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Em meu último artigo para o blog, abordei a questão do papel das crenças (beliefs) nos modelos econômicos. Sugeri que a teoria econômica clássica, em especial a teoria dos jogos, prevê um papel meramente instrumental para as crenças. Isto é, o agente econômico forma crenças a respeito das estratégias de todos os jogadores, inclusive as suas, com o objetivo de alcançar o melhor resultado possível na interação econômica. As crenças em si não lhe gerariam um valor intrínseco.

Como vimos, alguns economistas comportamentais vêm desenvolvendo pesquisas em que as crenças individuais têm valor em si mesmas, e não somente como instrumentos para o alcance de um objetivo final. Na primeira parte dessa discussão, falamos sobre o artigo Self-Confidence and Personal Motivation, de Roland Bénabou e Jean Tirole. Hoje vamos falar de um texto mais recente dos mesmos autores: Identity, Morals and Taboos: Beliefs as Assets, publicado em 2011 no renomado periódico Quarterly Journal of Economics.

Identidade e Valores Morais: Crenças como Ativos

No artigo Identity, Morals and Taboos: Beliefs as Assets (2011), Bénabou e Tirole utilizam o ferramental da teoria dos jogos tradicional para incorporar os efeitos diretos de crenças e valores morais sobre o comportamento econômico. No modelo apresentado nesse artigo, os agentes possuem uma crença sobre aquilo que são, sobre si próprios, o que lhes dá uma utilidade por si só. Com o tempo, contudo, esses agentes precisam renovar suas crenças a respeito de si mesmos por meio de ações concretas que reforcem sua autoimagem. Tais hipóteses tem como base uma boa dose de psicologia e, quando adicionadas ao modelo, geram previsões interessantes e verificáveis. Por exemplo, um dos possíveis resultados é que agentes com uma autoimagem particularmente saliente (por exemplo, um aspirante a artista ou atleta) podem acabar investindo demais em tal ocupação como forma de reforçar essa imagem a si mesmos, ainda que o retorno desse investimento seja altamente negativo do ponto de vista financeiro ou material.

No modelo, os agentes conseguem se lembrar de forma mais consistente de suas condutas passadas do que das exatas motivações que os levaram àqueles atos. Como resultado, a cada vez que fazem escolhas sobre duas ou mais alternativas, os agentes analisam que tipo de identidade eles relevariam ao agir de acordo com cada uma das opções. Um resultado interessante derivado desse tipo de modelo é que, em certas situações, os agentes podem formar tabus a respeito de certas escolhas. Caso uma alternativa de ação se mostre muito distante daquilo que o agente acredita ser, o simples ato de contemplar tal alternativa funcionaria como uma ameaça à autoimagem cultivada pelo agente.

Por fim, essa nova agenda de pesquisa tem gerados frutos na literatura empírica em Economia Comportamental. Dois artigos recentes em economia experimental testam algumas previsões geradas por modelos dessa natureza. Um deles, Lying Aversion and the Size of the Lie, de Gneezy, Kajackaite and Sobel, analisa o comportamento dos participantes quando lhes é dada a chance de mentir sobre o resultado de um experimento para receberem uma remuneração maior. Outro artigo recente, Self-image and Willful Ignorance in Social Decisions, de Grossman e van der Weele, estuda o fenômeno de evitar informação útil, isto é, informação que poderia ser utilizada para alcançar um resultado (financeiro) melhor, mas que o agente decide ignorar devido aos efeitos negativos que a utilização da informação poderia provocar em sua autoimagem. Note que esse fenômeno é similar ao resultado de existência de tabus no modelo de Bénabou e Tirole (2011).

Para os leitores interessados em se aprofundar no tema, Roland Bénabou e Jean Tirole publicaram um artigo recente no Journal of Economic Perspectives em que fazem uma revisão dos trabalhos em Economia Comportamental que incorporam a produção e consumo de crenças nos modelos econômicos. O artigo é de livre acesso e pode ser baixado através deste link.


Referências

Bénabou, Roland, e Jean Tirole. 2011. Identities, Morals and Taboos: Beliefs as Assets. The Quarterly Journal of Economics, vol. 126, n.2, p. 805-855.

Gneezy, Uri; Kajackaite, Agne, and Joel Sobel. 2018. Lying Aversion and the Size of the Lie. The American Economic Review, vol. 108, n.2, p. 419-453.

Grossman, Zachary, e Joël J. van der Weele. 2017. Self-Image and Willful Ignorance in Social Decisions. Journal of the European Economic Association, vol. 15, n.1, p. 173-217.

 

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