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Existem muitos vieses e muitos modos de cometer erros, mas dois dos pontos cegos que mais me surpreendem são a contínua crença na racionalidade das pessoas e dos mercados.

Dan_Ariely

Psicólogo pela Universidade de Tel Aviv, mestre e PhD em Psicologia Cognitiva pela Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill e doutor em Administração de Empresas pela Duke University. Professor James B. Duke de Psicologia e Economia Comportamental pela Duke University. Fundador do Center for Advanced Hindsight e co-fundador do BEworks. Suas participações no programa TED Talks já foram assistidas mais de 7,8 milhões de vezes pelo YouTube. Autor dos best-sellers Previsivelmente Irracional, O Lado Bom da Irracionalidade, e A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade.

Introdução do Guia de Economia Comportamental e Experimental

, traduzido de Ariely, D. (2015) Behavioral Economics: An Exercise in Design and Humility, originalmente publicado no “The Behavioral Economics Guide 2015”.

É tentador olhar para as pessoas em geral e imaginar que formam um grande conjunto de indivíduos sensatos e racionais levando a vida de maneira sensata e calculada. Obviamente, essa noção é correta, em certa medida. Nossa mente e nosso corpo são capazes de ações impressionantes.
Podemos ver uma bola que foi atirada à distância, calcular instantaneamente sua trajetória e impacto
e então mover o corpo e as mãos para apanhá-la. Podemos aprender línguas com facilidade, especialmente na primeira infância. Podemos aprender a jogar xadrez. Podemos reconhecer milhares de rostos sem confundi-los (embora conforme vou envelhecendo eu me impressione cada vez menos com minha memória). Podemos produzir música, literatura, tecnologia, arte — e uma lista imensa de coisas do gênero.

Como exclamou Shakespeare em Hamlet:

“Que obra admirável é o Homem! Tão nobre na razão, tão infinito em faculdades! Na forma e movimento, tão preciso e admirável! Na ação, tal como um anjo! Na compreensão, tal como um deus! A beleza do mundo! O modelo dos animais!”

O problema é que, embora essa visão da natureza humana seja comum a grande parte dos economistas, formuladores de políticas e população em geral, ela não é acurada. Tudo bem, somos capazes de fazer muitas coisas maravilhosas, mas também falhamos de vez em quando, e os custos dessas falhas podem ser substanciais. Por exemplo, pense em quem manda mensagem de texto enquanto está dirigindo: não é preciso digitar e dirigir o tempo todo para que isso seja perigoso e devastador. Mesmo que a pessoa faça isso só de vez em quando, digamos, 3% do tempo, ainda pode se ferir ou se matar ou ferir e matar outros.

Digitar e dirigir é um problema substancial, mas também é uma metáfora útil para nos ajudar a pensar sobre alguns dos modos como nos comportamos mal — agindo de maneira que não condiz com os nossos interesses de longo prazo. Comer demais, poupar de menos, cometer crimes passionais, a lista vai longe. O grande problema é que nossa capacidade de agir tendo em vista nosso interesse no longo prazo está sendo cada vez mais tolhida. Por quê? Porque o modo como projetamos o mundo à nossa volta não nos ajuda a lutar contra a tentação e a pensar no longo prazo. De fato, se um extraterrestre observasse o modo como projetamos o mundo, a única conclusão sensata a que ele chegaria seria a de que os seres humanos resolveram projetá-lo de modo a criar cada vez mais tentações e a se obrigarem a pensar com miopia. Pense bem: a versão seguinte do donut (donut 2.0) será mais ou menos tentadora? A próxima versão do smartphone nos fará consultá-lo mais ou menos vezes durante o dia? E a próxima versão do Facebook nos fará abri-lo mais ou menos frequentemente?

Podemos imaginar a vida basicamente como um cabo-de-guerra. Andamos por aí com nossa carteira, nossas prioridades e nossos pensamentos — e o mundo comercial à nossa volta quer nosso dinheiro, tempo e atenção. O mundo comercial quer nosso dinheiro, tempo e atenção em algum momento no futuro distante? Está tentando maximizar nosso bem-estar daqui a 30 ou 40 anos? Não. Os atores comerciais à nossa volta querem nosso dinheiro, tempo e atenção agora. E são muito bem sucedidos em sua missão. Em parte porque controlam o ambiente em que vivemos (supermercados, shopping centers), em parte porque permitimos que sua presença em nossos computadores e telefones (apps, anúncios), e também porque eles sabem mais do que nós sobre aquilo que nos tenta, e porque nós não entendemos de verdade alguns dos aspectos mais básicos da nossa natureza.

Um estudo importante e deprimente feito por Ralph Keeney (um colega pesquisador da Duke University) mostrou o abrangente impacto da tomada de decisão ruim em nossa vida ou, para ser mais preciso, em nossa morte. Usando dados sobre mortalidade do Center of Disease Control, Ralph estimou que aproximadamente metade das mortes de adultos de 15 a 64 anos de idade nos Estados Unidos são causadas ou ajudadas por decisões pessoais ruins, em especial as relacionadas ao tabagismo, à falta de atividade física, à criminalidade, ao uso de drogas e álcool e ao comportamento sexual imprudente.

