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Em 1993 o professor de Yale, Joel Waldfogel, escreveu o artigo “O peso morto dos presentes de Natal” e calculou que algo entre 10% a 30% dos valores gastos com presentes natalinos seriam “perdas econômicas”. Ele perguntou a seus alunos o quanto estariam dispostos a pagar pelos presentes recebidos e comparou esses valores com quanto foi provavelmente gasto para os comprar. Essa diferença entre a disposição a pagar e o gasto provável foi então usada para estimar tais perdas econômicas.

É verdade que, frequentemente, as pessoas ganham presentes indesejáveis (eu, por exemplo, sempre ganho panetones), mas o que Waldfogel descreve vai um pouco além disso. A racionalidade econômica é simples: Qualquer pessoa conhece mais suas próprias preferências do que outras pessoas, e portanto, tendo dinheiro, ela vai gastar da maneira que acha a melhor possível. O artigo de Waldfogel argumenta nessa linha: seria um melhor presente dar dinheiro (ou cartões de lojas) no lugar de qualquer outro objeto. A racionalidade econômica é direta: dando dinheiro a pessoa vai comprar o que ela quer, o que é, provavelmente, melhor do que o presente que outra pessoa daria.

Mas a economia comportamental sabe que a racionalidade humana não é simples nem direta. Existem bons motivos para se dar presentes e não dinheiro e esse texto vai apontar pelo menos dois: Contabilidade Mental e “Precificação de Valores Sociais”.
A teoria da Contabilidade Mental (já foi descrita aqui antes) analisa como pensamos o dinheiro. Um dos seus efeitos mais estudados é denominado Orçamentação Mental e aponta que as pessoas tendem a categorizar seus gastos, o que dificulta a comparação de despesas entre tais categorias. Essa categorização pode nos levar a evitar gastos com objetos que gostamos muito! Podemos , por exemplo, desejar fazer um curso de culinária, ou uma cerveja importada, ou um ingresso para um show, e ao mesmo tempo concluir que não temos dinheiro para esse tipo de consumo, mas não devido a total falta de dinheiro, e sim porque não alocamos dinheiro para essa gasto[A].  Objetos nessas categorias são perfeitos para presentes. Por exemplo, eu tenho um amigo que ama um jogo de cartas chamado Magic, mas que não gosta de gastar dinheiro com Magic por considerar um gasto supérfluo [B]. Se eu der dinheiro a ele, provavelmente ele vai gastar com o cotidiano, comida, bebida e afins [C]. Entretanto, dando a ele as cartas de Magic, ele receberá um objeto que ele gostaria muito, mas que evita comprar em razão da contabilidade mental e do total de recursos alocados a esse tipo de gasto. A felicidade vinda desse tipo de presente é bem maior do que qualquer compra que a pessoa faria com o dinheiro. Esse é o típico caso em que: Presentes > Dinheiro.

A “Precificação de Valores Sociais” é outro motivo. Muitos comportamentos não tem valor econômico bem determinado, mas tem um valor social intrínseco. Presentes são um bom exemplo disso. Imagine que os pais de seu(a) namoradx o convidaram para um jantar. Você, como convidadx, deve levar um vinho. Você sabe que os pais dx companheirx são fanáticos com vinho, do tipo que faz cursos de vinho e tem dezenas de garrafas em casa. Você como um(a) leigx em vinho sabe que eles escolheriam um vinho muito melhor que você. Como você já fez algum curso de Economia, chega na hora do jantar e dá uma nota de 100 reais para os sogros e fala que eles escolheriam o vinho bem melhor que você. Parabéns, você tirou 10 em microeconomia e 0 em convivência social! Um outro exemplo semelhante é de um dos experimentos mais divertidos de Economia Comportamental que foi feito em uma Escola de Israel (Gneezy and Rustuchini (2000)). Como os pais dos alunos estavam chegando atrasados com frequência, a escola definiu um pagamento de uma multa para aqueles pais que chegavam atrasados. O resultado? Os pais começaram a atrasar mais para buscar os filhos. Possivelmente, em vez de se sentirem envergonhados de estarem causando um problema para a comunidade, começaram a sentir que tinham o direito de fazer isso uma vez que estavam pagando. Esses exemplos demonstram claramente o papel de convenções sociais que não são diretamente precificadas economicamente. Presentes têm forte aspecto de convenção social, e muitas vezes dar dinheiro pode quebrar esse protocolo. Agora temos, Dinheiro < Presentes.

Agora deixe de enrolar pensando que pode comprar o presente na última hora (em um típico exemplo de desconto hiperbólico) e não se esqueça de comprar seus presentes!

Citações:

Thaler, Richard. “Mental accounting and consumer choice.” Marketing science 4.3 (1985): 199-214.

Gneezy, Uri, and Aldo Rustichini. “Fine is a price, a.” J. Legal Stud. 29 (2000): 1.

Waldfogel, Joel. “The deadweight loss of Christmas.” The American Economic Review 83.5 (1993): 1328-1336.

Notas:

[A] poderíamos economizar um outro tipo de gasto para realocar os recursos

[B] mesmo gastando bastante dinheiro saindo para beber todo o fim de semana

[C] conhecendo-o, provavelmente em bebidas

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