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Certa vez estava vendo Neil deGrasse Tyson, astrofísico, contar sobre as filhas e a relação delas com a existência da fada dos dentes. As filhas ao perguntarem sobre a criatura que trocava dentes por dinheiro, e extasiadas por terem conseguido moedas dormindo, ele questionou “E como vocês sabem que era uma fada dos dentes?”.

Apesar da pergunta parecer cruel com a fantasia das crianças, ela tem um ponto extremamente importante. O pensamento crítico. Como se não bastasse, ele estimulou o pensamento científico/experimental delas. O resultado? Elas começaram a criar formas de metodologias para identificar o fenômeno da “fada dos dentes”. Papel alumínio no chão, para quando a fada chegasse fizesse barulho e provasse sua existência. Apanhador de sonhos, para captura-la. Ou seja, criavam novas metodologias.

Este é um dos pontos fantásticos da Economia Comportamental. A área é muito forte experimentalmente e desenhar métodos que mensurem a qualidade da sua intervenção é fundamental. Não podemos simplesmente utilizar o argumento de autoridade e esperar que o outro encare como verdadeiro.

Ariely, Mazar e Ami (2008) queriam mensurar o comportamento desonesto, como eles fizeram isso? Com os acertos a mais contados pelos participantes quando comparados ao grupo controle. Reparem que Ariely não questionava “Você é desonesto?” pois ele teria grande dificuldade em mensurar isso. Ele criou uma situação que era possível “enganar” o experimentador e depois ver o quanto era “enganado”. E quando Gneezy & List (2013) observaram qual intervenção fazia as pessoas doarem mais dinheiro, eles mediam da forma mais óbvia: quantidade de dinheiro arrecadado. Ter uma medida torna a sua ação comparável com outros experimentadores.

Alguns experimentos não soam tão óbvios essa mensuração. O famoso nudge do aeroporto da Holanda*, a mosca na privada do banheiro, como você pensa que mensuraram a eficácia do adesivo? Alguém ficou do lado contando os “acertos”? Essa medida acabaria por enviesar o resultado, além de constranger os usuários. Na verdade, é muito mais simples. Foi verificar a sujeira feita no banheiro, os relatos são de 80% menos de “líquidos” fora do lugar no aeroporto de Amsterdã (Thaler & Sunstein, 2008).

Quando você faz uma intervenção é interessante observar o método utilizado de mensuração utilizado e então sua possibilidade de replicação. Uma das experiências que tive com isso, foi interessante. Novamente queríamos saber a eficácia de um nudge, mas agora relacionada à higiene das mãos. Qual seria o melhor método? Ficar ao lado das pias de higiene? Índice de infecção hospitalar? Aqui vai outra informação importante: é sempre bom mergulhar no problema antes de pensar em intervenções. Se alguém simplesmente molhasse a mão, isso seria contado higiene? Não. O que é considerado uma mão “apta” é o uso correto de clorexidina (sabão hospitalar). O que foi usado para mensurar a eficácia? A quantidade de sabão gasto com intervenção ou não. Simples assim.

Para que isso seja mensurado uma etapa a mais é fundamental de se pensar: o teste piloto. O piloto serve para que você perceba que a intervenção ou a ação que está ocorrendo de fato mensura o que você quer medir. Isso economiza tempo, dinheiro e ainda uma grande dor de cabeça. Se as filhas de Neil deGrasse Tyson tivessem feito pilotos elas inicialmente observariam se o papel alumínio era de fato um bom indicador de fadas dos dentes. Sendo a resposta negativa. Elas caminhariam então, para identificar outra forma de identificar o fenômeno “fada”.

Pessoas e empresas em geral podem se beneficiar muito deste tipo de pensamento, para citar alguns:

*O registro de doadores de órgão no Canadá aumentou após a intervenção feita¹. Mensuração: Quantidade de inscritos.

*O preço das garrafas de vinho em uma vinícola foi testado experimentalmente o quanto os consumidores gostariam de pagar (Gneezy & List, 2013). Mensuração: Quantidade de vendas.

*As pessoas gastavam mais com limpeza de roupas quando utilizavam cartões de crédito (Soman, 2003). Mensuração: Quantidade de dinheiro gasto.

Um controle bem feito, isolando o fato a ser mensurado dos outros e observando se sua intervenção fez efeito é fundamental. Por exemplo, quero observar se a mosca na privada obteve efeito. Não tem sentido eu colocar em todas as privadas a mosca, pois assim a mensuração perderia sentido. Eu coloco em alguns e outros eu deixo sem, de forma aleatória, assim eu observo se as que eu coloquei tiveram diferença significativa de sujeira. Dessa forma eu respeito 2 pontos fortes para validade da minha intervenção: Aleatoriedade e controle. Se minha amostra foi aleatória o suficiente ela apresenta um apanhado maior do comportamento, com menos viés (Se o banheiro fosse pouco frequentado, ele seria mais limpo e isso enviesa minha amostra – por exemplo). E controle, alguns banheiros possuem a intervenção e outros não, assim tenho padrão de comparação.

Uma outra maneira de se fazer esse controle seria: registrar o histórico de sujeira dos banheiros, coloco a intervenção por 2 semanas e registro, retiro a intervenção e registro. Por fim coloco a intervenção de novo. Se a intervenção de fato fez efeito, nas 4 semanas que esteve lá ela deve ter registrado uma mudança estatisticamente significativa relacionando ao momento em que não foi colocado nenhuma intervenção.

Mesmo que o experimento não demonstre nenhum resultado há o que se aprender: a intervenção daquela maneira não foi eficaz. As filhas do astrofísico obviamente não conseguiram capturar a fada dos dentes. Mas isso também deu um insight para elas. Se todas as crianças estavam com dificuldades de capturar a fada dos dentes, talvez ela fosse na verdade os próprios pais delas. Então desenvolveram o último método: Quando um dente caísse eles colocariam o dente embaixo do travesseiro e não contariam para os pais. Se o dente não se transformasse em dinheiro fatalmente a fada para existir deveria passar pelo conhecimento dos pais.

O resultado é óbvio para todos. As crianças desenvolveram uma forma de capturar os próprios pais nesta ação. Ao não serem informados do dente os pais não colocaram moedas o que ficou claro o vínculo entre os pais e a fada. Como se pode ver, com esse exemplo é instigante e pensar dessa forma pode ocorrer em qualquer idade. Baste o mindset estar voltado para isso. Se crianças podem ser estimuladas a pensar desse jeito, imagine uma empresa.

* O aeroporto da Holanda estava com problema de homens que eram péssimos de mira. Como intervenção colocaram adesivos no mictório com moscas. Os homens passaram a ter uma mira melhor provavelmente e intuitivamente por tentar “acertar a mosca”.

Referências:

Gneezy, U., List, J. (2013). The Why Axis: Hidden Motives and the Undiscovered Economics of Everyday Life. PublicAffairs.

Mazar, N., Amir, O., & Ariely, D. (2008). The dishonesty of honest people: A theory of self-concept maintenance. Journal of marketing research45(6), 633-644.

Soman, D. (2003). The Effect of Payment Transparency on Consumption: Quasi-Experimental from the Field. Marketing Letters 14:3, 173-183.

Thaler, R., Sunstein, C. (2008) Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness. Penguin Books.

¹Behavioral Insights Pilot Project – Organ Donor Registration: Acessado dia 15/11/2018 em: https://www.ontario.ca/page/behavioural-insights-pilot-project-organ-donor-registration

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