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Meu contato inicial com a Economia Comportamental se deu em 1987, durante o meu segundo ano como doutorando da New York University (na área de Accounting). Eu começava a me interessar por uma área relativamente nova de pesquisa, Behavioral Accounting, e, em uma reação em cadeia, acredito, passei a me interessar pela pesquisa experimental. Ainda em 1987 conduzi o meu primeiro experimento, passo importante na consolidação do meu interesse pela área. O estudo foi motivado por um debate que continua, até hoje, a ocupar um espaço relevante (bastante relevante, eu diria) na literatura de economia e finanças: As pessoas são racionais ao tomarem decisões de cunho financeiro?

Para economistas da escola clássica, apesar da crise mundial financeira de 2008, a resposta a essa pergunta era e continua sendo um inequívoco sim. A teoria de escolhas racionais se constitui, segundo seus defensores, em uma disciplina rigorosa, com previsões realistas a respeito da economia e dos mercados financeiros e expressas em equações matemáticas precisas.

Uma pesquisa de opinião junto a economistas acadêmicos, conduzida pelo professor de economia da Universidade de Chicago Steven Levitt e autor do livro  Freaknomics, ilustra a importância que a escola clássica atribui a matemática. Em seu levantamento, Levitt perguntou a economistas acadêmicos qual é a qualificação mais importante para que um economista tenha sucesso. Aproximadamente 70% dos entrevistados afirmou que a qualificação mais importante é proficiência em matemática (video Beyond Freaknomics: New Musings from Economics of Everyday Life).

Já Economistas Comportamentais pensam diferente. Eles consideram pouco realista a visão de que modelos matemáticos descrevendo o comportamento de agentes racionais são capazes de capturar adequadamente o processo pelo qual decisões são efetivamente tomadas. (ver, no vídeo Mind Over Money disponibilizado neste site, o depoimento de Robert Shiller, PN de Economia em 2013).

Economistas clássicos admitem que as pessoas não fazem de fato os cálculos matemáticos, mas se comportam “como se os fizessem” (ver, no Mind Over Money, os depoimentos de Gary Becker, PN de Economia em 1996, e Eugene Fama, PN de Economia em 2013).  Será?

Este debate foi o pano de fundo do experimento que conduzi em 1987 (lembrando que Milton Friedman era na época a principal referência como economista da escola clássica). Criei um cenário decisório que julguei simples o suficiente para poder ser usado em um experimento e, ao mesmo tempo, rigoroso o suficiente para atender a todos os parâmetros de uma decisão tomada por agentes econômicos racionais. O cenário decisório (chamado de ´jogo´ nas instruções experimentais) envolvia dois protagonistas, um investidor e um gerente. O gerente era contratado por esse investidor, para gerir determinado projeto. Quanto pagar a esse gerente? Essa era a decisão que o investidor (papel desempenhado pelos participantes do experimento) tinha que tomar. O investidor era neutro em relação a risco (função utilidade era linear) ao passo que o gerente era avesso ao risco (função utilidade era representada pela função matemática raiz quadrada). O computador desempenhava o papel do gerenteno experimento e havia uma solução ótima para o problema (isto é, um plano ótimo de remuneração a ser oferecido). Conseguiriam os participantes, no laboratório, e contando com um razoável número de oportunidades de aprendizado, chegar, intuitivamente, a algo próximo à solução ótima?

O cenário decisório criado para o experimento foi o seguinte:

Imagine que você é um investidor. Você vai financiar um projeto, mas não fará a gestão do projeto. Haverá um gerente responsável por essa atividade e você terá que tomar uma decisão a respeito de como remunerar esse gerente.  O projeto vai gerar uma receita que será, com certeza, um dentre os três seguintes valores: $10.000.00, $5.000,00, ou $2.500,00. As chances de se atingir cada receita dependem do nível de esforço que o gerente dedicará ao projeto. Existem dois e somente dois níveis possíveis de esforço: Alto ou Baixo. A relação entre esforço e chances de se atingir cada receita é mostrada no quadro a seguir:

 

 Nível de esforço do gerente Receita
$10.000 $5.000 $2.500
Alto 60% 30% 10%
Baixo 10% 30% 60%

 

A decisão que você terá que tomar será a de definir a remuneração a ser proposta ao gerente do projeto. Será um pagamento único. Você terá que apresentar três números: R10.000, R5.000 e R2.500 .  R10.000 é o valor da remuneração se a receita for $10.000;  R5.000 é o valor da remuneração se a receita for de $5.000; e R2.500 é o valor da remuneração se a receita for de $2.500.Você pode oferecer, se preferir, um pagamento fixo ao gerente, que independa do valor de receita que o projeto venha a gerar.

