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Adesão e reajuste automático para planos de previdência privada

A Lei no 13.183, de 2015, instituiu a adesão automática à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp). A Funpresp (1) funciona desde 2013 como regime de previdência complementar facultativo para novos servidores que ganham acima do teto do INSS. Esses servidores podem ou não aderir a esse regime de previdência complementar para receber benefícios acima do teto do INSS (assim como ocorre com trabalhadores da iniciativa privada). O principal atrativo da Funpresp é a contribuição da União, que entra com contrapartida de até 100% da contribuição individual do servidor, aumentando o valor capitalizado.

De 2013 até o fim de 2015, os novos servidores efetivos da União tinham que se manifestar para serem incluídos neste regime: o ingresso no serviço público por si não constituía adesão. Com a adesão automática, a inscrição na Funpresp continua sendo facultativa, mas os novos servidores devem agora se manifestar para sair do regime, o oposto da situação anterior. Tal opção inclui o ressarcimento de valores já pagos (2).

O texto da justificativa da Emenda no 34, do Deputado Gonzaga Patriota (3), que incluiu a adesão automática na MP, argumentava que apenas 15% de 60 mil servidores elegíveis ingressaram na Funpresp desde sua criação. A justificativa defende também que os servidores que optam por não ingressar terão perdas significativas de renda no futuro, e que a adesão automática foi adotada em muitos países para contornar esta situação.

A adesão automática é um nudge, um dos principais instrumentos que a economia comportamental prescreve para adoção dos governos. A tradução literal do termo nudge seria “empurrão”, e, por isso, seguimos outros autores e a versão brasileira do Guia de Economia Comportamental e Experimental, usando neste texto o termo no original. Um nudge seria um reenquadramento de escolhas, feito com intuito de superar os vieses inconscientes que levam indivíduos a tomar decisões consideradas não-adequadas pelos próprios tomadores de decisão.

Este enquadramento, por um lado, não altera os incentivos econômicos existentes, e, por outro, também não obriga um indivíduo a seguir qualquer direção específica. Segundo Sunstein (2013), nudges podem ser alertas (como os das embalagens de cigarros), defaults (“escolhas padrão”, como na escolha pela configuração de um software) ou requerimentos de divulgação de informações ao público de maneira clara e inteligível (4). Sunstein considera a abordagem dos nudges simples e barata, com potencial de fazer as pessoas “mais saudáveis, ricas e felizes”.

Thaler e Sunstein (2008) usam o termo “arquitetura de escolha” para definir os nudges. Este tipo de “arquitetura” é responsável por organizar o contexto em que as decisões são tomadas: “Um nudge é qualquer aspecto da arquitetura da escolha que altera o comportamento das pessoas de modo previsível sem proibir quaisquer alternativas nem alterar significativamente seus incentivos econômicos”. Eles defendem que o emprego adequado dos nudges poderia ajudar a solucionar muitos dos principais problemas da sociedade.

Um requisito para uma intervenção ser considerada um nudge é o fato de ser fácil e barato poder evitá-la, já que a opção “sugerida” pelo nudge não pode ser obrigatória. De fato, a principal controvérsia em relação aos nudges é a “ameaça” à liberdade do indivíduo alvo da intervenção, como será visto mais adiante.

A adesão automática é um nudge por excelência, e um dos mais usados. É um default (escolha padrão). A economia comportamental diagnostica pelo menos três problemas que ensejariam o uso de defaults:

Procrastinação (miopia)

Postergação frequente de decisões (Samson, 2015), com prejuízo para o indivíduo e causada por diversos motivos – mas em geral relacionado à “tendência humana a preferir ganhos imediatos (menores) aos futuros (maiores)” (Muramatsu, 2015). Ariely (2008) argumenta que “nem todos entendem sua tendência a procrastinar, e mesmo os que reconhecem sua tendência a procrastinar podem não entender seu problema completamente”. Já Thaler e Benartzi (2004) explicam que “agentes hiperbólicos procrastinam porque eles (erroneamente) pensam que o que quer que façam depois não será tão importante quanto o que estão fazendo agora”.

Inércia

Relacionada ao item anterior, é considerada na economia comportamental como “a persistência de um estado estável associado à inação”, e na psicologia social como “a persistência em atitudes” (Madrian e Shea, 2011; Samson, 2015). Para Sunstein (2013), a importância de defaults é a de “tributar o poder da inércia”.

Viés do status quo

Viés por decisão a favor da “permanência das coisas”, refletindo “aversão humana à mudança” e “tendência a não mudar o comportamento a menos que o incentivo para fazê-lo seja forte” (Samuelson e Zeckhauser, 1988; Samson, 2015). Samson destaca a presença do viés mesmo quando os “custos de transição” são pequenos e a importância da decisão é grande.

