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Semana passada, eu estava com minha família em um restaurante bastante específico comemorando o aniversário de um de nós e estávamos procurando por um vinho de uma determinada localidade. Olhei a carta de vinhos e vi que o vinho daquela localidade custava quase 60% a mais do que o de outros países, mesma uva e safra parecida. E eu precisava decidir qual vinho pedir…

Chamei o sommelier, perguntei qual a diferença entre os vinhos e ele só me disse: esse é mesmo muito bom!!!
Neste momento parei e, num devaneio que me pareceu eterno, tentei entender o que me levaria a decidir por um ou por outro. Como economista comportamental “em ação” que sou, resolvi aproveitar aquele momento para explorar o assunto “preferência e gosto pessoal”. Perguntas começaram a surgir em minha cabeça:

– Será que podemos, com tranquilidade, confiar nas nossas emoções e sensações de prazer e desprazer para atribuir valor a um objeto que vamos decidir adquirir ou consumir?
– O quanto sentir mais ou menos prazer numa experiência está relacionado ao valor (objetivo e subjetivo) que damos a ela?

Estamos vivendo num momento da história em que o avanço tecnológico pode oferecer ferramentas extraordinárias para olharmos para dentro da “caixa preta” dos seres humanos e compreendermos como as funções cerebrais afetam o comportamento econômico.

Assim como a invenção do microscópio revolucionou a biologia e auxiliou uma extensa compreensão do funcionamento de partes minúsculas do nosso sistema físico, nas últimas décadas estamos diante de uma mudança de paradigma que vai, aos poucos, abandonando a visão cartesiana de mundo – separar para compreender melhor gerando grande especialização – e passando a considerar, mais e mais, uma visão integrada das mais diferentes áreas do conhecimento humano. Como o físico norte-americano J. Robert Oppenheimer (1) nos conta: “A história da ciência é rica em exemplos de como é fértil usar dois grupos de técnicas, dois grupos de ideias, desenvolvidos em contextos distintos, em prol da busca por uma nova verdade, em contato uns com os outros”. (2)

Não tem sido diferente com a economia. Os modelos econômicos tradicionais a respeito de tomada de decisões consideram, de forma geral e idealizada, os seres humanos – nós – como máquinas perfeitas de tomada de decisões racionais: agentes econômicos que visam maximizar sua utilidade (utilizando a linguagem econômica). A influência das emoções neste processo decisório é praticamente ignorada e o prazer experimentado com o consumo de um bem depende unicamente de suas propriedades intrínsecas e do estado do indivíduo (3). Ou seja, o prazer que se obtém com o consumo de um alimento ou bebida, por exemplo, seria derivado unicamente da composição bioquímica do mesmo e do nível de sede ou fome do indivíduo.

Esta ideia, no entanto, tem sido, recentemente, posta à prova pelos economistas comportamentais, que identificaram fatores psicológicos e emocionais influenciando nossos processos decisórios. É aqui que entra a tecnologia…
Ao falarmos do cérebro humano, é muito importante entendermos que existe uma relação direta entre estrutura e função, de forma que, com o auxílio de uma Ressonância Magnética Funcional se torna possível identificar, em tempo real, quais áreas do cérebro (estrutura) apresentam atividade neuronal durante uma atividade ou experimento. Conhecendo a relação entre a área do cérebro ativada e sua função fisiológica, isto é, sabendo qual área é responsável por determinada sensação ou percepção, podemos entender melhor o mecanismo que ocorre na cabeça dos seres humanos quando eles se deparam com a necessidade de decidir.

Quando olhamos para o cérebro e procuramos entender como as percepções e preferências são formadas, encontramos uma rede multidimensional que integra tanto múltiplos aspectos físicos das estruturas cerebrais quanto dimensões cognitivas. Entram aqui todo o tipo de estímulos, como os recebidos via olfato e gustação, modulados de forma cruzada com os estímulos visuais e auditivos, além de um sistema de recompensa. Em última instância, podemos dizer que “para os seres humanos modernos, as preferências comportamentais para comidas e bebidas são potencialmente moduladas por um enorme número de variáveis sensoriais, estados hedônicos, expectativas, primeiras impressões causadas pelas palavras utilizadas (semantic priming) e contexto social”(4) (5).

A área do cérebro responsável pela satisfação das necessidades básicas e primitivas para a sobrevivência ligadas à alimentação, segurança e procriação é o chamado sistema límbico, herdado dos animais no processo evolutivo e que permanece como parte do nosso sistema nervoso/cerebral até hoje. Esta área também se refere às emoções, que são reações naturais do ser humano a alguma coisa que está acontecendo no ambiente externo. As emoções, por sua vez, tem uma contraparte fisiológica no corpo do ser humano, como aumento dos batimentos cardíacos, elevação da pressão arterial, suor, tremores, palidez, dilatação da pupila, etc…Estas reações fisiológicas fazem com que nos tornemos conscientes de que uma emoção está aflorando e nos impulsiona a fazer algo em relação a isso. Em seguida pensamentos serão gerados seguidos por sentimentos e ação.

