das firmas nestes casos se comportam sem ponderar custos, dada o grande poder que obtêm em dirigirem grandes empresas. Em estudos comportamentais listados por Stucke (2010), como o survey de Engel (2008) e as evidências de DellaVigna (2009), os executivos são superconfiantes sobre sua habilidade de administrar uma empresa, sistematicamente subestimam a força de seus competidores, e são propensos a interpretações egoístas ou alinhadas com seus próprios interesses (como por exemplo culpar o entorno pelos resultados negativos).

Assim, abordagens geralmente aceitas sobre comportamentos anticompetitivos são passíveis de uma análise mais aprofundada em torno das motivações, ações escolhidas e resultados finais do processo de interação entre as firmas quando os insights sobre padrões comportamentais em decisões estão presentes.

Strucke (2010) traz estes insights ao considerar certos limites do antitruste fundamentado nos seguintes preceitos da teoria neoclássica: uma barreira geral sobre os cartéis; que os executivos fazem análise custo-benefício para internalizar em suas decisões o custo da punição pelo crime versus os benefícios, considerando a probabilidade de detecção e condenação; que a justiça impõe penalidade ótima, exatamente igual ao dano causado.  Empiricamente, tais limites podem ser percebidos pela observação do grande volume de denúncias de cartel em que grandes empresas de diversos setores no Brasil estão envolvidas. Isto não significa que a racionalidade na administração destas empresas esteja ausente, mas pode ser que os decisores não tenham antevisto os custos de serem presos diante do volume de denúncias. Vale assim entender que tipo de comportamento pode ter afetado a análise dos benefícios e custos de se fazer cartel.

O autor considera que fatores disposicionais (no sentido de disposição do próprio sujeito em torno de certos comportamentos) e situacionais (no sentido das situações exógenas que afetam o comportamento) delineiam motivações das ações ilegais de maneira mais complexa do que normalmente se prevê. No que diz respeito aos fatores disposicionais, uma possibilidade é a imperfeição da força de vontade. Stucker considera que os executivos ponderam o benefício imediato de lucratividade crescente para a firma, em termos de bônus, avanço na carreira, benefícios não econômicos (como prestígio e admiração dos pares) versus o possível custo de longo prazo de detecção de suas ações ilegais. No que diz respeito a fatores situacionais, o comportamento do criminoso de colarinho branco que faz acordos ilegais de preços colusivos pode ter um estímulo externo pela própria empresa, no caso deste ser um crime que não entra em conflito com os interesses corporativos. Strucke cita ainda casos em que os executivos podem vir até a serem compensados por tais ações, com subsequentes premiações como distribuição de lucros e promoções nos seus cargos de trabalho.

Portanto, o antitruste comportamental (termo usado por Tor (2014)) tem ganhado força, pois vários são os estudos que o liga aos problemas de monopolização, fusões e restrições verticais. Para os que se interessarem no tema, fica a mensagem de que futuros trabalhos que pontuem os efeitos desta abordagem trarão contribuições importantes na explicação da natureza dos mercados e na definição de políticas públicas de sustentação da competição.

 

Referências

Armstrong, M.; Huck, S. Behavioral Economics as applied to firms: a primer.CESIFO Working Paper n. 2937, Feb 2010.

Bailey, E. M. Behavioral Economics and Antitrust Policy. Review of Industrial Organization, n. 47, 2015.

DellaVigna, S. Psychology and Economics: Evidence from the Field. Journal of Economic Literature, v. 47, n.2, 2009.

Engel, C. The Behaviour of Corporate Actors: A Survey of the Empirical Literature. Max Planck Institute for Research on Collective Goods Preprint n. 2008, May 2008.

Salanié, B. The microeconomics of market failure. The MIT Press: Cambridge, Mass., 2000.

Strucke, M.E. Am I a price-fixer? A Behavioral Economics analysis of cartels.  (Mimeo) Jan 2010.

Tor, A. Understanding behavioral antitrust. Texas Law Review. v. 92. 2014.

 

 

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