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Um dos assuntos mais comentados na atualidade brasileira têm sido os altos e crescentes níveis de endividamento e inadimplência da população. Tais conceitos são geralmente confundidos no dia-a-dia. Assim, para o endividamento se tem o ato de as pessoas adquirirem algum produto ou serviço a prazo, ou seja, estas estão gerando uma dívida. Já a inadimplência representa o atraso no pagamento de uma parcela ou dívida. Portanto, somente o fato de eu comprar algo a prazo já me identifica como endividado. Porém só serei inadimplente se deixar de pagar tal dívida no vencimento.

Estudos que demonstrem como os indivíduos realizam suas decisões de compras a prazo podem contribuir para a melhoria de estratégias de consumo mais conscientes da população. O estudo realizado por Matos, Bonfanti e Mette (2015), intitulado “Comportamento Do Consumidor Endividado: Um Estudo Exploratório Com Indivíduos De Baixa Renda” buscou identificar os fatores associados ao superendividamento de consumidores de baixa renda. Para tal, realizou-se um estudo exploratório, de cunho qualitativo, por meio de entrevistas individuais com consumidores das classes D e E. Dentre os principais fatores citados, destacaram-se as compras por impulso, o pagamento do valor mínimo das faturas do cartão de crédito, o uso de financiamentos e empréstimos para aquisição de bens ou até mesmo para pagar outra dívida e fatores imprevistos.

Segundo os autores, muitas vezes, as pessoas adquirem bens sem necessidade e com falta de planejamento para o pagamento destes (compras por impulso). Os consumidores acreditam que conseguirão cumprir com estas obrigações, mas a aquisição destes produtos acaba por não entrar no orçamento futuro. Esta dívida poderia ser evitada pois tratava-se da compra de bens supérfluos.

Outro fator refere-se à falta de conhecimento ou falta de planejamento dos entrevistados, que ao pagarem a fatura do cartão de crédito acabam pagando somente o valor mínimo. As taxas de juros altíssimas das financeiras acabam incidindo sobre o saldo devedor (valor não pago da fatura) e a dívida aumenta de forma exponencial. Assim, os superendividados, principalmente aqueles que estão na classe D e E, ficam impossibilitados de cumprir as obrigações futuras, que extrapolam suas rendas.

Já o uso de financiamentos e empréstimos para aquisição de bens de valores superiores, como automóveis e imóveis, geram um comprometimento em um longo prazo com pagamento de dívidas. Qualquer evento não previsto pode afetar o pagamento de uma parcela que seja, prejudicando as demais. Por falta de um planejamento eficiente, adquirir empréstimos para pagar outras dívidas também pode gerar a falsa sensação de que a pessoa tem uma renda disponível.

Imprevistos também são um importante motivo para endividamento. Por exemplos, tem-se a doença de algum familiar, a perda do emprego e outros fatores externos que podem afetar a atividade econômica do entrevistado. Nessas ocorrências aleatórias perde-se controle de um planejamento financeiro.

Na primeira etapa desta pesquisa, realizada de forma qualitativa junto a indivíduos superendividados da classe D e E, percebeu-se que, entre os fatores que os levaram a tal situação estavam a falta de educação financeira e uma série de fatores comportamentais, como compras por impulso. Pode-se concluir que, além da oferta de crédito, o governo e as instituições deveriam incentivar uma maior educação e planejamento no uso desse benefício, a fim de precaver os indivíduos desta situação. Porém a preocupação não deve ser exclusivamente esta pois, tais comportamentos são, muitas vezes explicados por características pessoais.

Esta área tem uma grande relevância social. Na última década, houve um elevado crescimento no nível de endividamento da população. Seguem alguns índices alarmantes (fonte: BACEN, 2015):

  • Em 2015, o volume de crédito atingindo 53,8% do PIB brasileiro em 2015.
  • Em dezembro de 2015, a inadimplência das pessoas físicas alcançou 20,9% em dezembro de 2015.
  • Nesse mesmo mês, o nível de famílias brasileiras endividadas alcançou 61,1%, sendo o cartão de crédito apontado como um dos principais tipos de dívida por 76,1% das famílias endividadas, seguido pelo cheque especial em 17,5% dos casos e pelo financiamento de carro em 14,0% das ocorrências (PEIC, 2014).
  • Atualmente, o percentual de famílias brasileiras que têm dívidas (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro) alcançou 61,6% em janeiro de 2016, o que representa um aumento em relação 57,5% de janeiro de 2015.
  • Acompanhando a alta do percentual de famílias endividadas, o de famílias com dívidas ou contas em atraso, na comparação mensal, aumentou de 23,2% para 23,7%. Houve também alta do percentual de famílias inadimplentes em relação a janeiro de 2015, quando esse indicador alcançou 17,8% do total.
  • O percentual de famílias que declararam não ter condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso e que permaneceriam consequentemente inadimplentes registrou alta em ambas as bases de comparação, atingindo 9,0% em janeiro de 2016, ante 8,7% em dezembro de 2015 e 6,4% em janeiro de 2015 (BACEN, 2015).

Portanto, o cenário de crédito brasileiro se mantém em um estado de alerta. Esses indicadores necessitam recuar, a fim de não gerar nenhum prejuízo a longo prazo aos indivíduos. Pesquisas que estimem quais os principais fatores que agravam esses dados podem ser cruciais, pois permitem que se busquem as causas do problema em vez de simplesmente tratar das suas consequências.

Desta forma fica a pergunta: quais seriam as estratégias mais eficientes a fim de beneficiar e também proteger o consumidor?

http://www.gestaoesociedade.org/gestaoesociedade/article/view/1995

Um Comentário

  1. Arthur Silva Filho

    Prezados Gestores,

    Penso que a raiz do processo se encontra não só na falta de uma educação financeira mas também como a educação na sua forma holística. A administração financeira, principalmente a individual, carece de estímulos anti-consumista, uma vez que a maior parte do tempo, somos bombardeados pelo marketing apelativo do consumo. Nossa postura diante de um anúncio na maioria das vezes é sempre passiva. Mesmo que naquele instante não precisemos do objeto da propaganda, ele se armazena em nosso cérebro e daí começa a debelar sinais de incômodo(necessidades) de consumo. Experimente fazer um tour num Shopping. Ao contrário da recepção do filme/vídeo/TV de uma forma passiva, o tour vai recolhendo e filtrando as imagens de uma forma ativa do que apreciamos para consumir. Ao final de um tempo, nossa visão está cansada e saturada dos produtos. Para se ver livre desse “incômodo”, nosso cérebro emite sinais para o ataque e aí entramos numa loja. Seja ela de guloseimas, vestuário,livros ou a mais atraente referente a preços. Temos que comprar. Assim, sem uma estrutura de defesa educativa anti-consumo, estaremos fisgados pela compra em minutos. É assim que funciona, pelo menos na minha visão.

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