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Dinheiro é um objeto fungível. Isso significa que dinheiro possui a capacidade de ser plenamente substituível e reposto por outro da mesma espécie. Ao se pagar a escola do filho, comprar uma cerveja, fazer uma poupança, usar o dinheiro em qualquer outra situação, ele é o mesmo. Poderíamos facilmente pegar o dinheiro usado em uma dessas situações, guardá-lo e usá-lo em outra.

Mas será que percebemos dinheiro assim? Um dos principais tópicos de pesquisa na Economia Comportamental é denominado contabilidade mental (Mental Accounting) e tenta entender como as pessoas pensam sobre o dinheiro. Richard Thaler, um dos pioneiros nesse tipo de estudo, define contabilidade mental como “um conjunto de operações cognitivas usadas por indivíduos e famílias para organizar, avaliar e manter o controle de suas atividades financeiras”(Thaler 1999).

O estudo de contabilidade mental levou a uma série de experimentos que indicam que não usamos dinheiro de maneira fungível.

Experimentos sobre Contabilidade Mental

Imagine as seguintes situações:

1-Você está em um shopping e vai comprar uma calculadora em uma loja de departamento. O atendente lhe informa que a calculadora custa 20 reais, mas a mesma calculadora custa 15 reais numa loja a alguns minutos de caminhada no shopping. Você iria na outra loja comprar a calculadora?
2- Em outro dia, você retorna ao shopping para comprar uma jaqueta. Em uma loja o atendente lhe informa que a jaqueta custa 200 reais, mas na loja a alguns minutos de distância ela custa 195 reais. Você iria na outra loja comprar a jaqueta?

Exemplo semelhante foi descrito por Tversky e Kahneman em 1981, que constataram que a maioria das pessoas responderam que mudariam de loja na primeira situação, mas não na segunda.

O peculiar é que ambas as situações descrevem um mesmo problema: 5 reais valem alguns minutos de caminhada? Sim ou não, dependendo do valor relativo que está sendo economizado.

Edição hedônica

Uma das ideias centrais em Economia Comportamental é que as pessoas pensam situações em termos de mudanças relativas a um ponto de referência. Dinheiro também segue esse princípio, como o exemplo acima mostra. O contexto muda a nossa percepção do problema e faz com que não tratemos os mesmos 5 reais de maneira igual.

Essas comparações relativas seguem alguns padrões que são conhecidas como Edição Hedônica (Hedonic Editing). Por exemplo, pessoas preferem ganhar duas vezes 50$, a ganhar 100$ de única vez. O oposto ocorre com perdas*, isso é, elas preferem perder 100$ de uma vez a perder duas vezes a metade disso (Thaler 1985). Em geral, os ensinamentos de Edição Hedônica podem ser resumidos em 4 princípios:

1- Separe ganhos (Ganhar 50$ duas vezes é melhor do que ganhar 100$ uma única vez);
2- Agrupe perdas (Perder 100$ uma vez é melhor do que perder 50$ duas vezes);
3- Agrupe pequenas perdas com ganhos grandes (Ganhar 90$ é melhor que ganhar 100$ e perder 10$ em seguida);
4- Separe pequenos ganhos de grandes perdas (Perder 100$ e em seguida ganhar 10$ é melhor do que perder 90$);

Cada uma dessas ações melhora a nossa percepção da situação e do dinheiro ganho ou perdido. Tais padrões também funcionam para objetos e, portanto, possuem importantes implicações para marketing. Por exemplo, em termos de vendas, seria mais eficaz oferecer uma Coca-Cola de 500 ml de brinde ao se comprar uma garrafa de 2 litros do que aumentar o tamanho da garrafa de 2 litros, adicionando-lhe 500 ml (Jha-Dang and Banerjee 2005).

Nas situações descritas acima a nossa valoração subjetiva do dinheiro está alterando com contexto. Ao modificarmos o valor subjetivo do dinheiro, o tratamos de maneira diferente em cada situação. Em economês, a utilidade do dinheiro é contexto dependente.

Utilidade Transacional

No experimento acima, podemos pensar o dinheiro como o objeto ganho per si, ou podemos pensar o dinheiro como uma mudança no preço (de 200 para 195, de 20 para 15). Da mesma forma que o valor relativo economizado altera o nosso comportamento, diferentes preços, as representações monetárias dos objetos, interferem no consumo.