Ao receber a sua oferta o gerente irá decidir se a aceita ou não e, caso aceite, que nível de esforço dedicará ao projeto. A maneira como o gerente toma essas decisões é conhecida. Trata-se de um processo decisório em três etapas:

  1. O gerente recebe a proposta de remuneração e, ato contínuo, calcula dois números: grau de satisfação que ele terá no caso de alto esforço (SA) e grau de satisfação no caso de baixo esforço (SB). Esses números são calculados da seguinte forma:

SA = √R10.000 x 60% + √R5.000 x 30% + √R2.500 x 10% – 25

SB = √R10.000 x 10% + √R5.000 x 30% + √R2.500 x 60%

O gerente prefere se esforçar pouco. Por isso a inserção de um redutor no grau de satisfação caso ele venha a dispender alto esforço.

  1. Se pelo menos um dos dois (SA ou SB) for maior do que 15 (o número que representa o grau mínimo de satisfação que o gerente exige), a proposta é aceita.
  2. A decisão quanto ao nível de esforço dispender é então simples: Se SA for maior do que SB, ele dispende alto esforço, caso contrário, baixo esforço. Se forem iguais, alto esforço. 

O seu Objetivo. Você deseja maximizar o seu ganho pessoal, isto é, a diferença entre a receita do projeto e a remuneração do gerente. Como o resultado do projeto é incerto, você na verdade buscará maximizar o seu ganho esperado (GE). O GE é a média ponderada das possíveis receitas do projeto onde o fator de ponderação é a probabilidade de se chegar a cada receita. Ou seja: Se o esforço do gerente for alto, GE = ($ 10.000,00 – R10.000) x 60% + ($ 5.000,00 – R5.000) x 30% + ($2.500,00 – R2.500) x 10%  e se o esforço do gerente  for baixo, GE = ($ 10.000,00 – R10.000) x 10% + ($ 5.000,00 – R5.000) x 30% + ($2.500,00 – R2.500) x 60%

Conhecendo a solução ótima

A solução ótima para o investidor é oferecer um plano de remuneração assim definido:

R10.000 = $2.500,  R5.000 =  $1.111 e R2.500 = $0 (essa solução ótima é calculada por programação linear). Com esse plano o gerente dispende alto esforço e o ganho esperado para o investidor é de $5.917,00

O experimento teve sete rodadas de decisão (esse número foi arbitrado na fase preparatória do estudo em função de critérios diversos – duração do experimento, convergência de aprendizado, etc…). Em cada rodada, os 33 participantes (graduandos em engenharia de produção) ficavam em frente a uma tela de computador e decidiam que plano de remuneração oferecer ao gerente (se o plano proposto não fosse aceito, uma nova oferta deveria ser feita, na mesma rodada, até que o gerente desse um sim); em seguida à decisão, recebiam um relatório da rodada: (a) ganho esperado para o investidor na rodada, dado o plano ofertado e (b) ganho esperado acumulado até aquela rodada. Não era dada informação quanto ao nível de esforço que o gerente dispendia no projeto (essa era uma informação privativa do gerente). O experimento incluiu incentivos financeiros: O vencedor do jogo – aquele que atingisse após a sétima rodada o ganho esperado acumulado mais alto – receberia 40 dólares.

Sobre os resultados

Os resultados do experimento foram favoráveis às propostas da Economia Comportamental. Os participantes não conseguiram gerar, apesar do aprendizado, ganhos esperados próximos à solução ótima, nem conseguiram (na sua maioria) motivar o gerente a dispender alto esforço (na sétima rodada apenas 8 dos 33 planos de remuneração motivaram alto esforço). É interessante observar que ninguém no experimento teve a intuição de oferecer remuneração zero no caso da receita ser de $2.500, e este era um requisito para se chegar à solução ótima. Aparentemente, não pareceu justo penalizar o gerente de maneira tão forte em um cenário em que a receita, mesmo que não muito boa, era positiva. Cabe registrar que o experimento incluiu hipóteses, variáveis, e instruções experimentais, adicionais às que foram descritas. A apresentação dessas informações adicionais tornaria, entretanto, o texto muito longo e, ao mesmo tempo, pouco contribuiria para o objetivo deste relato que é de descrever como me aproximei da Economia Comportamental.

3 Comentários

  1. Felipe Augusto de Araújo

    Otimo texto Marcos. Confesso que é a primeira vez que vejo um experimento sobre o modelo de agente/principal no mercado de trabalho. Mas já tive que resolver vários desses modelos, matematicamente, no primeiro ano do doutorado…

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