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A Neuroeconomia surgiu como um esforço interdisciplinar para tentar preencher lacunas na compreensão do comportamento na tomada de decisão e vem contribuindo de forma significativa para a construção de modelos mais precisos do processo decisório. Nessa área interagem, basicamente, a Economia Comportamental, a Psicologia Cognitiva e a Neurociência Cognitiva. Uma melhor compreensão das bases neurobiológicas de processos decisórios tem permitido predizer, por exemplo, comportamento de risco, em diferentes fases do desenvolvimento (infância, adolescência, adulto e terceira idade), variabilidade em diferentes contextos, no autocontrole, na preferência social, entre outros (Camerer, 2013). Por comportamento de risco, entende-se todo comportamento que envolva grande risco de perda até aqueles que podem levar a morte. Um exemplo: dirigir em alta velocidade após ter bebido. Outro exemplo seria o comportamento de um idoso apostar uma quantidade grande de sua aposentadoria na loteria. Ambos envolvem perdas ou riscos importantes. Tais temas merecem a atenção dos economistas e podem melhorar a compreensão de comportamentos econômicos.

Os estudos em Neuroeconomia cresceram de forma impressionante nos últimos tempos. De 1990 até 2012, Glimcher e Fehr (2014) levantaram mais de 900 publicações na base de dados Pubmed com as palavras-chave “decision making” e “brain”. Esse grande crescimento se deve não somente à maior facilidade ao acesso às novas tecnologias das neurociências, mas também ao crescente interesse de outros campos do saber, tendo em conta a grande relevância de se conhecer as bases neurobiológicas do comportamento e encontrar explicações e formas de prever, principalmente, comportamentos decisórios.

Importantes pesquisadores em Economia Comportamental como Colin Camerer, Ernest Fehr, Paul Glimcher, entre outros, têm também se voltado a pesquisar na área de Neuroeconomia. O interesse por medidas neurobiológicas não é recente. Paul Glimcher e Ernest Fehr (2014) descreveram que a neuroeconomia emergiu da economia comportamental e experimental, visando uma melhor compreensão do processamento de informações e de seus efeitos sobre as escolhas. A união das neurociências com a psicologia cognitiva permitiu testar os modelos econômicos existentes, bem como desenvolver novos modelos e teorias. Paul W. Glimcher foi eleito o primeiro presidente da Sociedade de Neuroeconomia, cuja primeira reunião formal ocorreu um ano depois, em 2005. Por isso, é uma área considerada recente.

O interesse da psicologia cognitiva e da neurociência cognitiva em compreender os mecanismos envolvidos nos processos decisórios levou-as a buscar interagir com questões até então consideradas estritamente econômicas. Por que não somos sempre racionais? Quais os fatores que nos levam a desviar dos interesses pessoais? Por que insistimos no erro? Como aprendemos? Quais variáveis modificam nossas preferências e por quê? Por que somos altruístas? Enfim, são muitas perguntas que ainda precisam ser respondidas, mas com o crescimento das pesquisas em Neuroeconomia muitas têm ficado mais claras.

O cérebro é muito complexo e a cada descoberta, nova luz é lançada na compreensão do comportamento humano. Do nível micro (genética, bioquímico, celular) ao macro (áreas cerebrais, sistemas, conectomes), a complexidade dos processos decisórios vai sendo desbravada. Estudos em neurociências trouxeram evidências de que há uma variação biológica significativa que não é mapeada na variação paramétrica, mesmo dos melhores modelos econômicos existentes. Como exemplo, os estudos sobre o neurotransmissor dopamina e o seu papel na tomada de decisão geraram a Teoria de Aprendizagem pelo Reforço (Reinforcement Learning Theory). A dopamina codifica erros de predição de recompensa no rastreamento do valor subjetivo ou da utilidade. A descoberta deste mecanismo de aprendizagem mediado pelo neurotransmissor dopamina em estruturas do cérebro na área medial é considerada uma das mais importantes contribuições da Neurociência Cognitiva e da Neuroeconomia.

