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“Só quando a maré baixa é que descobrimos quem está nadando pelado”
— Warren Buffett

Em 2008, enquanto eu analisava padrões de “mau comportamento” em banqueiros às voltas com uma crise financeira de proporções épicas, sugeri que, no que diz respeito à regulação, os mercados financeiros poderiam beneficiar-se de uma abordagem mais baseada em comportamento: um enfoque maior nas interações de Humanos reais e menor nos “Econs” imaginários. Os sujeitos de minhas pesquisas, muitos deles Econs muito bem remunerados, replicaram, irritados, que os mercados voltariam a funcionar bem se nós todos nos esforçássemos um pouquinho mais e acertássemos nossos modelos quantitativos.

Menos de cinco anos depois, em 2013, o governo de “Sua Majestade” instituiu a Financial Conduct Authority (FCA), o primeiro órgão oficial do mundo criado especificamente para regular o comportamento financeiro.

Chegamos a 2015, esse órgão regulador é agora um volúvel ente de dois anos que faz suas próprias pesquisas comportamentais e estabelece um rumo que outros reguladores cada vez mais vêm seguindo. O que aconteceu e o que está acontecendo?

Tudo está ficando um tanto mainstream

Se você lida de algum modo com o mercado financeiro, a Economia Comportamental é mais do que apenas uma teoria da moda. De repente, a regulação comportamental tornou-se real, e obedecer aos seus ditames está ficando cada vez mais caro. Empresas provedoras estão recebendo multas vultosas não só por se comportarem mal com seus consumidores, mas também por ações que não praticaram e, por causa disso, tiveram impacto negativo sobre seus clientes. Quando se trata de comportamento, os reguladores tratam de punir os pecados de omissão tanto quanto os cometidos.

Desde o princípio, a FCA do Reino Unido estabeleceu um programa assertivo, e recorre à análise comportamental para “inserir os interesses do consumidor no cerne dos negócios [regulados]” (FCA, 2013), disposta a definir seu próprio papel de um modo abrangente e a trabalhar com outras entidades reguladoras para obter resultados. Uma de suas armas comportamentais preferidas consiste em forçar as empresas a projetar incentivos assimétricos, por exemplo, comissões em dinheiro vivo e conflitos sistêmicos de interesse, promover “estruturas de mercado mais funcionais” e proibir práticas de venda que “tirem proveito do viés do consumidor” (FCA, 2014).

… e global

Outros reguladores e supervisores financeiros do planeta agora estão expandindo sua alçada, tanto no alcance jurisdicional como no escopo das transgressões definidas. O risco de conduta — agora definido como um subconjunto do risco comportamental — aparece com frequência sempre crescente como um foco de atenção específico. Agências reguladoras colaboram internacionalmente para explorar o tema, por exemplo: a FCA com a reguladora de competição local (CMA), a revisão da proteção ao consumidor pelo Banco Central da Irlanda por intermédio da reguladora holandesa (AFM, 2015).

Também individualmente os reguladores continuam a ampliar seu alcance. A FCA recentemente assumiu o setor de empréstimos pessoais (HCSTCs). Juntamente à sua irmã reguladora, a PRA (Prudential Regulatory Authority), agora também tem poderes para intervir diretamente contra qualquer diretor não-executivo (FCA, 2015b).

São os riscos comportamentais que continuam a despertar o maior interesse dos reguladores. Assimetrias em informações são vistas como um ponto de partida natural para ações de repressão a “estratégias abusivas” (FCA, 2015a) — uma clara referência a escândalos recentes envolvendo manipulações de preços de mercado do Forex e de taxas de juros de referência.

No nível mais básico, a reguladora do Reino Unido também começou a usar estudos sobre comportamento do consumidor a fim de chamar a atenção para formas comuns de vieses, lembrando aos provedores que esses vieses afetam não só os consumidores do varejo, mas também os peixes grandes da clientela: contrapartes elegíveis e profissionais liberais. Todos os consumidores, grandes ou pequenos, novatos ou veteranos, devem ser alertados sobre “expectativas elevadas irrealistas” (FCA, 2015a), resultantes de vieses tanto do lado do vendedor como do comprador. O ônus agora incide sobre os provedores, que deverão ser responsabilizados pelo modo como uma variedade de vieses reais ou percebidos afeta cada comprador e por neutralizar quaisquer vieses inerentes tanto do lado do comprador como do lado do vendedor — embora ainda não se saiba como isso será implementado.

De volta à escola

As “possíveis áreas de vieses” que estão no topo da lista das novas reguladoras (FCA, 2014) parecem um curso introdutório de Economia Comportamental: incluem viés do presente, excesso de confiança, framing e comportamento de manada. Tudo isso representa um triplo desafio para os consultores, a quem agora se pede que resolvam esses ardilosos problemas cognitivos, expliquem à reguladora como chegaram à solução e provem como sua abordagem funciona, apontando os méritos relativos dos métodos que escolheram para controlar os riscos comportamentais.

