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A conferência do Banco Mundial “O Estado da Economia, o Estado do Mundo” foi uma oportunidade de avaliar o surgimento de novos paradigmas no entendimento do desenvolvimento econômico. A partir da palestra de Ken Arrow sobre a história do modelo neoclássico e dos comentários de Shanta Devarajan sobre a centralidade do modelo no trabalho do Banco, eu tive a oportunidade de discutir dois paradigmas que surgiram recentemente na economia, sobre como os indivíduos tomam decisões, com base na psicologia, sociologia e antropologia.

O modelo neoclássico, que continua sendo a teoria padrão da economia, estuda a determinação social de preços. A teoria assume que indivíduos são atores racionais com preferências autônomas e estáveis. Consequentemente, a teoria assume que não há influência social em suas preferências. Mas essa hipótese tem sido contestada. Psicólogos têm demonstrado que indivíduos veem as coisas não como elas são, mas distorcidas, fazendo com que algumas características sobressaiam. Além disso, indivíduos preenchem as características faltantes utilizando informações derivadas de associações que podem ou não ser relevantes.

Por exemplo, veja a imagem abaixo. Cada quadro tem três figuras. O efeito de enquadramento te leva a ver a segunda figura em cada um dos quadros de forma diferente sem se importar com a ambiguidade.

Kahneman - enquadramento
Daniel Kahneman, Thinking, Fast and Slow, 2011

O sistema cognitivo pode ser visto como um aparelho que busca uma estrutura. Os modelos mentais (categorias, modelos, conceitos, identidades e histórias) que os indivíduos absorveram de suas experiências e vivências têm efeitos de enquadramento. Na psicologia, processos de percepção e cognição que eram tidos anteriormente como sendo universais para todos, são agora admitidos como sistematicamente variáveis de acordo com grupos culturais. Um motivo pelo qual esses processos são variáveis é que indivíduos utilizam protótipos – modelos de atributos – para classificar objetos em tipos específicos de coisas. Diferentes grupos culturais de indivíduos, por força de suas experiências e vivências distintas, teriam aprendido diferentes protótipos. Quando indivíduos aprendem novos protótipos, suas percepções e desejos podem se modificar.

Até mesmo, a exposição à ficção pode ser uma fonte para novos modelos e consequente mudança social. Hoje em dia, aproximadamente um quarto da população do Brasil assiste à novela às 21:15 toda noite. A Rede Globo, principal produtora de novelas do Brasil, cria as novelas com personagens com poucos ou nenhum filho, em agudo contraste com as taxas de fertilidade vigentes no país no mesmo período. A identificação causal do impacto das novelas da Globo sobre as taxas de fertilidade no Brasil baseia-se no tempo, sem dúvida, aleatório quando diferentes municípios obtiveram acesso às emissões da Globo.

Um estudo realizado por Eliana La Ferrara e colegas em 2012 mostra que o declínio nas taxas de fertilidade começou após o primeiro ano que o município obteve acesso às novelas. O declínio foi maior em mulheres com idade próxima à da personagem principal da novela corrente, o que é consistente com o efeito do modelo a ser seguido. Para mulheres com idade entre 35 a 44 anos houve diminuição de 11% da fertilidade média.

A seguir, vamos considerar o efeito do surgimento de um novo modelo em mercados, não em novelas, sobre cognição e comportamento. Há boas evidências de um experimento realizado por Robert Jensen que a proporção de mulheres jovens em uma aldeia indiana que possuem empregos influencia os modelos de casamento, educação, taxas de fertilidade e aspirações de outras mulheres no aldeia. Rob contratou recrutadores de call center e mandou-os recrutar mulheres em 80 aldeias selecionadas aleatoriamente (de um total de 160), todas aproximadamente a 100 Km de Nova Delhi (remotas demais para visitas lucrativas dos recrutadores). Seu experimento criou um surto na demanda de empregos em call centers e terceirização de processos de negócios (BPO – Business Outsourcing Processes) nessas 80 aldeias. Antes do experimento não havia nenhuma família com algum membro trabalhando em BPO. Como resultado do experimento, 11 pessoas em média por aldeia foram contratadas por 3 anos. A proporção de mulheres jovens com empregos em BPO aumentou de 0 para 5,6 pontos em média nas aldeias onde Rob enviou os recrutadores. A evidência sugere que o surto na demanda mudou a forma como as mulheres definiam suas vidas e como os pais consideravam e cuidavam de suas filhas, como mostra a figura abaixo. O mercado não apenas mudou os parâmetros de escolha; ele parece ter tido um impacto na forma como garotas e mulheres jovens consideravam a si próprias e eram consideradas por seus pais.

jensen-traduzido
Based on Jensen (2012)

Assim como experiências sociais e estruturas que criam novos protótipos e outros modelos mentais podem expandir o senso dos indivíduos de quem eles são e aumentar suas aspirações, experiências sociais também podem enrijecer a sociedade. Um padrão social que oferece apenas educação básica às meninas pode criar esterótipos de que mulheres educadas são “imorais” e ameaçam a ordem social. Os estereótipos podem sustentar a baixa demanda para educar filhas e, portanto, baixa colocação de mulheres em postos de trabalho, mantendo os padrões e estereótipos em um “ciclo de constituição mútua.” Esta idéia tornou-se central no trabalho dos psicólogos Hazel Markus e Shinobu Kitayama.

Vamos resumir. Com baixa capacidade cognitiva, os humanos precisam utilizar modelos mentais para processar informação. No nosso artigo recente, Joe Stiglitz e eu argumentamos que a percepção de oportunidades objetivas, ao invés das próprias oportunidades objetivas, são, as vezes, uma variável útil na teoria econômica. Considerando-se as percepções distorcidas e as histórias que as moldam podemos explicar muito mais resultados como equilíbrio do que o modelo neoclássico padrão o faz.

Sumarizamos os três paradigmas de tomada de decisão na economia. No modelo neoclássico padrão, o tomador de decisão é o ator racional com preferências estáveis e autônomas. Independente das restrições que enfrenta, suas preferências, percepção e habilidade de aproveitar quaisquer oportunidades que surjam não se altera.

A economia comportamental parte desta visão do tomador de decisão. Joe e eu distinguimos duas largas vertentes deste trabalho. Na primeira, o tomador de decisão é um ator semi-racional. O contexto no momento da decisão fornece enquadramento e influências que afetam a percepção, a atenção e o comportamento. Richard Thaler e Cass Sunstein no seu livro, em 2008, mostram que isso significa que políticas (“arquitetura de escolhas”) podem influenciar indivíduos a fazer escolhas melhores sem alterar seus incentivos ou informações reais. Cass apresentou um rico conjunto de mecanismos e exemplos em sua palestra na conferência, na semana passada.

A segunda vertente da economia comportamental traz a cultura (isto é, modelos mentais) para a economia. Nesta vertente do trabalho o tomador de decisão é um ator culto. Existe determinação social não apenas de preços, mas também de “quem são os indivíduos”. O ator culto é um novo modelo na economia de como os indivíduos tomam decisões. Políticas de desenvolvimento econômico estão apenas começando a explorá-lo.

Hoff and Stiglitz
Based on Hoff and Stiglitz (2016)

Artigo original: Do social factors determine “who we are” as well as the choice sets we have?
Autoria: Karla Hoff
Tradução: Marisa Averbuch

(*) Agradecemos a autorização especial de Karla Hoff do Banco Mundial para tradução do texto para o site!

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