Em um experimento, Thaler (1985) perguntou a entrevistados o quanto eles estariam dispostos a pagar por uma cerveja que iriam consumir em uma tarde na praia em duas situações diferentes. Em um caso, um suposto amigo do entrevistado passaria em um mercado para comprar a cerveja, no outro, o amigo passaria no hotel. O entrevistado receberia a mesma cerveja no mesmo lugar, não alterando em nada o objeto consumido pelo agente em si. Entretanto, as pessoas descreveram que estariam dispostas a pagar mais pela a cerveja do hotel do que pela cerveja do mercado.

Para vários objetos temos preços de referência bem definidos e modificações nesses preços podem ser vistos como perdas ou ganhos. No experimento acima, as pessoas tem preços de referência diferentes para quanto se gasta em uma cerveja no mercado ou em um hotel. Seguindo essa lógica, encontrar uma latinha de coca-cola por 1 real ou uma garrafa de cerveja por 4 reais leva a muito mais felicidade do que a simples sensação de economizar 2-4 reais. Existe uma percepção de ganho monetário relativo embutida em cada transação. Em economês, existe uma utilidade transacional.

Nesse sentido, não só a nossa percepção do valor subjetivo do dinheiro como objeto se altera, a percepção do valor subjetivo da transação devido a modificações nos preços se modifica. O dinheiro gasto em situações distintas é percebido diferentemente em comparação ao preço e em algumas situações podemos até gastar dinheiro e sentimos que estamos ganhando algo, enquanto em outras é sentido apenas como gastos.

Assim, duas mudanças em preços de mesmo valor absoluto, mas de diferentes valores em termos proporcionais, provavelmente serão vistas e tratadas de maneira completamente diferente.

Concluindo…

Nesse texto começamos a entender como pensamos sobre dinheiro. O valor subjetivo do dinheiro é contexto dependente e uma mesma quantidade é percebida de maneira diferente dependendo da circunstância, seja como objeto físico ou como preço. Mesmo que dinheiro seja, em princípio, plenamente fungível em qualquer situação, muitas vezes nós não agimos como se isso fosse verdade. Ao tratarmos dinheiro de maneira que ele tenha valores diferentes com o contexto, não é possível fazer uma comparação direta e 1 real em uma situação não é igual a 1 real de outra.

Na próxima parte discutiremos o fato de classificarmos gastos em categorias e como isso cria padrões de consumo peculiares. Vamos ainda falar como situações podem usar essas classificações para modificar o que compramos.

Para ilustrar, tente responder a seguinte pergunta: Você preferiria 500 cafés ou um smartphone novo?

Tem alguma dúvida, comentário, sugestão ou pergunta?
Pode fazer que respondemos!

*existe uma dificuldade em se conseguir agrupar perdas, principalmente em termos de aspectos temporais.

Referências
KAHNEMAN, D.; TVERSKY, A. The Framing of decisions and the psychology of choice, Science, v. 211, n. 4481, p. 453–458, 1981.
JHA-DANG, P.; BANERJEE, A. A theory based explanation of differential consumer response to different promotions. Advances in Consumer Research, v. 32, p 235-252, 2005.
THALER, R. Mental accounting and consumer choice, Marketing science, v. 4, n.3, p. 199-214, 1985.
THALER, R. Mental accounting matters, \textit{Journal of Behavioral decision making}, v. 12, n. 3, p. 183-206, 1999.

3 Comentários

  1. Marcelo Nunes

    Muito bem explicado o conceito.
    É interessante notar que a contabilidade mental ajuda a entendermos não apenas as percepções pré compra, mas também após a compra. Elucida, por exemplo, o comportamento de renúncia de consumo, algo contraintuitivo além de irracional do ponto de vista econômico.
    Em geral, criamos uma associação ou acoplamento entre custos e benefícios por meio da contabilidade mental. No entanto, alguns recursos criados pelo mercado para formatação de produto, como a oferta de pacotes (mencionado no caso do refrigerante) e a forma de pagamento (como no caso de pagamento por cartão de crédito), fazem com que o vínculo entre custos e benefícios se enfraqueça, fazendo com que uma eventual renúncia de consumo seja percebida com muito menos dor ou frustração. Vale o exemplo da batatinha ou do refrigerante na promoção do sanduíche, que se fosse pago individualmente, teríamos muito mais resistência em descartar os restos.

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