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A teoria econômica tradicional, desde pelo menos a publicação do clássico em teoria dos jogos de von Neumann and Morgenstern, dá um papel de destaque às crenças (beliefs) dos agentes econômicos. Esse papel, contudo, é meramente instrumental; ou seja, não entra diretamente na função utilidade. Os agentes utilizam suas crenças para elaborar estratégias para maximizar sua utilidade, mas as crenças em si não lhe geram qualquer valor.

Basta um pouco de autoconhecimento e observação, porém, para concluir que nossas crenças podem afetar nosso bem-estar diretamente. Por exemplo, é plausível que eu me sinta bem pelo simples fato de acreditar que eu seja uma boa pessoa, o que é diferente, é claro, da utilidade que eu venha a obter pelos resultados alcançados por ser uma boa pessoa (melhores relacionamentos pessoais e comerciais, por exemplo). Essa ideia, de que derivamos utilidade das crenças em si, tem sido incorporada pela Economia Comportamental nos últimos anos.

Dois autores em especial, Roland Bénabou e Jean Tirole, esse último ganhador do prêmio Nobel em Economia de 2014, tem desenvolvido modelos teóricos que incorporam a demanda e a oferta individual de crenças e valores morais. Neste post, vou falar de um artigo publicado em 2002 sobre autoconfiança a motivação; e no próximo texto vou falar de um artigo de 2011 sobre tabus e valores morais.

Autoconfiança e Motivação

No paper Self-Confidence and Personal Motivation, publicado em 2002, Bénabou e Tirole buscam a um só tempo reconciliar os resultados do campo da psicologia com o comportamento geralmente assumido em modelos econômicos, e utilizar o ferramental metodológico da economia, em particular da Teoria dos Jogos, para melhor entender os resultados empíricos há muito discutidos em outras disciplinas (psicologia, antropologia, sociologia, etc). De forma resumida, eles desenvolvem um modelo de oferta e demanda de crenças em que o agente econômico interage com a versão futura de si mesmo, separando preferências e informação disponíveis em um tempo t das preferências e informações disponíveis em t+1.

Do lado da demanda, os autores identificam três potenciais motivos para que as pessoas optem por crenças positivas, ao invés de verdadeiras, sobre si mesmas: (i) valor de consumo, ou seja, a simples utilidade de ter uma boa visão de mim mesmo, (ii) valor de sinalização, ou projeção, de minhas qualidades a outras pessoas, e (iii) valor motivacional. Do lado da oferta, os autores postulam algumas restrições sobre a quantidade de wishful thinking que é possível. Em geral, assume-se que os agentes sejam racionais e que processem informação utilizando-se dos princípios de inferência Bayesiana. Contudo, há espaço para memória seletiva, ou seja, os agentes tendem a se lembrar mais facilmente de aspectos positivos do que de aspectos negativos sobre si mesmos.

No modelo, a demanda por motivação é resultado da interação entre o nível inicial de autoconfiança do agente e a presença de inconsistência temporal, ou mais propriamente a presença de um viés de presente. Se um agente apresenta viés de presente, é possível que ele decida não completar uma determinada tarefa que lhe renderia retornos positivos por ter sido pouco otimista sobre suas chances de obter esses retornos no futuro. A previsão nesse caso é que, para alcançar uma maior motivação, alguns agentes (totalmente racionais) optem por obter menos informação sobre seu potencial rendimento na tarefa em questão.

Na segunda metade do artigo, os autores analisaram o problema de excesso de confiança em tomada de decisão. No modelo, indivíduos que são autoconfiantes têm uma chance maior de alcançar seus objetivos, mas ao mesmo tempo correm o risco de ter um excesso de confiança, o que os levaria a um resultado negativo. A inovação importante desse modelo é que a crença na própria habilidade (autoconfiança) não é vista somente como um instrumento na busca por um objetivo, mas também como um fim em si mesma: os agentes derivam utilidade pelo fato de acreditarem em si mesmos! Essa hipótese faz com que o problema de excesso de confiança seja mais prevalente, e pode resultar em um comportamento subótimo mesmo daqueles indivíduos que percebem seu excesso de confiança.

Os vieses psicológicos discutidos no trabalho devem ser conhecidos, e vivenciados, para a maioria das pessoas (certamente por mim!). A contribuição do trabalho foi incluir tais percepções comuns em um rigoroso modelo de decisão econômica capaz de explicar comportamentos aparentemente irracionais como um resultado natural da interação de um agente (com viés de presente) no presente e sua versão no futuro.

REFERÊNCIAS

von Neumann, John, e Oskar Morgenster. Theory of Games and Economic Behavior, 1944.

Bénabou, Roland, e Jean Tirole. 2002. Self-confidence and Personal Motivation. The Quarterly Journal of Economics, vol. 117, n. 3, p. 871-915.

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