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Na minha opinião, uma pesquisa ideal em economia comportamental/experimental precisa de três ingredientes: (i) uma abordagem diferente da teoria econômica tradicional; (ii) um tema polêmico; e (iii) que seja possível investigar em laboratório. O estudo de diferenças de gênero em tomadas de decisão cumpre estes três requisitos com louvor.

Em primeiro lugar, todos os modelos econômicos tradicionais não fazem distinção entre homens e mulheres: o agente econômico é um ser assexuado. Segundo, poucos temas nas ciências sociais são mais polêmicos – que o diga Lawrence Summers, ex-presidente de Harvard que foi obrigado a renunciar em parte devido a declarações sobre diferenças de gênero.

Por fim, a investigação de diferenças entre homens e mulheres é perfeita para o laboratório. O melhor modo de descobrir o efeito de uma variável Z é atribuindo aleatoriamente a variável Z a alguns indivíduos e não a outros, e então analisar as diferenças entre os grupos – é assim que todos os medicamentos são testados e aprovados, por exemplo. Agora pense na variável Z como o sexo de uma pessoa. Poucas coisas – talvez nenhuma! – são mais aleatórias do que a definição do sexo de um bebê no momento da fertilização do óvulo.

No restante do post vou discutir experimentos que examinam diferenças em competitividade entre homens e mulheres. O primeiro trabalho apresenta evidências de que homens e mulheres tem preferências distintas por situações competitivas. Em seguida, falo de um trabalho que investigou uma possível causa dessas diferenças.

As mulheres evitam situações competitivas?

Lise Vesterlund and Muriel Niederle publicaram em 2007 um paper que se tornou referência na área. Participantes realizaram somas de 5 números de 2 dígitos (por exemplo, 35-21-89-10-15) e foram remunerados de acordo com seu desempenho. O experimento teve 4 períodos, e a cada período o modo de pagamento era diferente.

No primeiro, cada participante tinha 5 minutos para resolver as somas e recebia uma remuneração fixa por cada resposta correta. No segundo período os participantes foram divididos em grupos de 4 pessoas (2 homens e 2 mulheres) e competiram entre si: quem resolvesse o maior número de somas em 5 minutos recebia uma remuneração por soma correta maior do que a do período 1, e os demais recebiam zero. No terceiro período, cada participante escolhia o tipo de remuneração: pagamento por performance, como no período 1, ou competição, como no período 2. Após fazer a escolha, os participantes tinham mais 5 minutos para resolver as somas.

Por fim, no período 4, cada participante fazia novamente a mesma escolha, mas a remuneração seria baseada na performance do período 1. Ou seja, se o participante escolhesse a remuneração por performance, receberia uma quantia por cada soma correta do período 1, e caso escolhesse a competição, seria remunerado de acordo com as regras discutidas acima, mas agora aplicadas à performance do grupo no período 1.

As conclusões desse estudo podem ser resumidas em três resultados principais:

1. Não houve diferença de performance: homens e mulheres foram igualmente eficientes ao resolver as somas.

2. Homens escolheram a competição duas vezes mais que as mulheres: 73% dos homens selecionaram competição no período 3, enquanto somente 35% das mulheres fizeram essa escolha.

3. Essa diferença entre homens e mulheres na escolha da competição não pode ser explicada por diferenças em performance, ou por atitudes em relação ao risco, ou por aversão a feedback1.

As autoras concluem o trabalho afirmando que há uma diferença de gênero substancial em relação a escolha de ambientes competitivos: mulheres preferem evitar, enquanto homens buscam por situações competitivas2.

Mas por que as mulheres evitam situações competitivas?

Algumas explicações comuns são: diferenças genéticas resultantes da seleção natural, normas culturais, e discriminação. Antes de explorar uma dessas possibilidades – normas culturais – vale notar que o gosto pela competição não traz só benefícios: os homens são a maioria dos CEOs e chefes de Estado, mas também a maioria da população carcerária e dos mortos por acidentes.

Para testar se normas culturais podem influenciar o gosto pela competição, John List, Uri Gneezy, and Kenneth Leonard estudaram duas sociedades distintas: os Maasai, na Tanzânia, e os Khasi, na Índia. Os Maasai são uma sociedade fortemente patriarcal, em que homens tem o papel de destaque. Já os Khasi são uma sociedade matrilinear, em que as mulheres é que tem um papel central.

Usando métodos da economia experimental, os autores testaram a preferência por ambientes competitivos de homens e mulheres nas duas sociedades. Os resultados mostraram que na sociedade Maasai (patriarcal), homens optaram pelo ambiente competitivo duas vezes mais do que as mulheres, resultado semelhante aos encontrados em estudos nos EUA. Contudo, as mulheres Khasi (matrilinear) optaram pelo ambiente competitivo com mais frequência do que os homens Khasi. Mais ainda: as mulheres Khasi escolheram o ambiente competitivo com mais frequência do que os homens Maasai!

No caso destas duas sociedades, portanto, há alguma evidência de que a cultura local foi capaz de influenciar as preferências de homens e mulheres de modo distinto. Contudo, este trabalho ainda não é suficiente para fechar a questão, por uma razão simples: o status relativo de homens e mulheres é apenas uma das muitas diferenças entre os Khasi e os Maasai.

Minha aposta é de que nas próximas décadas ainda teremos muita pesquisa e muita polêmica sobre o tema. Uma área que deverá atrair a atenção dos pesquisadores é a avaliação de políticas públicas que buscam aumentar a participação de mulheres em posições-chave. Por exemplo, quando – e como – as mulheres devem ser incentivadas a serem mais competitivas, ou se ações afirmativas em empresas e no setor público podem ser uma boa resposta.

1 Para controlar pelas atitudes em relação ao risco, as autoras estimaram as preferências de risco dos participantes. Para os demais controles, note que a escolha realizada no período 4 eliminas os efeitos de aversão a feedback.

2 Os resultados deste trabalho foram replicados em muitos outros experimentos. Para uma visão abrangente da literatura, ver o capítulo de Muriel Niederle na nova edição do Handbook of Experimental Economics.

4 Comentários

  1. Pelo menos até termos mais evidências, este ainda será um tema polêmico por muito tempo Felipe! Eu acho ótimo me deparar assim com pesquisas que eu desconheço! Excelente síntese! Agora fico aqui me perguntando como será que o cérebro de ambos os gêneros funcionam durante esse exercício de competitividade… Abraço!!!

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    • Felipe Augusto de Araújo

      Obrigado Felix. Embora naão conheça, acredito que exista uma literatura de neuroeconomia estudando diferenças de gênero.

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  2. Ana Maria bianchi

    observacao assistemática: as mulheres evitam situações competitivas porque, se ganharem, tem medo de enfrentar as responsabilidades da vitória e a inveja alheia. Tem dificuldade de mandar fora do lar (onde dominam). Mas acredito q a origem desse traço é mais social/cultural do q genética, o q vcs acham?.

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    • Felipe Augusto de Araújo

      Prof. Ana, acho que você pode estar correta. Tenho a impressão que fatores sociais/culturais são mais fortes do que a genética neste caso. Mas como disse no texto, acho que a evidência empírica ainda é insuficiente pra fazermos qualquer conclusão definitiva.

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