Se identificamos medo, por exemplo, as partes de nosso sistema límbico ativadas são as amigdalas cerebrais, que prepararão o organismo para fugir do perigo. Portanto, em qualquer situação percebida como perigo iminente elas serão acionadas instantaneamente, sem passar por qualquer processo de análise ou interpretação do fato que está ocorrendo. É nesta área que fica também armazenada nossa memória implícita, isto é, aquela memória emocional ou de procedimentos que pode ser acessada automaticamente e que não é, necessariamente, trazida à consciência.

O outro mecanismo fortemente presente no nosso sistema límbico é a resposta de prazer sentido, que encoraja a busca pela satisfação das necessidades primitivas: comer, se proteger, sexo, etc… Aqui aparece um circuito de recompensa composto por: desejo, ação, satisfação. Alguns dos centros principais em ação neste ciclo são a área tegmental ventral (VTA) e o núcleo accumbens. A dopamina, liberada principalmente pelo VTA e que segue para o córtex pré-frontal e núcleo accumbens é o hormônio que promove o desejo, incentiva e motiva a realização ou repetição de determinada atividade – comer ou beber novamente, por exemplo. A serotonina, por sua vez traz a sensação de saciedade e inibe o desejo infinito.

Acontece, porém, que ao longo do processo evolutivo os seres humanos foram adquirindo outras camadas neuronais que passaram a compor seus cérebros: os lobos corticais frontais e o córtex pré-frontal. Estas são as estruturas capazes de realizar processamentos de situações conflituosas, analisar custos e benefícios de determinada ação, planejar ações futuras e prever consequências.

O córtex pré-frontal, estrutura responsável por gerar pensamentos mais racionais e conscientes, tem a capacidade, em situações normais, de controlar ou de se sobrepor aos impulsos do cérebro límbico, colaborando nesta gestão das emoções e ajudando a manifestação de comportamentos mais adequados e adaptativos às situações ambientais e nos processos de tomada de decisão. Estamos sujeitos à ação da memória, noções inconscientes de perigo ou conforto/familiaridade, padrões de recompensa estabelecidos e capacidade de sobreposição do córtex pré-frontal ao sistema límbico.

O princípio subjacente a essa investigação é o de se aplicar técnicas de neuroimagem para mapear as contribuições relativas dos processos cognitivos (4) e emocionais nas decisões humanas, ou em outras palavras, como se dá a interação entre razão e emoção no interior do cérebro.

Um estudo de 2004 (4) demonstrou que, só o fato de uma pessoa conhecer a marca de uma bebida que lhe é culturalmente familiar, como Coca-Cola, por exemplo, já ativa várias partes do cérebro ligadas à memória e às emoções, como o hipocampo (que vai comparar a experiência do momento com as informações registradas no nosso sistema ancestral a fim de identificar um perigo), mesencéfalo (via de conexão ultra-rápida que conecta a parte mais sofisticada do cérebro – córtex – à parte posterior e evolutivamente mais antiga do cérebro – cerebelo, medula e tronco cerebral, por exemplo – permitindo a integração entre informações sensoriais e ações motoras), córtex pré-frontal dorsolateral (planejamento e análise) e tálamo (parte crucial para a percepção e processamento das informações: espécie de portão que filtra as informações sensoriais recebidas pelos vários órgãos dos sentidos e as direciona para o córtex cerebral, onde serão interpretadas) (6).

Mas, como isso se relaciona com aquele meu momento, no restaurante, fora do laboratório? Será que mudanças no preço de um produto podem influenciar as computações neuronais associadas à agradabilidade de uma experiência? Experimentalistas foram a campo.

Já sabemos que as percepções individuais sobre qualidade são influenciadas, ou positivamente correlacionadas, com o preço, ou seja, na minha dúvida por qual vinho pedir, muito provavelmente eu já pensava: se este aqui é tão mais caro, deve mesmo ser melhor!!!

Ao enfrentar este tipo de questão, Plesmann e outros (2008) (7) pensaram na hipótese de os indivíduos da experiência serem levados a acreditar que provavam vinhos mais caros do que realmente custavam. Qual seria o efeito deste preço simulado sobre o grau de satisfação reportado?

O experimento se deu desta forma: 20 pessoas foram monitoradas por um aparelho de ressonância magnética funcional provando diferentes vinhos e uma solução de controle neutra, parecida com a saliva. Os estímulos que induziriam os sujeitos do experimento a uma sensação gustativa prazerosa seriam os vinhos, de várias qualidades e preços. Foi dito a eles que provariam 5 tipos diferentes de Cabernet Sauvignon identificados por seus preços no varejo e que o propósito do experimento era estudar o efeito do tempo de degustação nos sabores percebidos. Bem parecido com minha situação no restaurante diante da carta de vinhos!!!

