Laboratório versus Campo?
Uma distinção conceitual que vem ganhando cada vez mais relevância hoje em Economia Experimental, diz respeito a experimentos de laboratório e campo (Kagel, 2009; List, 2011). Como as próprias denominações desses experimentos atestam, o primeiro tipo apresenta a clara vantagem de permitir maior controle sobre o objeto de estudo, ao passo que o segundo tipo proporciona maior realismo às análises realizadas, uma vez que está diretamente relacionado ao ambiente de ocorrência do fenômeno em análise (Hernandez, Basso, & Brandão, 2014).
Ainda assim, vale atentar para o fato de que, embora alguns autores apontem para a superioridade de experimentos de campo sobre experimentos de laboratório (Levitt & List, 2009; List, 2011), há outros que, mesmo reconhecendo as limitações inerentes a ambientes artificiais, advogam em favor do caráter complementar (e não excludente) desses dois tipos de experimento (Kagel, 2009).
Vantagens e complementaridades
Uma crítica comum aos primeiros experimentos realizados em Ciências Sociais Aplicadas – como a Administração e a Economia – esteve relacionada ao critério de validade externa, uma vez que a maior parte dos estudos realizados envolvia alunos de graduação ou pós-graduação ( (Andreoni, 1988; Leuthold, 1993; Marwell & Ames, 1981). Ou seja, seria possível estender os resultados obtidos a partir de contextos relacionados a estudantes para aplicações da vida real?
Em princípio, seria de se esperar que o comportamento de, por exemplo, eleitores ou empresários fosse nitidamente distinto do comportamento de universitários, o que poderia comprometer os resultados derivados dos experimentos de laboratório realizados. Por conta disto, há de se destacar as potencialidades ainda relacionadas à utilização conjunta desses dois tipos de experimento.
Alguns exemplos ilustrativos podem ser úteis neste momento.
Em um primeiro instante, experimentos realizados com alunos, podem dizer muito sobre processos de socialização ocorridos dentro da universidade e que podem vir a ter significativos impactos em termos profissionais, uma vez que permitem inferências relacionadas a processos de socialização ocorridos dentro de áreas específicas, como a Economia, por exemplo (Bianchi, 1998; Carter & Irons, 1991). Marwell & Ames (1981) representa um dos primeiros trabalhos relacionados a testes de provisão coletiva para bens públicos envolvendo experimentos com estudantes universitários. Especificamente, estes autores reportaram os resultados de 12 (doze) experimentos distintos onde buscavam testar a hipótese de comportamento carona. Os autores testaram duas versões dessa hipótese: a “fraca” e a “forte”. No caso da primeira hipótese, esperava-se que o montante de provisões voluntárias para bens públicos estivesse aquém do nível socialmente ótimo. Já no caso da segunda, seria de se esperar que os participantes nunca contribuíssem para a provisão do bem em questão.
Os resultados reportados pelos autores demonstraram que a hipótese de ocorrência da versão “forte” de comportamento carona tende a ser rejeitada pelos dados. Ou seja, quando da análise dos resultados de todos os experimentos considerados, os autores reportaram taxas médias de contribuição entre 40% e 50%, valores nitidamente superiores àqueles inicialmente esperados. Por outro lado, chamaram atenção para um resultado inusitado: ao considerarem um experimento composto exclusivamente por alunos de pós-graduação em economia, obtiveram uma taxa de contribuição inferior às demais (20%). Devido a este resultado, apresentaram duas hipóteses relacionadas a este resultado: (i) “viés de seleção”, com alunos menos altruístas sendo previamente atraídos para o curso em questão; (ii) “aprendizado”, com os alunos se tornando mais “egoístas” à medida em que entravam em contato com um maior número cursos de economia.
Por sua vez, autores como Goeree, Mcconnell, & Mitchell, (2010) realizaram ambos os tipos de experimentos (laboratório e campo) em uma escola para meninas em Pasadena, Califórnia, buscando compreender o papel desempenhado por laços sociais em situações envolvendo comportamentos coletivos. Os autores obtiveram um resultado inédito: as contribuições dadas pelas alunas em experimentos envolvendo bens públicos apresentaram uma tendência inversa à “distância social” existente entre elas. Ou seja, este resultado sugere que, quanto mais fortes eram os laços sociais existentes entre as alunas, maior era a probabilidade de surgimento de comportamentos cooperativos.
Em um segundo instante, há a possibilidade de utilização conjunta de experimentos de laboratório e campo como forma de se prever comportamentos em ambientes reais a partir do comportamento registrado em ambientes artificiais. Por exemplo, ao analisarem o comportamento de pescadores que exploram recursos comuns na região Nordeste do Brasil, Fehr & Leibbrandt (2011) não apenas registraram seus comportamentos em campo, mas também realizaram uma bateria de pequenos experimentos de laboratório, relacionados a fatores como aversão ao risco, confiança e preferências intertemporais. Seu objetivo básico era verificar se resultados laboratoriais poderiam vir a auxiliar na previsão de comportamentos observados no campo. Ou seja, o comportamento dos pescadores em um laboratório teria alguma relação com seu comportamento efetivo no campo?
Teoricamente, indivíduos que exibissem maior paciência e propensão a cooperar deveriam, em teoria, explorar menos os recursos comuns (não-excludentes, mas rivais), como os peixes do mar, por exemplo. Os autores confirmaram empiricamente esta hipótese, ao constatar que pescadores que são mais pacientes e cooperativos em experimentos de laboratório também são aqueles que tendem a explorar menos o recurso comum em questão. Ou seja, pescadores que apresentaram um comportamento mais cooperativo em experimentos envolvendo bens públicos também foram aqueles que exploraram o recurso comum em menor escala, uma vez que utilizaram maiores redes, onde apenas peixes grandes poderiam ser apanhados (o que reduz, em princípio, a sobreutilização do recurso comum).