Se tudo isso está parecendo algum novo tipo de exame para financistas, é porque é mesmo. No entanto, está em jogo mais do que notas de exame. Estamos falando de licenças para operar no mercado, da remuneração de diretores de financeiras e seus funcionários e, em última análise, da sobrevivência de mercados inteiros.

Reguladoras financeiras em outras jurisdições não estão muito atrás, e já têm propostas de estender seus poderes ao controle do comportamento depois de descobertas de “buracos negros” de conduta por parte de provedores em vários outros mercados. Agora que outras jurisdições vêm introduzindo gradualmente políticas comportamentais próprias para suas áreas, vale a pena ressaltar que a reguladora do Reino Unido fez uma útil e importante distinção global entre dois elementos separados do comportamento: o viés inato (aqueles pontos cegos cognitivos com que todos nós nascemos) e o “mau comportamento” socialmente validado (em especial a tendência de equipes de vendas hipermotivadas a conspirarem para vender mais do que compradores ingênuos necessitam adquirir).

Novos pressagiadores de mau comportamento

Todos gostaríamos de pensar que nossos escritórios são povoados por pessoas movidas por motivações positivas, mas a realidade é que parte das nossas equipes se conduz de modos não condizentes com o bom comportamento esperado. Além disso, o comportamento de cada indivíduo ajusta-se constantemente em reação a reforços tanto positivos como negativos.

A ciência comportamental nos oferece um vislumbre muito bem-vindo nesse campo. Por exemplo, e como poderíamos esperar, um funcionário típico gosta mais de fazer as coisas que produzem uma reação boa em seus colegas e menos de fazer as coisas que o deixam incomodado. No entanto, cada um de nós também pode, inconscientemente, associar nossas possíveis ações a um quadro mental altamente pessoal (reificação) do prazer ou dor que provavelmente resultará delas e, assim, aumentar ou diminuir a quantidade dessas ações.

Um empregador manipulador, sabendo disso, pode usar esse efeito para direcionar o comportamento dos funcionários para um lucrativo afastamento das normas aceitáveis. Alguns podem substituir a simples recompensa ao esforço por uma alternativa potencialmente perigosa — um condicionamento instrumental — que ofereça maiores recompensas a quem se dedicar a versões locais eticamente flexíveis das práticas de trabalho (“o modo como fazemos as coisas por aqui”) (Miles, 2012).

Otimistas ingênuos?

Na sala da diretoria, e repentinamente encarando a ameaça aparentemente pessoal de uma possível temporada na prisão, cada diretor está tendo que aprender a ser mais vigilante. Hoje ninguém pode mais se dar ao luxo de supor que uma cultura de risco positivo é o padrão na definição de valores de sua organização. Os diretores estão aprendendo, por exemplo, a ter mais cautela com aquele seu popular gerente de linha que facilita aos funcionários certas práticas contrárias à ética “normalizando” logo de saída qualquer comportamento transgressor.

Antes, um empregador que quisesse contornar as regras podia criar rotinas de trabalho que fizessem um mau comportamento parecer familiar e aceitável, sabendo que o incômodo latente dos funcionários ao executar uma tarefa duvidosa diminuiria quanto mais vezes eles repetissem a tarefa. Com o passar do tempo, a equipe poderia aceitar e até acabar apreciando atividades regulares que, intuitivamente, sabem que são problemáticas. Acrescente a esse cenário a tendência humana a acreditar em tudo o que os superiores dizem, e a se enturmar copiando os outros integrantes do grupo, e fica fácil ver que o comportamento da equipe — bem como a cultura de risco da empresa como um todo que decorre desse comportamento — são passíveis de considerável manipulação. Isso acabou.

De agora em diante, os reguladores estão a postos para coibir.

A versão completa desta capítulo está disponível gratuitamente no Guia de Economia Comportamental e Experimental a partir da página 314.


roger miles
Roger Miles é pesquisador e consultor de risco comportamental do Berkeley Research Group e assessora líderes do setor público, comércio e profissões liberais. Também leciona e aplica exames a pós-graduados que estudam percepção de risco e efeitos comportamentais relacionados. Foi consultor em gestão de proteção de valores e outros ativos para importantes empresas financeiras e sociedades de profissionais liberais e para a maior empresa de advocacia de provedores financeiros da UE.

Suas explicações claras sobre risco, vieses e comportamento em mercados financeiros, além de seus comentários sobre riscos de conduta (para a Reuters), têm leitores no mundo todo, inclusive nas agências reguladoras. É colaborador de textos práticos para especialistas (FT, IOR, GARP, OCEG) e de obras de divulgação sobre risco para o público leigo (como Watching the English e Trial and Retribution).

O estudo de campo comportamental do dr. Miles sobre membros de diretoria que manipularam seus próprios controles de risco durante o crash de 2008, publicado em Operational Risk: New Frontiers, predisse o surgimento de uma nova entidade de regulação de conduta dois anos antes da criação da FCA.

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