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Acompanhamos na última semana a escalada da crise mundial causada pelo coronavírus (COVID-19). O que começou como uma epidemia na cidade de Wuhan, na China, agora é uma pandemia que está afetando a saúde da população e paralisando a economia global.

Conforme a pandemia se espalha pelo mundo, governos tomam medidas a fim de conter a propagação do vírus. Entre as primeiras atitudes estão as campanhas de conscientização pela higiene. Não só governos, mas empresas e organizações privadas adotam, dentro de suas dependências, mensagens reiterando a importância de lavar as mãos, sanitizar ambientes, evitar contato pessoal e aglomerações etc.

Nesse sentido, a Economia Comportamental vem muito bem a calhar, principalmente na aplicação dos nudges.

Um Nudge, conceito teorizado por Richard H. Thaler, um dos pais da Economia Comportamental e que tem ganhado grande destaque ao redor do mundo, tem como objetivo alterar o comportamento das pessoas de um modo previsível, mas sem proibir quaisquer opções e nem alterar significativamente seus incentivos econômicos. Nudges podem ser traduzidos como “empurrõezinhos” que estimulam as heurísticas certas nos momentos certos a fim de que tomemos as decisões desejadas naquele momento.

Nas campanhas sobre higiene, um dos exemplos de nudge mais conhecidos é o de facilitar e sinalizar o acesso a recipientes com álcool em gel nas empresas. Sem dificuldades para encontrar, e com constantes estímulos visuais, as pessoas acabam quase que automaticamente esterilizando as mãos e objetos. Podemos usá-los também para incentivar as medidas básicas e urgentes como:

  1. – Ficar em casa e adotar o distanciamento social.
  2. – Evitar contato pessoal: beijos, abraços, apertos de mão.
  3. – Manter uma vida saudável, fazer exercícios ao ar livre (evitar academias), se alimentar e dormir bem.
  4. – Evitar viajar em meios de transporte coletivo.
  5. – Seguir as orientações do governo em caso de sintomas.

 

Nudges e outras técnicas também podem ser aplicadas a fim de controlar os vieses que estimulam o pânico. Vivemos rodeados de inúmeros canais de comunicação, e informações em excesso acabam contribuindo, por exemplo, para o viés da disponibilidade, que nos faz achar que algo é mais frequente do que é pela quantidade de vezes que os casos e situações similares vêm à mente. Nessa enxurrada de informações que recebemos sobre o coronavírus, é difícil fazer uma triagem do que faz sentido e do que é mentira.

Assim, uma das dicas mais simples da EC é: restrinja suas fontes. Evite grupos de mensagens que compartilhem muitos links e redes sociais não confiáveis. Fique restrito a canais sérios e fontes confiáveis de informação e “feche” os olhos para os demais.

Medidas pontuais como as campanhas de conscientização e o controle do fluxo de informações funcionam com poderoso auxílio da Economia Comportamental, até certo ponto. O limite, defendido por mim e por outros estudiosos da EC, são as políticas públicas baseadas em evidências científicas e empíricas.

O caso do Reino Unido ilustra essa situação. No dia 12 de março, diante de uma estimativa de 5 mil a 10 mil casos de coronavírus no país, o primeiro-ministro Boris Johnson anunciou uma política de combate ao vírus na contramão do resto do mundo. A abordagem seria focar nos nudges de conscientização da higiene e da distância pessoal e evitar medidas de distanciamento social em larga escala.

A abordagem foi proposta com a orientação do renomado Behavioral Insights Team (também chamado de “Nudge Unit”) do governo britânico. Foi justificada a fim de evitar uma “fadiga” comportamental nas medidas de banimento e quarentena, que seriam aplicadas somente quando a doença atingisse um pico. Até lá, o governo confiaria que as campanhas de higienização e a autoimunização dariam conta do recado.

A comunidade científica reagiu. O principal questionamento foi a respeito das evidências científicas da efetividade dessa abordagem. Em uma carta assinada por 600 especialistas, foi apontada falta de transparência do governo em relação a essas informações . Os signatários também cobraram uma medida mais enérgica e urgente para conter o COVID-19, a exemplo de outros países que instituíram o isolamento em larga escala.

A resposta veio no dia 16 de março, quando o governo britânico trouxe novas medidas. Agora, o primeiro-ministro pede que as pessoas evitem contato não-essencial com outras pessoas, e que famílias fiquem isoladas em casa por 14 dias caso algum membro apresente sintomas.

Uma das principais lições nesse caso é a necessidade de tomarmos cuidado em utilizar evidências experimentais e empíricas robustas para embasar campanhas, estratégias e políticas públicas alicerçadas na Economia Comportamental. Também é louvável o impacto gerado pela carta que conta com mais de 600 cientistas comportamentais na Inglaterra, um número muito expressivo considerando essa área ainda tão pouco difundida no Brasil.

A EC tem mostrado a olhos vistos que funciona muito bem quando baseada em dados, experimentos e estudos robustos em laboratórios ou campo, porém deve ser utilizada com parcimônia em casos excepcionais como o que estamos vivenciando.

Mais do que cientistas comportamentais, somos humanos: será que, diante de tantas coisas boas e resultados incríveis que a área tem demonstrado, não podemos ser vítimas de um viés cognitivo, o tal Excesso de Confiança? Todos queremos salvar o maior número de vidas e estamos juntos nessa batalha, portanto precisamos manter a calma e ter todo o cuidado nessa situação de crise e sem precedentes. Assim, nada melhor do que dados para aprender com nossos vieses e defender um limite para experimentos naturais em situações de alto risco.

Fonte: www.inbehaviorlab.com.br/news


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