O aspecto inovador deste estudo é ressaltar o potencial caráter preditivo de experimentos de laboratório para comportamentos reais durante experimentos de campo. Os autores concluem que, de acordo com os resultados apresentados, parece não existir uma barreira intransponível entre experimentos de laboratório e campo.
Entendendo o contexto
Em outra ocasião, ao estudarem o mesmo grupo de pescadores, Gneezy, Leibbrandt, & List (2013) atentaram para a importância da estrutura organizacional como um fator correlacionado com o comportamento. Ou seja, a forma de organização do trabalho de alguns pescadores pode vir a afetar seu comportamento no mar? Neste caso, basta pensarmos no seguinte exemplo: pessoas acostumadas a trabalharem sozinhas poderiam vir a exibir hábitos (pessoais e profissionais) nitidamente distintos de pessoas acostumadas a trabalhar em equipe. Em moldes condizentes com esta hipótese, os resultados reportados por Gneezy et al. (2013) sugerem que pescadores que têm o hábito de pescar sozinhos apresentaram um comportamento mais individualista e menos propenso a interações sociais do que aqueles que pescam em grupo.
Em última instância, fica a impressão de que experimentos de campo e laboratório, quando executados em conjunto, podem vir a representar uma abordagem extremamente promissora para a pesquisa em áreas como a Administração, a Economia e a Sociologia. No fim das contas, campo e laboratório podem ser mais parecidos do que aparentam à primeira vista.
Referências Bibliográficas
Andreoni, J. (1988). Why free ride? Strategies and learning in public goods experiments. Journal of Public Economics, 37(3), 291–304. http://doi.org/10.1016/0047-2727(88)90043-6
Bianchi, A. M. (1998). Are Brazilian economists different? Revista Brasileira de Economia, 52(July 1996), 427–439.
Carter, J. R., & Irons, M. D. (1991). Are economists different, and if so, why? Journal of Economic Perspectives, 5(2), 171–177. http://doi.org/10.1257/jep.5.2.171
Fehr, E., & Leibbrandt, A. (2011). A field study on cooperativeness and impatience in the Tragedy of the Commons. Journal of Public Economics, 95(9), 1144–1155. http://doi.org/http://dx.doi.org/10.1016/j.jpubeco.2011.05.013
Gneezy, U., Leibbrandt, A., & List, J. (2013). Ode to the sea: workplace organizations and norms of cooperation (No. 20234). Retrieved from http://www.nber.org/papers/w20234
Goeree, B. J. K., Mcconnell, M. A., & Mitchell, T. (2010). The 1/d law of giving. American Economic Journal: Microeconomics, 2(1), 183–203. http://doi.org/10.1257/mic.2.1.183
Hernandez, J. M. D. C., Basso, K., & Brandão, M. M. (2014). Pesquisa experimental em Marketing. REMark – Revista Brasileira de Marketing, 13(2), 96–115. http://doi.org/10.5585/remark.v13i2.2692
Kagel, J. H. (2009). Laboratory experiments. In G. Frechette & A. Schotter (Eds.), The Methods of Modern Experimental Economics.
Leuthold, J. (1993). A free rider experiment for the large class. Journal of Economic Education, 24(3), 353–363.
Levitt, S. D., & List, J. (2009). Field experiments in economics: the past, the present, and the future. European Economic Review, 53(1), 1–18. http://doi.org/10.1016/j.euroecorev.2008.12.001
List, J. (2011). Why economists should conduct field experiments and 14 tips for pulling one off. Journal of Economic Perspectives, 25(3), 3–16. http://doi.org/10.1257/jep.25.3.3
Marwell, G., & Ames, R. E. (1981). Economists free ride, does anyone else? Journal of Public Economics, 15(3), 295–310. http://doi.org/10.1016/0047-2727(81)90013-X
Ana Maria Bianchi
Exemplos interessantes da complementaridade entre os dois tipos de pesquisa, Matheus. Eu poderia acrescentar a pesquisa de Joseph Henrich e outros, Foundations of Human Sociality, Oxford University Press, 2004. Os autores fazem um estudo antropológico sobre comunidades espalhadas pelo mundo, com base em vários procedimentos de coleta de dados, inclusive experimentos. Concluem, entre outras coisas: 1) que os resultados obtidos por métodos experimentais espelham padrões de interação presentes na vida cotidiana dos grupos; 2) que grupos que dependem de empreitadas coletivas para obter seu ganha-pão (caçadores de baleia, por exemplo) são mais generosos em suas ofertas em jogos de ultimato. Estes dois padrões vão na mesma direção dos estudos sobre pescadores mencionado em seu post.
Matheus Albergaria de Magalhães
Concordo plenamente com a Sra., Professora Ana Maria Bianchi.
Na verdade, cheguei a ler um artigo desses autores, publicado na American Economic Review, que resumia alguns dos principais resultados desse projeto de pesquisa.
A referência é a seguinte:
Henrich, J., Boyd, R., Bowles, S., Camerer, C., Fehr, E., Gintis, H., & McElreath, R. (2001). In search of Homo Economicus: behavioral experiments in 15 small-scale societies. The American Economic Review, 91(2), 73–84. http://doi.org/10.1257/aer.91.2.73
Pessoalmente, acredito que ainda poderemos aprender muito a partir de pesquisas multidisciplinares que utilizem métodos experimentais e outros métodos focados no comportamento humano.
Maria Bernardete Guimaraes
Como sempre excelente artigo Mateus. Você deve publicar mais, seus textos são motivadores e inovadores. E com certeza as pesquisas multidisciplinares são positivas pro bem comum.Parabens.