Pequeno guia de Psicologia para economistas – Parte II
Esse é o segundo artigo de uma série que apresentará um panorama da Análise do Comportamento Econômico. Essa área interdisciplinar estuda temas econômicos a partir de um ramo da Psicologia chamado Análise do Comportamento.
Recapitulando…
A Parte I descreveu que existem diversas correntes de pensamento dentro da Psicologia e que esse guia enfoca sobre um ramo Comportamental: a Análise do Comportamento. Nela, adota-se o conceito de que comportamentos seriam todas as relações que as pessoas estabelecem com seus diversos ambientes, social, físico, passado e presente.
Ao considerar sentimentos, emoções, pensamentos, atitudes também como comportamentos, torna-se incoerente tomar esses fatores como a causa de comportamentos. Uma análise adequada de comportamentos econômico deve incluir tanto as ações das pessoas (públicas e privadas) como as variáveis ambientais/ sociais que estavam presentes quando tais ações ocorreram.
Interesses Mútuos
Existe uma complementaridade entre a Economia e a Análise do Comportamento. A primeira vem de uma longa tradição em descrever, explicar e prever os movimentos das forças de mercado: mecanismos formadores de preços/equilíbrios, sistemas de incentivos, mercados de trabalho e consumidor, volumes de investimentos, etc. Em linguagem comportamental esses fatores recebem nomes como “contingências sociais”, “variáveis do ambiente social” ou “contingências culturais”.
O foco da Análise do Comportamento é elucidar a interdependência entre: as ações das pessoas, como essas ações determinam e modificam o ambiente externo, como tais modificações ambientais, por sua vez, também afetam e modificam os indivíduo, e assim por diante, em um fluxo contínuo e initerrupto. Na Análise do Comportamento Econômico (ACE), os comportamentos analisados são aqueles que movimentam o sistema econômico, como consumir, trabalhar ou investir.
Citando alguns exemplos…
A complementaridade entre as duas ciências também ocorreu a outros cientistas. Vou dar dois exemplos de cada lado. Na Economia temos (1) John H. Kagel, que publicou diversos artigos defendendo o aprofundamento dessa pesquisa interdisciplinar*, (2) David A. Alhadeff, que propõe uma síntese entre Microeconomia e Análise do Comportamento**. Do lado da Psicologia: (3) o próprio fundador da Análise do Comportamento, B.F. Skinner, dedicou um capítulo inteiro de seu livro mais famoso, “Ciência e Comportamento Humano”, para defender a importancia dessa interação e (4) Steven Hursh, desenvolvedor de métodos para se medir o valor subjetivo dos bens em laboratório, com aplicações em políticas públicas***.
Ou seja, pessoas muito mais qualificadas do que eu defenderam a aproximação entre esses campos científicos! Em artigo publicado em 2012 no Interamerican Journal of Psychology, eu e o prof. Diogo Ferreira fizemos uma breve introdução da Economia para psicólogos****. Aqui tento o inverso: apresentar a Análise do Comportamento Econômico para economistas.
Racionalidade Normativa
A Análise do Comportamento Econômico (ACE) estuda como e porque as pessoas apresentam esse ou aquele padrão de consumo, de trabalho, de poupança ou de investimento e, caso desejável, como modificá-los. Não se questiona se as decisões das pessoas estão ou não de acordo com modelos de racionalidade.
A noção de que existiria um padrão de referência a partir do qual as escolhas das pessoas podem ser julgadas racionais, irracionais, quase racionais, limitadamente racionais não faz sentido dentro dessa perspectiva. Não se usam termos como anomalias ou desvios de racionalidade. Pesquisas em ACE estão voltadas a entender como e porque as pessoas apresentam padrões comportamentais, quais fatores antecedem decisões econômicas e como as consequências dessas decisões afetam padrões futuros.
Há diversos estudos sobre maximização, mas poucos sobre racionalidade. Isso pode parecer incoerente, mas não é. O foco é desvendar quais tipos de utilidades estão regendo as decisões. Isso implica no entendimento de que existem diversos tipos de utilidade, que incluem dinheiro, mas também status, segurança, conforto, aprovação etc.
Preferências Reveladas
Ao longo de suas criações, as pessoas aprendem a descrever o que estão sentindo, pensando e a explicarem os motivos de suas ações. A clareza dessas explicações varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa. Em geral, somos ensinados a oferecer explicações mesmo quando não sabemos os reais motivos de nossas ações. Se não sabemos, formulamos explicações coerentes, mesmo que incorretas!
Um formato bastante comum de pesquisas é perguntar-se diretamente ao sujeito se ele prefere obter uma opção A ou B. Diversos estudos apontam incoerências entre o que dizem que farão e o que de fato fazem. Pessoas dizem que escolheriam a opção B, mas quando expostas a situações reais escolhem a opção A. Por conta disso, a ACE tende a recorrer menos ao uso de questionários ou entrevistas e a privilegiar a observação direta dos comportamentos de interesse, em laboratórios ou fora deles.
Prefácio à Parte III (final) desse guia
A terceira e última parte desse guia irá avaliar a proximidade entre a Análise do Comportamento Econômico e as Economias descritiva (ou positiva) e normativa, concluindo haver maior similaridade com a primeira. Também vai explicar os motivos de seus pesquisadores aceitarem o uso de animais não-humanos, como macacos, aves, etc. para investigar algumas leis econômicas fundamentais.
Algumas leituras sugeridas:
* Vou citar dois artigos dentre muitos existentes desse autor: (1) Kagel, J.H., Battalio, R.C. (1980). Token Economy and Animal Models for the Experimental Analysis of Economic Behavior, em Kmenta, J. and Ramsey, J.B (eds), Evaluation of Econometric Models, Academic Press. disponível on-line em http://www.nber.org/chapters/c11711.pdf, (2) Kagel, J.H.; Winkler, R.C. (1972). Behavioral economics: areas of cooperative research between economics and applied behavioral analysis. J Appl Behav Anal. 1972 Fall; 5(3): 335–342, disponível on-line em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1901/jaba.1972.5-335/abstract
** Microeconomics and Human Behavior: towards a new synthesis of Economics and Psychology (1982), University of California Press. Cabe um alerta aos navegantes: trata-se de um livro denso, com uma linguagem bastante técnica, que pode ser difícil para iniciantes.
*** Hursh, S. Roma, P.G. (2013). Behavioral Economics and Empirical Public Policy. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, Vol. 99 (1): 98–124. On-line: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jeab.7/full
**** Franceschini, A.C.T, Ferreira, D.S. (2012). Economia Comportamental: uma introdução para analistas do comportamento. Interamerican Journal of Psychology, vol. 46, núm. 2: 317-325. Disponível on-line em: http://www.redalyc.org/pdf/284/28425280013.pdf
Felix Kessler
Fico aguardando ansiosamente a parte III, Carol! Acabei de me dar conta, ao ler esse texto, de que PRECISO urgentemente me aprofundar nas teorias da Psicologia… (hello Skinner!). Esta série está excelente! Parabéns!