A presença de procrastinação, inércia e viés do status quo explicaria o êxito de defaults, exemplificado pela adesão automática em planos de previdência. Clark, Utkus e Young (2015) investigaram o efeito desse nudge em 500 mil novos empregados de 460 planos de previdência americanos entre 2010 e 2012: com a adesão automática, a participação chegou a 91%, o dobro dos 42% com adesão “voluntária”. Segundo Benartzi e Thaler (2015), mais da metade dos planos americanos já fazem uso da adesão como default (dados de 2011).

Sunstein (2013) considera que defaults como a adesão automática não funcionam apenas por resolver a questão da procrastinação e da inércia, mas também por conter implicitamente um aval (endosso) a uma decisão, bem como por fornecer um ponto de referência para o indivíduo. Thaler e Sunstein (2008) argumentam que a baixa taxa de saída nos casos de adesão automática ocorre porque os trabalhadores estão satisfeitos com as taxas de poupança que decorrem dela (e não por conta da “nova” inércia, que é de ficar no plano em vez de sair).

Mais recentemente, outro default tem sido usado em planos de previdência nos Estados Unidos e em outros países: o reajuste automático das alíquotas de contribuição (ou escalonamento automático), aplicado por 51% dos planos americanos em 2011. Nesta modalidade de default, voltada para quem já participa de um plano, a contribuição do participante para sua aposentadoria é majorada gradual e automaticamente quando ele recebe um aumento de salário ou uma promoção. Pioneiramente adotada no programa “Poupe mais amanhã” (Save more tomorrow), esse nudge teria quadruplicado a taxa de poupança dos participantes, em relação ao default anterior em que o participante se compromete com uma mesma alíquota sempre (Benartzi e Thaler, 2015). O reajuste automático das contribuições atacaria os mesmos alvos da adesão automática: procrastinação (miopia), inércia e viés do status quo. Estes dois tipos de nudges estão amparados e incentivados desde 2006 na legislação americana, com a sanção da “Lei de Proteção à Aposentadoria” (Pension Protection Act).

Em qualquer caso, Sunstein (2013) defende que a opção padrão de uma escolha, o default, deve refletir o que “a maioria das pessoas iria escolher caso estivessem adequadamente informadas”. Sunstein advoga o uso do default em áreas que são novas, complexas, desconhecidas ou altamente técnicas, alegando que, em certas situações, escolhas ativas são mais um fardo do que um benefício.

Esther Duflo, agraciada com a Medalha John Bates Clark (5) e diretora do Laboratório de Ação contra a Pobreza do Instituto Tecnológico do Massachusets (MIT) (6), avalia que “o governo deve fazer com que a opção que acha melhor para as pessoas seja a escolha default, de forma que as pessoas tenham que ativamente se afastar dela se quiserem (mudar).” Sunstein ressalta, porém, que se um default de adesão automática não está claro e transparente para os envolvidos, ele pode ser considerado “uma forma de manipulação”.

Assim, o uso de nudges, como o default, não está livre de controvérsias. O caráter “paternalista” deste tipo de intervenção é especialmente discutido, como será visto adiante.

A controvérsia acerca do “paternalismo libertário”

Thaler e Sunstein (2008) consideram que este tipo de intervenção se classificaria como um “paternalismo libertário”. Nudges (sejam eles do tipo default ou de outro tipo) seriam paternalistas porque a arquitetura da escolha tenta influenciar o comportamento das pessoas de modo a fazê-las “viver vidas mais longas, mais saudáveis e melhores”. O adjetivo “libertário” viria para modificar o substantivo “paternalismo”, uma vez que nudges preservariam a liberdade de escolha, não sendo ninguém forçado a tomar qualquer decisão. Nesse sentido, o paternalismo libertário buscaria tornar mais fácil para as pessoas escolherem seus próprios caminhos. Nudges influenciam os cidadãos a fazer escolhas melhores, de acordo com suas próprias preferências. Thaler e Sunstein consideram que se trata de “decisões que eles tomariam se tivessem prestado total atenção e possuído informação completa, capacidades cognitivas ilimitadas e completo autocontrole”.

Sunstein (2013) resume alguma das críticas aos nudges: manipuladores, insidiosos, secretos, obscuros. Ele rebate as críticas afirmando, porém, que algum tipo de influência do contexto sempre existe por conta dos vieses que sujeitam nossas decisões, seja essa arquitetura da escolha intencionalmente criada, ou não: “em cada hora de cada dia, escolhas são feitas por nós em instituições tanto privadas quanto públicas, e como resultado estamos em melhor situação”.

Sunstein argumenta ainda que o paternalismo libertário é um “paternalismo de meios” e não um “paternalismo de fins” (como uma multa ou uma condenação à prisão). Sunstein também classifica os nudges como um “paternalismo leve”, em oposição a um “paternalismo duro” (ou forte), por não haver imposição de nenhum custo material a ninguém, mesmo que brando.

Ressaltando o mantra de “liberdade de escolha” como salvaguarda para a utilização dos nudges, Sunstein defende o seu uso “para melhorar a vida das pessoas, mesmo que acabem influenciando as escolhas de pessoas”, ao passo que considera legítima a preocupação com paternalismo e excessos . A subseção seguinte discute críticas específicas ao caso da Funpresp.