O sistema neurobiológico envolvido na Teoria da Aprendizagem pelo Reforço é o sistema de recompensa, que faz parte dos processos automáticos cerebrais, ou seja, processos que não exigem consciência ou esforço cognitivo por serem mecanismos básicos que aumentam a probabilidade de sobrevivência das espécies. Trata-se de um mecanismo primitivo que dividimos com outras espécies de animais. Kahneman (2012) descreveu a existência de dois sistemas cognitivos, um automático e outro controlado. Sua base neurobiológica envolve, além do sistema de recompensa, o sistema límbico, que atua em processos automáticos emocionais. Já o sistema inibitório (inibição dos impulsos, auto controle) faz parte dos processos controlados, que exigem consciência, atenção e esforço cognitivo. Todos estes sistemas interagem entre si e são fundamentais para ocorrência de processos decisórios adequados. Alterações nestes sistemas podem comprometer seriamente a tomada de decisão e resultar em prejuízos ou impulsividade.

Entretanto, desvendar só estes sistemas não seria suficiente para explicar todos os fenômenos decisórios. A Teoria da Perspectiva, de Kahneman e Tversky (1979), sugere que outro fator igualmente relevante é o contexto, que desempenha um importante papel na modulação da decisão. Recentes estudos têm encontrado muitas variáveis, que não apenas modulam os sistemas cerebrais citados acima, mas também ativam outros sistemas que interagem entre si para determinar comportamentos. É nesta complexidade que reside a dificuldade em prever comportamentos: ainda não se sabe todas as variáveis que modulam o comportamento, suas interações e como o cérebro as interpreta. O contexto social tem ganhado particular destaque nas pesquisas. A cognição social envolve o sistema de empatia e mentalização cerebral, a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir o que o outro sente e a capacidade de inferir o que o outro pode pensar ou sentir em determinada situação. São processos que a Teoria dos Jogos (von Neumann e Morgenstern, 1944) já discutia, mas que, porém, excluía as emoções nas interações estratégicas. O sistema límbico é fundamental para que o comportamento seja adequado ao contexto social, aos sentimentos e aos desejos do outro. Este sistema é complexo, porém, pesquisas recentes muito têm elucidado sobre como o cérebro processa as informações sociais e seus impactos sobre comportamentos estratégicos.

A neuroeconomia também vem avançando na compreensão das diferenças individuais, sejam elas genéticas, epigenéticas ou fatores neurobiológicos, como quadros clínicos. Muito tem contribuído ao conhecimento do funcionamento destes sistemas estudar quadros clínicos como o a doença de Parkinson, o transtorno do espectro autista, lesões cerebrais, quadros psiquiátricos como a depressão, síndrome do pânico, entre outros. O papel de cada sistema, cada área cerebral, neurotransmissores e neurohormônios vem sendo elucidados nos estudos desses quadros clínicos e seus efeitos sobre processos decisórios.

Em suma, a Neuroeconomia é uma área nova, mas que cresceu muito e vem chamando a atenção de outras como o Marketing e a Psicologia do Consumo. Ela já trouxe grandes contribuições para a compreensão dos processos decisórios, apontando falhas nas teorias econômicas e permitindo seu aprimoramento ou a criação de novos modelos teóricos do comportamento decisório.

Referências
BOSSAERTS, Peter; MURAWSKI, Carsten. From behavioural economics to neuroeconomics to decision neuroscience: the ascent of biology in research on human decision making. Current Opinion in Behavioral Sciences, v. 5, p. 37-42, 2015.

CAMERER, Colin F. Goals, methods, and progress in neuroeconomics. Annu. Rev. Econ., v. 5, n. 1, p. 425-455, 2013.

GLIMCHER, Paul W.; Fehr, Ernest. (Ed.). Neuroeconomics: Decision making and the brain. Academic Press, 2014.

GRIESSINGER, Thibaud; CORICELLI, Giorgio. The neuroeconomics of strategic interaction. Current Opinion in Behavioral Sciences, v. 3, p. 73-79, 2015.

KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, p. 263-291, 1979.

SET, Eric et al. Dissociable contribution of prefrontal and striatal dopaminergic genes to learning in economic games. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 26, p. 9615-9620, 2014.

TRANEL, Daniel; BECHARA, Antoine; DENBURG, Natalie L. Asymmetric functional roles of right and left ventromedial prefrontal cortices in social conduct, decision-making, and emotional processing. Cortex, v. 38, n. 4, p. 589-612, 2002.

VON NEUMANN, John; MORGENSTERN, Oskar. Theory of games and economic behavior. New Jersey: Princeton university press, 1944.

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