Ralph definiu cuidadosamente a natureza da decisão pessoal e o que pode ser considerado morte prematura. Por exemplo, se alguém morre depois de ser abalroado por um carro com um motorista bêbado, a morte não é considerada prematura porque o falecido não tomou a decisão que o levou à morte. Contudo, se o motorista bêbado morre, a morte é considerada prematura porque sua decisão de dirigir alcoolizado e a morte resultante claramente são relacionadas. Tendo em mente essa noção, podemos examinar diversos exemplos em que existem à disposição vários caminhos para a decisão (o motorista bêbado tem a alternativa de pegar um táxi, pedir a alguém que dirija para ele ou chamar um amigo), e ele não escolhe esses outros caminhos para a decisão apesar de terem menor probabilidade de produzir o mesmo resultado negativo (ou seja, a fatalidade).

Para elaborar brevemente sobre apenas um exemplo de uma decisão pessoal que pode levar à morte, tratemos do consumo excessivo de álcool. Essa decisão pode levar ao aumento de peso corporal, o que pode levar à obesidade, que pode causar ataque cardíaco, derrame, câncer e outros problemas de saúde fatais. Também pode resultar em lesões acidentais que, em alguns casos, podem ser fatais para quem bebeu. Ingerir álcool pode, ainda, levar o indivíduo a fazer sexo sem proteção, o que pode levá-lo a contrair uma doença fatal. Outro resultado, embora menos comum, é provocar um comportamento suicida. E essas são apenas algumas das maneiras como a decisão de ingerir álcool pode ser fatal. Existem muitas outras consequências possíveis. Obviamente, o consumo excessivo de álcool é apenas um exemplo de como decisões ruins podem acarretar a morte prematura. Lamentavelmente, à medida que a sociedade avança, crescem o número e os tipos de decisões ruins, assim como suas possíveis consequências negativas.

Ora, se as pessoas fossem criaturas 100% racionais, a vida seria maravilhosa e simples. Só precisaríamos dar a elas as informações necessárias para que tomassem boas decisões, e elas imediatamente tomariam as decisões certas. Comem demais? Bastaria informá-las sobre as calorias. Se não poupam, bastaria dar-lhes uma calculadora de aposentadoria, e elas começariam a poupar às taxas apropriadas. Digitam enquanto dirigem? É só explicar-lhes o quanto isso é perigoso. Jovens abandonam os estudos, médicos não lavam as mãos antes de examinar pacientes. Simplesmente explique aos jovens por que devem prosseguir nos estudos e diga aos médicos por que devem lavar as mãos. Infelizmente, a vida não é tão simples, e a maioria dos problemas que temos hoje em dia não se deve à falta de informação. E é por isso que nossas repetidas tentativas de melhorar o comportamento fornecendo mais informação fazem pouco (ou nada) para melhorar as coisas.

O problema básico é: possuímos nossos software e hardware internos que se desenvolveram com o passar dos anos para lidar com o mundo. E, embora tenhamos algumas habilidades sensacionais, em muitos casos elas são incompatíveis com o mundo moderno que projetamos. Esses são os casos em que podemos sair perigosamente do caminho e cometer erros graves. Está ficando cada vez mais caro viver com esses erros. Por quê? Pense nesses perigos como se eles fossem terroristas. Mil anos atrás, quanto dano um terrorista poderia causar antes de ser pego? E hoje? Com tecnologias como explosivos, guerra química e biológica, até um grupo muito pequeno pode causar danos colossais. O mesmo se aplica a cair em tentação. Em um mundo onde não tivéssemos celulares e carros, os perigos de não prestar atenção não seriam tão grandes — na pior das hipóteses, trombaríamos com uma árvore quando estivéssemos andando. Mas se estamos em um carro a 120 km/h, qualquer errinho de atenção pode custar muito caro. O mesmo se aplica ao que comemos. Em um mundo onde os alimentos não possuíssem teor calórico tão elevado, comer por 10 minutos a mais depois de satisfeitas as nossas necessidades nutricionais não faria muito mal. Mas quando um donut contém centenas de calorias e podemos devorá-lo em menos de um minuto, comer por um pouquinho a mais de tempo pode custar caro. Muito caro.

Existem muitos vieses e muitos modos de cometer erros, mas dois dos pontos cegos que mais me surpreendem são a contínua crença na racionalidade das pessoas e dos mercados. Isso me surpreende particularmente porque até as pessoas que parecem acreditar que a racionalidade é um bom modo de descrever indivíduos, sociedades e mercados sentem-se bem diferente quando lhes fazemos perguntas específicas sobre as pessoas e instituições que elas conhecem bem. Por um lado, elas podem citar todo tipo de crenças elevadas sobre a racionalidade das pessoas, empresas e sociedades, mas por outro expressam sentimentos muito diferentes sobre suas caras-metades, sogras (e tenho certeza de que essas caras-metades e sogras também têm umas histórias bem malucas sobre nossos entrevistados) e organizações em que trabalham. Por alguma razão, quando examinamos de perto algum exemplo da vida, a ilusão de comportamento sensato esmaece quase instantaneamente. E quanto mais examinamos pequenos detalhes da nossa vida, mais as nossas decisões ruins parecem multiplicar-se.

Como exercício, pense em sua vida e anote o número de vezes em que você fez as seguintes atividades nos últimos 30 dias. Tenha em mente mais duas coisas: 1) Se você não anotar os números, será muito mais fácil manter a ilusão de sua própria racionalidade. Portanto, você é quem sabe se prefere confrontar ou não o seu comportamento. 2) Se deixar linhas em branco, a sensação será bem diferente do que se escrever “zero”, então, se quiser ser realmente honesto consigo mesmo, não deixe linhas em branco.

Continue lendo no Guia de Economia Comportamental e Experimental.

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