Considerações finais: controvérsias acerca da adesão automática na Funpresp

A adesão como default na Funpresp suscitou críticas. Argumentou-se que a baixa adesão entre novos servidores se deveria, em verdade, ao temor de que a entidade sofra severa influência política e cause perda aos segurados. De fato, escândalos envolvendo a má gestão de fundos de pensão são frequentes. Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI) envolvendo fundos de pensão são periódicas: em 2015 foram criadas CPIs para investigar fundos de pensão tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.

No entanto, muito embora a preocupação com a má gestão seja legítima, parece arriscado não aderir a um fundo de pensão em que o empregador complementa em até 100% o que o participante contribui. Investimentos alternativos teriam que ter um rendimento espetacular para compensar este fato, rendimento este que teria de ser simultâneo a perdas enormes criadas por má gestão do fundo no futuro para valer a pena.

Aqui, é possível relembrar a ideia de viés de disponibilidade: é fácil rememorar escândalos envolvendo fundos de pensão, fartamente noticiados, mas não é tão fácil acessar na memória casos de aposentados enfrentando dificuldades na velhice por não terem aderido aos fundos. Não existem associações para representá-los ou escândalos estampando manchetes de jornais, mas dificilmente esta é uma opção que deixa o participante médio melhor do que participando de um esquema como o da Funpresp – destinada a se tornar o maior fundo de pensão do país. Evidentemente que o participante não deve se contentar com apenas essas duas opções (não aderir a um fundo ou aderir a um fundo problemático): o correto é que a Funpresp, como qualquer outro fundo de pensão, sempre seja pautada pelo interesse do participante.

Outra controvérsia suscitada em relação à adesão como default envolveu o argumento de inconstitucionalidade, por possível ofensa ao art. 202 da Constituição, que estabelece que a previdência complementar será facultativa. O Congresso Nacional, que aprovou a medida, e a Presidência da República, que a sancionou, não consideraram que adesão automática retire o caráter facultativo da previdência complementar. No entanto, entidades de classe anunciaram que iriam tentar propor ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida (7).

Nesse sentido, reportagem do jornal Valor Econômico de outubro de 2015 afirmava que o então Ministério da Previdência Social (8) iria recomendar ao Congresso a aprovação da adesão automática para todas as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC, ou fundos de pensão) “com o intuito de aumentar a taxa de adesão e a proteção social” (9).

Este texto é baseado no Texto para Discussão no 188 da Consultoria Legislativa do Senado Federal (“Errar é Humano: economia comportamental aplicada à aposentadoria”). Disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos.


Notas
(1) Na verdade, “a” Funpresp se refere a três fundações separadas, uma para cada Poder (Funpresp-Exe, Funpresp-Leg e Funpresp-Jud).
(2) Na hipótese do cancelamento ser requerido no prazo de até noventa dias da data da inscrição. Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, art. 1º, § 4º.
(3) A Emenda no 68, do mesmo autor, estendia a adesão automática para os regimes estaduais, mas não foi acatada.
(4) Em inglês, respectivamente, warnings, defaults e disclosure requirements.
(5) Considerado o prêmio mais importante da área, depois do próprio Nobel, é entregue exclusivamente a economistas americanos com menos de 40 anos de idade que tenham feito “contribuições significativas ao pensamento e conhecimento econômicos”.
(6) Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab.
(7) Adesão automática ao (sic) Funpresp é inconstitucional. Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), 25 de novembro de 2015. Disponível em: http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7862.
(8) Atual Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).
(9) Adesão automática a fundos de pensão avança. Valor Online, 26 de outubro de 2015.

Referências bibliográficas

ARIELY, D. Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions. New York: Harper Perennial, 2009.

BANERJEE, A, V.; DUFLO, E. Poor Economics: A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty. New York: PublicAffairs, 2011.

BENARTZI, S.; THALER, R. Economia Comportamental e a Crise da Poupança para Aposentadoria. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.
CLARK, J. W.; UTKUS, S. P.; YOUNG, J. A. Automatic Enrollment: The Power of the Default. Vanguard, jan. 2015.

MADRIAN, B. C.; SHEA, D. F. The Power of Suggestion: Inertia in 401(k) Participation and

MURAMATSU, R. Lições da Economia Comportamental para o Desenvolvimento e a Pobreza. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

SAMSON, A. Introdução à Economia Comportamental e Experimental. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

SAMUELSON, W.; ZECKHAUSER, R. J. Status quo Bias in Decision Making. Journal of Risk and Uncertainty, 1, 7-59, 1988.

SUNSTEIN, C. Simpler: The Future of Government. New York: Simon & Schuster, 2013.

SUNSTEIN, C. Nudging: Um Guia Muito Breve. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

THALER, R. H.; SUNSTEIN, C. R. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness. New York: Penguin Books, 2009.

THALER, R. H.; BENARTZI, S. Save More Tomorrow: Using Behavioral Economics to Increase Employee Saving. Journal of Political Economy, vol. 112, no. 1, pt. 2, 2004.

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