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Recentemente, o colunista da Folha de São Paulo, o Helio Schwartsman, publicou um texto muito sugestivo intitulado Falácia do Planejamento. Sugiro que os interessados em Economia Comportamental leiam a coluna. Concordo parcialmente com a visão do autor, segundo a qual deve ser mesmo provável que o Estado seja um péssimo gerente. Porém, apesar de inúmeras evidências de gestão estatal promotora de ineficiência e desigualdade, não creio que podemos fazer grandes inferências sobre tal questão.

Como observadora limitadamente racional, prefiro admitir meu viés de confirmação (confirmation bias), que certamente me leva a preferir (pelo menos, em condições normais de ar, pressão e temperatura) a organização e a gestão privadas. Estou inclinada a dizer que o mundo empírico está repleto de exemplos e contra exemplos de governos com bons e péssimos administradores públicos. É sempre muito tentador selecionar os pedaços de informação que dão apoio às nossas crenças. É razoável dizer que vieses cognitivos possam gerar falhas de mercado e entraves para o bom funcionamento dos mercados. Entretanto, tenho dúvidas sobre se podemos dizer que a iniciativa privada se sai tão mal quanto governos.

Em um certo sentido, os atrasos da Copa são expressões do viés de planejamento que resulta da nossa limitada capacidade de processamento de informação para estimar probabilidades e prever nossas preferências, talentos, potenciais e oportunidades futuras. De fato, muitas vezes não temos alternativa a não ser recorrer a heurísticas (atalhos mentais ou regras de bolso de julgamento e tomadas de decisão) para planejarmos nossos passos e ações. O problema é que, em alguns contextos, tais regras de bolso promovem estratégias e comportamentos viesados e mal adaptados.

Vários projetos privados de investimento não estão livres de julgamentos probabilísticos e decisões guiadas pelas heurísticas afetivas e cognitivas, tais como a disponibilidade, representatividade, ancoragem, excesso de confiança, etc. Adicionalmente, as próprias avaliações são dependentes dos efeitos dos contextos nos quais os projeto foram realizados e as percepções das suas aspirações, perdas, ganhos e riscos. Estamos todos no mesmo barco, pois tais enigmas da agência limitadamente racional permeiam a vida decisória de indivíduos, famílias, empresas concessionárias e governos.

Porém, os incentivos dos agentes privados para decisões mais cautelosas e efetivas podem ser bem diferentes daqueles colocados para os governos. Na esfera privada, compensa fazer análise mais rigorosa de viabilidade econômico-financeira. Isso porque um passo em falso pode gerar prejuízos e eventual finalização de um projeto ou todo um negócio.  Isso nem sempre vale para os projetos do Estado. Sendo assim, pode ser racional aprovar um projeto público que traz mais votos nas urnas do que altos retornos sociais. Os atrasos da Copa revelam algo mais fundamental do que o viés de planejamento presente tanto na esfera pública quanto na privada.

O que me parece também importante examinar é a estrutura do nosso ambiente institucional extrativo que promove incentivos às práticas de busca de renda extra (rent-seeking) e faz uso estratégico da falta de transparência e de informação assimétrica. Logo, vale a pena os agentes privados e concessionárias selecionados pelo Estado engajarem-se em empreitadas grandiosas de modo bastante otimista. Ademais, nossa história das instituições políticas e econômicas sugere que socialização de perdas resultantes de projetos privados mal desenhados está longe de ser exceção.

Termino sugerindo que uma explicação mais completa exigiria uma iniciativa para  integrar a pesquisa da Nova Economia Comportamental, a de Economia dos Custos de Transação e a Teoria da Escolha Pública. Isso porque o comportamento econômico limitadamente racional também depende de vários elementos da matriz institucional que estão fora da mente humana e que premiam preferências pela ineficiência, desigualdade e paternalismo.

 

Roberta Muramatsu

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