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corruption

No portal Transparência Internacional é possível ver que 68% dos países de todo o mundo vivem em um ambiente de intensa corrupção, incluindo metade dos países do G20. Infelizmente, o Brasil compõe este grupo e, obviamente, não são somente políticos e funcionários do setor público que sofrem deste desvio de conduta, para ser amena na adjetivação. Também o setor privado é passível de tal problema, tanto que certas empresas brasileiras estão usando testes em processos de seleção e promoção de executivos para identificar aqueles com tendência a cometer fraudes, desvios e atos de corrupção (por exemplo, ver reportagem do Valor).

Na Teoria Econômica, o efeito da corrupção pode ser pensado de forma agregada, estudando seus efeitos na desigualdade de distribuição de renda, redução do crescimento econômico, etc. Igualmente importante, contudo, é refletir sobre o papel da corrupção nas decisões microeconômicas. Ou seja, também é interessante entender o comportamento dos que optam por cometer o crime de corrupção. A motivação para tal compreensão é a de trazer um olhar sobre a complexidade nas escolhas que seja capaz de mostrar nuances imperceptíveis à tradicional análise de custo benefício adotada por economistas.

Sob a vertente teórica convencional, a análise da coexistência da corrupção com mecanismos de delação e punição se dá pelo seu caráter compensatório, ou seja, se há corrupção é porque o crime “compensa”. Sob esta ótica, uma solução seria estimular ampla delação e intensificar a punição. Mas, seguindo o raciocínio, se, mesmo com o incremento da probabilidade de punição relativamente custosa, os crimes de corrupção persistirem no longo prazo, é porque há algo que escapa da análise comparativa de pós e contra dos indivíduos agirem ilegalmente.

Considerando as denúncias atuais no caso brasileiro, há um indício de que os crimes de corrupção são muito antigos, ou seja, de longo prazo. Desta forma, entender um comportamento dinâmico destes crimes ajudaria a responder duas perguntas simples, mas, ao mesmo tempo, de certa profundidade comportamental: porque pessoas que já têm renda tão alta (em relação à maioria da população) corrompem e se deixam corromper? É puramente o interesse monetário que rege suas ações?

A literatura em Economia Comportamental e Experimental possui diversas contribuições ao entendimento das razões para a existência da corrupção, do ponto de vista das escolhas individuais, sem perder de vista os motivos sociais. Em Lambsdorff (2012), há um bom levantamento destas contribuições e seu argumento parte do seguinte raciocínio: a Teoria da Escolha Racional passa duas mensagens opostas na resposta para a existência da corrupção, ou sobre o porquê há mais ou menos corrupção. Por um lado, ela indica que, se há muita corrupção, é porque o benefício é maior do que o custo. A outra parte da explicação gera conclusão oposta, pois se alguém aceita propina, não haveria porque este alguém cumprir o que se propôs a fazer. Isto seria o mesmo que dizer que propina não é um Equilíbrio de Nash perfeito em subjogos e então não poderia ser implementada. Pois aquele que aceita a propina simplesmente pode receber o dinheiro e trapacear o corruptor, na medida em que não há nada que o obrigue a cumprir o acordo. Assim, a Teoria da Escolha Racional pode ser usada para concluir o oposto, ou seja, que benefício maior do que custo pode explicar menos corrupção.

O autor indica então que tal dubiedade de resultados ocorreria pela falta de um link fundamental no entendimento da corrupção. A partir da investigação do comportamento humano, este link seria o sentido de reciprocidade, ou aquilo que se faz como devolução, compensação ou restituição. Um exemplo de pessoa comprometida com um comportamento de reciprocidade seria aquela que é afável com amigos (reciprocidade positiva) e vingativa quando trapaceada (reciprocidade negativa). Mas porque este comportamento seria a chave para entender motivações em torno da corrupção ?

Para explicar este ponto, Lambsdorff busca unificar os resultados do raciocínio convencional e começa por analisar se as tarefas delegadas podem ser cumpridas até mesmo quando for lucrativo não honrá-las. Para tanto, parte da Teoria do Principal-Agente aplicada à corrupção, onde o agente deve ser motivado a cumprir suas obrigações. Uma alternativa tradicional seria a instituição de punições ou bônus, um método reconhecidamente custoso para superar desvios de conduta desta ordem . Outra alternativa, apontada pela Economia Experimental , estaria no papel da reciprocidade em explicar incentivos. Por exemplo, há estudos que mostram que o método de escolha de um monitor, que será responsável por monitorar um agente que está diante de incentivos de corrupção, é capaz de afetar o comprometimento daqueles que o escolheram. Os experimentos indicam que um monitor eleito, ao invés de escolhido aleatoriamente, cria laços de reciprocidade e cultiva o desejo entre os monitores de servirem ao seu eleitorado .

Outra explicação possível é que os agentes dotados com maior payoff inicial são mais recíprocos com os que lhes oferecem propina do que com que o principal. Interessante aqui é que, nos experimentos, os agentes mais ricos não são mais honestos e tendem a trapacear aqueles que lhes oferecem propina. Então, a reciprocidade que deve ser entendida é em torno daquele agente que age de acordo com o que foi determinado pelo principal. Esta literatura indica então a necessidade de entender o comportamento que o principal teria que alcançar para obter a gratidão do agente. Se o principal tiver uma crença pessimista sobre a performance do agente, exibindo falta de confiança e esperando pouco esforço, o agente irá agir de acordo com o esperado. E a imposição de penalidades mina a motivação intrínseca dos agentes. Portanto, o principal deveria assumir um papel duplo, capaz de impor regras que gerassem medo de punição e, ao mesmo tempo, agir de forma a cultivar fortes laços com os agentes, mostrando confiança que seria retribuída com esforço na tarefa que lhes coubesse.

