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Qual o papel do livre-arbítrio no mundo dos incentivos

Há algum tempo, as ciências comportamentais vêm transformando nosso entendimento sobre as reações humanas e, especialmente dentro da Economia Comportamental, uma das áreas de destaque é o estudo sobre como certos incentivos podem determinar as escolhas dos indivíduos.

Dois conceitos são particularmente importantes para entender o tema dos incentivos: o de “empurrão” e o de “Arquitetura de Escolha”. O conceito de “empurrão” deriva da palavra em inglês “nudge”. Seu significado é de um empurrãozinho (de preferência para melhor) na direção de um maior bem estar para todos nós. A intenção é a de facilitar a tomada de decisão em prol daquilo que teoricamente seria mais benéfico para a sociedade.

O segundo conceito importante é o de Arquitetura da Escolha. Esse é o nome dado ao processo de elaboração do método a ser utilizado para que melhores decisões sejam tomadas por parte daqueles que enfrentam uma situação de escolha. Porém, é importante deixar claro que só se pode considerar um “nudge” àquelas intervenções onde a liberdade de escolha é mantida. Em outras palavras, não se deve induzir alguém a tomar uma atitude sem que este possa arbitrar a priori ante as possibilidades. Este ainda é um assunto muito polêmico, pois a autonomia individual é algo considerado sagrado no mundo ocidental.

Como é o Nudge na prática
Existem vários exemplos de como os nudges podem ser empregados. Em Chicago, por exemplo, faixas transversais à pista foram pintadas em diferentes intervalos de distância, logo antes de uma curva perigosa, fazendo com que os motoristas tenham a impressão de estarem acelerando, induzindo-os a pisarem um pouco mais no freio.

De acordo com o os dados providos pelo Departamento de Transportes de Chicago (DTC), nos primeiros 6 meses após as faixas serem pintadas, houve uma redução de 36% nos acidentes no local. Imagine quanto dinheiro isso não poupou aos motoristas e ao município.

Figura 1

Em restaurantes, pesquisadores já experimentaram inverter a ordem dos alimentos servidos, e constataram que é possível fazer com que as pessoas se alimentassem de forma mais saudável – colocando as frutas e verduras antes das frituras, por exemplo.

Usando o Nudge para o bem e para o mal
Talvez a maior importância dos nudges seja a sua capacidade de substituir ações que podem ser punitivas ou restritivas e que são impostas como únicos recursos contra atitudes indesejadas. É possível modificar, por exemplo, a quantidade de comida que é desperdiçada em restaurantes apenas diminuindo o tamanho (ou modificando a cor) dos pratos. Outro aspecto positivo dos nudges é que geralmente eles não custam muito para serem implantados.

Também há a questão da utilização dos nudges de forma a enviesar as pessoas de forma que elas consumam mais – o que pode ser bom ou ruim, dependendo do tipo de consumo, tudo baseado em pesquisas de ponta de psicologia e economia. Enquanto, por exemplo, algumas lojas utilizam cheiros, cores e até iluminação para induzir as pessoas ao consumo – uma aplicação essencialmente comercial – o governo britânico distribui cupons para a população de baixa renda para que eles consumam mais frutas e legumes.

Arquitetura de Escolha e o funcionamento do cérebro
As pesquisas têm avançado também na questão da Arquitetura de Escolha (choice architecture). Embora já exista um considerável número de estudos empíricos sobre esse assunto, nos quais se constata que pequenas alterações no design da maneira nas quais certas informações são dispostas para a população pode causar um aumento de bem-estar, ainda há incertezas sobre como essas informações todas são absorvidas ou geradas pelo nosso cérebro.

É nessa questão que a Neuroeconomia começa a se envolver. Estamos apenas no início do desbravamento do cérebro humano, mas as pesquisas já dão indícios de como o processo decisório se forma e como e onde certas emoções são interpretadas e armazenadas pelo nosso principal órgão.

Uma dessas interpretações sobre como o nosso cérebro funciona tem sido bastante divulgada justamente pelo sucesso do best seller “Rápido e Devagar: Duas formas de pensar”, do psicólogo ganhador do Nobel de Economia Daniel Kahneman. Nele, o autor examina algumas evidências que têm sido apresentadas por diversos estudos – conhecida como Dual System Theory -, onde pode-se perceber que certos estímulos são recebidos e interpretados pelo cérebro de forma automática (rápida) enquanto outros são processados de maneira mais lenta e dissecada (devagar).

Uma das discussões que está em pauta é se há ou não dois processos distintos que tornam a escolha enviesada e também se é possível separá-los categoricamente, pois em muitas dos experimentos já realizados, pode-se constatar que há uma integração dos sistemas em algum ponto do processo – o que o tornaria um sistema único, mas com diferentes ramificações.

Essas pesquisas sobre o cérebro humano utilizam tecnologia de ponta, com equipamentos capazes de medir e digitalizar os mínimos impulsos cerebrais que se apresentam antes, durante e depois da tomada de decisão. Há quem acredite que estamos cada vez mais próximos de poder prever, por exemplo, que tipo de escolha será efetuada dada uma determinada situação.

O poder das recompensas
Uma das propriedades que está sempre presente em pesquisas cerebrais é a da recompensa. Os estímulos de recompensa no cérebro se relacionam fortemente com a tomada de decisão.
A situação em questão, a expectativa de ganho ou perda, o montante de recompensa, tudo afeta, de uma forma ou outra, o modo como reagimos aos estímulos. Isso significa que você tende a escolher receber um prêmio menor agora (mas que você poderá usufruir neste momento) do que receber um prêmio um pouco maior em um futuro distante – aguardar pelo prêmio pode ser demasiadamente sofrível.

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Mas o cérebro é realmente uma ferramenta sensacional. Ele é capaz de se adaptar as mais diversas situações, e na formação do processo de escolha, alguns pesquisadores acreditam que para formatar uma decisão, diversas áreas do cérebro combinam suas funções e formulam uma resposta para a questão. O ponto chave é que é necessário saber quais áreas do cérebro são responsáveis por cada elemento, para que assim se consiga mapear o processo e poder então, prever a escolha.
Já se sabe, por exemplo, que o tempo de exposição a certas informações é crucial para influenciar o comportamento: informações apresentadas por centésimos de segundo podem fazer a diferença entre um indivíduo fumar ou não um cigarro. Também é sabido que lesões em partes específicas do cérebro podem desencadear escolhas não usuais – ratos com a amigdala lesionada não apresentam a sensação de medo.

Seja como for, entender a forma na qual se pode mudar ou influenciar um comportamento segue sendo o foco das pesquisas, pois é a partir desse entendimento que é possível começar a traçar objetivos de aumento de bem-estar para a população, sem que esta perca sua propriedade de livre-arbítrio.
Os nudges são as “informações do bem” enviadas para os nossos cérebros, e que têm grande capacidade de influenciar o nosso comportamento. Se utilizados apenas de forma benéfica, melhor. Cabe aos profissionais das ciências comportamentais zelarem pelo melhor uso dessas novas informações (que já são tão valiosas para o marketing), assim como monitorar seu abuso.

É muito curioso acompanhar essa evolução científica. Possivelmente em um futuro próximo, o livre-arbítrio estará mais ligado a escolher a que tipo de informações desejamos ser expostos do que propriamente escolhermos algo pelo que realmente sentimos desejo. Afinal, me diga você: por que você deseja aquilo que deseja?

Um Comentário

  1. não adianta muito eu tentar dizer o pq das minhas escolhas, certamente muitas influências imperceptíveis num olhar desatento me levaram à essas decisões hehe embora eu tente acreditar que estou sendo completamente racional

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