A “pegadinha” era o seguinte: havia somente 3 tipos diferentes de vinho e dois deles foram servidos duas vezes, a primeira vez identificado com um preço alto e a segunda com um preço baixo. Por exemplo, o vinho 2 foi servido metade das vezes a um preço $90, seu preço no mercado e metade das vezes por $10. A tarefa consistia em provar 6 tipos de vinho com o valor da garrafa a: $5 (1); $10 (2); $35 (3); $45 (1); $90 (2) e a solução neutra. Os vinhos eram servidos aleatoriamente, simultaneamente e com o preço exposto. Os participantes deveriam se concentrar no sabor do vinho e preencher uma avaliação de satisfação ou nota, uma rodada sim, outra não.

O impacto da informação do preço no grau de satisfação foi mensurado comparando as respostas declaradas para os vinhos 1 e 2 quando servidos ao preço alto versus quando servido ao preço baixo. As descobertas mostraram diferenças significativas na avaliação dos vinhos 1 e 2 a cada prova e, descobriu-se ainda uma correlação positiva entre o preço do vinho e a satisfação, ou seja, quando o mesmo vinho foi apresentado por um preço maior, os participantes reportaram um grau de satisfação maior.

Em oposição ao experimento principal, nas semanas seguintes foram feitas outras sessões apresentando os vinhos sem os preços, e neste caso, não houve nenhum relato de diferenças entre os vinhos 1 e 2 provados em circunstâncias diversas.

O que aconteceu no cérebro durante o experimento?

Primeiro, os autores localizaram quais áreas cerebrais mostravam aumento de atividade com o aumento do preço exibido nos vinhos, baseando-se na estimativa de resposta dos sinais dependentes do nível de sangue-oxigênio (BOLD) no córtex órbito frontal medial (mOFC) e compararam com o contraste entre preço “alto e baixo” para cada degustação dos vinhos 1 e 2. O córtex órbito frontal medial está correlacionado com avaliações prazerosas para odores, paladar e até música. A conclusão é que, mudando os preços exibidos nos vinhos, influencia-se a atividade no mOFC, o que leva à uma mudança na percepção real de prazer ou satisfação no consumo daquele vinho.

Felizmente eu tive uma alteração na atividade do meu córtex órbito frontal medial que me deu uma sensação de satisfação ao provar o vinho escolhido: o mais caro!!!

O resultado desse trabalho tem implicações interessantes. Para a neuroeconomia o resultado é claro: o sinal registrado por uma experiência prazerosa serve como guia para comportamento futuro. Isso significa que a decisão de escolher um produto ou outro não depende somente de suas características intrínsecas ou composição bioquímica mais o estado do consumidor, como postula a visão econômica corrente, mas também, da integração de suas propriedades sensoriais com a expectativa de quão bom será aquele bem a ser consumido. É sempre bom lembrar que o cérebro precisa se adaptar constantemente. Para tomar boas decisões no futuro, o cérebro precisa recolher boas mensurações a respeito da qualidade das experiências vividas no presente. Num mundo conturbado como o nosso, o uso de conhecimentos adquiridos a respeito da qualidade de uma experiência oferece informação adicional valiosa! Muito provavelmente tomarei novamente vinhos desta região específica que tomei na semana passada!!!

Voltei para casa pensando em quais seriam as outras formas de influência do mundo externo nas nossas percepções de nível de prazer e satisfação com as experiências ou produtos consumidos, como avaliações de outros consumidores, informação sobre o país de origem, marcas tradicionais, etc…

Entrei no quarto do meu filho para dar boa noite e o vejo procurando na web cordas para sua guitarra. Ele me disse: mãe, o que você acha desta marca? As avaliações dos outros usuários estão excelentes e elas são feitas de fibras naturais especiais. As cordas são importadas e vem de uma fábrica que produz cordas para instrumentos musicais há mais de meio século!! É um pouco caro, mas devem ser muito boas, né?!??

Referências

1. Bethe, H.A (1997). Biographical Memoirs. 1. Washington: The National Academies Press. p. 176-177. ISBN -309-05738-8

2. Hanson, Rick (2012). O cérebro de Buda: Neurociência prática para a felicidade. 1.ed. São Paulo: Alaúde Editorial. p. 23. ISBN – 978-85-7881-119-8

3. Kahneman D, Wakker PP, Sarin R. Back to Bentham? Explorations of Experienced Utility. Q J Econ. 1997;112:375–405

4. McClure SM, et al. Neural correlates of behavioral preference for culturally familiar drinks. Neuron. 2004;44:379–387. [PubMed]

5. https://youtu.be/Do-lrhuBRhU 6. http://www.news-medical.net/health/What-does-the-Thalamus-do.aspx

7. Plessman, O’Doherty, Shiv, and Rangel, 2008, “Marketing actions can modulate neural representations of experienced pleasantness”. PNAS

8. Rao A, Monroe KB. The effect of price, brand name, and store name on buyers’ perceptions of product quality: An integrative review. J Market Res. 1989;26:351–357.

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