Lambsdorff aponta ainda a importância de se compreender a reciprocidade do cidadão regular no exercício da cooperação cívica. Os meios de penalização aplicados por este cidadão assumem formas como o término da cooperação e afastamento, bem como medidas ilegais, como discriminação, destruição de reputação ou até violência física. Os experimentos mostram a reação dos cidadãos sobre comportamentos free-riders que são antissociais e indicam que países com baixos níveis de corrupção cultivam normas sociais de solidariedade de grupo e punição de oportunistas. Por outro lado, quanto maior o grau de corrupção, mais os grupos pró-sociais são colocados no ostracismo.

Outro exemplo do efeito de reciprocidade do cidadão diante da corrupção é que as pessoas punem não somente quem as prejudica, mas também quem prejudica os demais, indicando que reciprocidade não somente diz respeito aos interesses individuais. Assim, Lambsdorff aponta certos estudos que buscam observar como os cidadãos reagem ao conluio entre firmas e servidores públicos, diante da redução de seus payoffs. Uma indicação na literatura é a de que este tipo de punição altruísta foi mais pronunciado entre mulheres que participaram do experimento. Outro é que em países com alto nível de corrupção e normas de controle impostas de cima para baixo (ao invés de normas sociais em que os cidadãos cultivam cooperação) contrastam com pouca punição altruísta.

Nesta busca do entendimento do papel da reciprocidade como link para a existência da corrupção, Lambsdorff indica ainda um terceiro campo de entendimento: o da reciprocidade do criminoso. Isto porque a oferta de propina é um empreendimento árduo e pessoas que são corruptas lidam com incerteza sobre o que irão obter depois de pagarem propina. Mesmo esperando atitudes recíprocas, os criminosos não estão certos de que irão alcançar seus objetivos. Como resultado, devido à dificuldade de impor transações corruptas, estas frequentemente são levadas adiante por meio de uma rede de atores confiáveis e clientes usuais. Ou seja, a corrupção é mais provável de ocorrer entre integrantes de uma rede corrupta, os quais são selecionados de acordo com a probabilidade de retribuir favores (ou seja, dão indícios de serem do tipo que oferecem reciprocidade positiva).

Uma prescrição normativa que surge desta literatura é que os métodos de impedimento de propina, ao invés de pautados somente em detecção e punição, devem inibir reciprocidade corrupta e encorajar os atores corruptos a trapacearem uns aos outros. Outra indicação é que pessoas independentes devem supervisionar decisões importantes, pois corromper dois parece mais difícil do que somente um. Mas alguns experimentos indicam que tal conclusão pode ser ingênua, porque a repetição deste jogo de dois agentes pode fazer com que eles priorizem cultivar a reputação de reciprocidade mútua ao invés de agirem dentro do princípio de revisão pelos pares. Por sua vez, mecanismos de delação premiada, muito recomendados para desestabilizar transações corruptas, também são passíveis de serem estudados pela lógica da reciprocidade. Basicamente, Lambsdorff aponta o efeito dúbio que a leniência pode ocasionar, na medida em que o corrupto pode desestabilizar o esquema de propina se delatar, bem como pode tornar tal esquema mais estável ao ameaçar usar a delação como punição à trapaça no grupo criminoso. Ou seja, pode ser que a leniência garanta reciprocidade de corrupção.

Por último, Lambsdorff ressalta que anticorrupção, como uma cruzada moral, não pode deixar para a racionalidade individual um papel excessivo, num contexto humano de moralidade falível. Assim, ele apresenta o papel da reciprocidade na corrupção em um campo novo, da ética experimental, cujo objetivo é entender melhor os limites do julgamento moral. Neste campo, ao invés de balancear os custos e benefícios de fazer o bem, se pondera custos versus benefícios de se sentir bem e a reciprocidade neste caso viria em torno da autoimagem do indivíduo, ao invés da imagem dos outros.

Alguns experimentos em ética indicam resultados interessantes, como o que aponta a existência de licenças morais em anticorrupção, decorrente de comportamentos sociais que desenham imagem favorável de si mesmo, ao invés de tentar mudar a realidade. Um exemplo seria um parlamentar expressar desaprovação pública acerca de arrecadação irregular de recursos para eleições, mas agir a favor dos grupos que utilizam estes meios ilegais. Os próprios sistemas de controle interno das empresas poderiam também funcionar como licença moral, na medida em que permitem expressar os abusos tanto quanto tolerância quando propina for considerada inevitável.

Concluindo, a literatura apresentada pelo autor indica que é necessário ter uma imagem mais compreensível dos humanos diante de incentivos corruptos e que os insights podem ajudar na análise não somente do momento atual pelo qual passa a economia brasileira, bem como na definição de mecanismos para conter corrupção e promover reformas sociais.

Referência: Lambsdorff, J. G. Behavioral and experimental economics as guidance to anticorruption. IN: Serra, D.; Wantchekon, L. New advances in experimental research on corruption: research in experimental economics, vol. 15, p. 279-299. 2012

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