Pequeno Guia de Psicologia para Economistas – Parte III
Esse é o terceiro (e último) artigo de uma série que apresentou um panorama das pesquisas em Análise do Comportamento Econômico. Essa área interdisciplinar estuda temas econômicos a partir de um ramo da Psicologia chamado Análise do Comportamento.
Recapitulando…
A Parte I descreveu algumas das caracteristicas da Análise do Comportamento. Nesta área, entende-se que comportamentos seriam todas as relações que as pessoas estabeleceram com seus ambientes sociais e físicos, tanto no passado como presente. Isso inclui as ações das pessoas (comportamentos públicos) e também seus sentimentos, emoções ou pensamentos (comportamentos privados).
A Parte II listou algumas complementaridades entre Economia e a Análise do Comportamento. Ambas querem descrever e explicar a interdependência entre o que as pessoas fazem (pública e privadamente) e os ambientes sociais em que elas vivem. Também buscam prever o que as pessoas farão quando esses ambientes se modificarem. Na Economia, o termo “ambiente social” equivale as “forças de mercado” e na Psicologia, equivale a “variáveis sociais” ou “contingências culturais”.
As duas ciências tendem a privilegiar a observação direta dos comportamentos de interesse (preferências reveladas). Quanto a diferenças, a Análise do Comportamento Econômico não adota o conceito de racionalidade como alguns ramos da Economia, mas em vez disso estuda os efeitos das diversas Utilidades (que recebem o nome de Valor Reforçador) sobre as escolhas humanas sem compará-los a modelos normativos.
Normativo vs Descritivo
A distinção entre Economia descritiva e normativa é conhecida dos economistas. A Economia descritiva (ou positiva) pretende identificar os por quês dos movimentos econômicos e prever o que acontecerá se essa ou aquela variável mudar. A Economia normativa almeja algo mais ambicioso: estabelecer rumos para onde os movimentos econômicos deveriam seguir. Esse é o campo das políticas fiscais, monetárias, dos Nudges (pequenas modificações para estimularas pessoas a agirem de uma maneira específica).
O contato entre a Economia e a Análise do Comportamento é mais fluido do lado descritivo. Um objetivo comum é explicar e encontrar métodos para modificar comportamentos econômicos, com menor ênfase em qual deveria ser a direção dessas modificações.
Isso não quer dizer que esses pesquisadores sejam destituídos de juízos éticos ou morais! Essas pesquisas são sempre supervisionadas por comitês de ética, em adição à consciência moral de cada pesquisador. O ponto é que pesquisas descritivas estão voltadas a entender o que acontece, prever o que irá acontecer e buscar métodos para modificar algo se necessário. O campo normativo aplica essas tecnologias para direcionar movimentos econômicos.
Evolucionismo e Selecionismo
A Análise do Comportamento esta 100% sustentada sobre a noção de que os seres humanos são fruto de processos de seleção natural e, portanto, estão submetidos a algumas leis biológicas gerais como qualquer outro animal.
Obviamente, todo organismo apresenta comportamentos exclusivos de sua espécie. Um dos comportamentos mais típicos de humanos é a complexidade de sua linguagem e seus simbolismos. Mas, humanos também apresentam diversos comportamentos básicos, emoções primárias, estratégias gerais de sobrevivência, sensibilidade a reforçamentos e a punições etc. que também podem ser observados em outras espécies.
Sendo isso verdade, torna-se possível observar alguns dos comportamentos econômicos básicos de seres humanos, como demanda, trocas ou poupança, usando outras espécies de animais. Com uma grande vantagem: estudos com animais não-humanos permitem que se faça uma vasta gama de manipulações que não poderiam ser feitas com humanos.
Por exemplo, é perfeitamente possível se criar um grupo de animais em condições de maior ou menor abundância de recursos para estudar o efeito de níveis de renda sobre alguma variável, como consumo ou poupança. Também é viável modificar radicalmente esse nível de renda, empobrecendo os “ricos” e enriquecendo os “pobres”, para verificar quais mudanças ocorrem nos padrões de consumo e poupança subsequentes. Esse tipo de manipulação seria eticamente inviável de ser feita com seres humanos.
Muitas das leis econômicas fundamentais já puderam ser observados no comportamento de macacos, aves, ratos etc. Alguns exemplos: Lea (1978) demonstrou grandes similaridades entre curvas de demanda-preço obtidas em laboratórios com macacos, ratos e pombos e as de humanos obtidas em estudos econométricos [1].
Quando grupos de ratos trabalham por bens por bens supérfluos ou essenciais, eles apresentam propensão marginal a consumir e poupar nos mesmos patamares que as populações norte-americana e brasileira. Aos curiosos em saberem como os ratos “trabalharam” nesse tipo de estudo, segue o link para um vídeo explicativo:
Estudo com ratos comprova teoria econômica do consumo
Sob condições apropriadas, pombos apresentam os mesmos efeitos de “sunk costs” que humanos. Esse efeito em animais já foi bastante estudado e publicado. Um artigo nessa linha seria este: The Sunk Cost Effect in Pigeons and Humans (em inglês)
Mas nem tudo são flores! Se por outro lado, estudos com diferentes espécies de animais abrem uma gama maior de variáveis a serem manipuladas, por outro eles trazem dúvidas quanto a generalidade das conclusões obtidas. Será que seres humanos que vivenciam esses tipos de situações reagem da mesma forma?
Laboratórios ou mercados?
Questionamentos similares, sobre a generalidade das conclusões,emergem da decisão de se criar alguma situação em laboratório (ex: um jogo) para estudar decisões humanas versus coletar dados produzidos “naturalmente” pelo mercado: será que as duas situações (laboratório ou mercado) são comparáveis entre si?
Esse tipo de dúvida pode levar a conclusão de que melhor seria usar os dados produzidos “naturalmente” pelo mercado. Mas, para isso o pesquisador deve ponderar que esses dados de mercado foram produzidos a partir de condições muito complexas e específicas, que podem nunca mais voltarem a acontecer. Nesse caso, qual a sua validade para prever futuros movimentos econômicos?
A famosa cláusula ceteris paribus (“todas as demais condições inalteradas”) só podem ser de fato testada dentro de laboratórios, onde há maior controle experimental.
Não vou me aprofundar aqui nesses (importantes!) debates metodológicos entre uso de animais humanos ou não, ou entre experimentos de laboratório ou uso de dados do mercado. Toda escolha por uma ou outra estratégia de pesquisa traz vantagens e desvantagens. Ao longo de minhas contribuições futuras ao blog, irei citar pesquisas que utilizaram diversos métodos e sujeitos. A relevância desses resultados ficará ao cargo do julgamento de cada leitor.
Em tempo: nosso colaborador Matheus Albergaria, da USP, postou um ótimo texto expondo alguns pontos do debate metodológico entre experimentos de laboratório ou uso de dados de mercado. Vale a leitura para entender melhor essa discussão.
Encerrando…
Esse pequeno guia pretendeu dar algumas orientações iniciais aos economistas interessados em prosseguir na (fascinante) interação entre a Economia e a Psicologia. Foram expostas algumas das premissas e características mais marcantes da Análise do Comportamento Econômico, que estuda os comportamentos que são responsáveis por todo o nosso sistema econômico, como trabalhar, investir, consumir, poupar etc. dentro da Psicologia analítico-comportamental.
Foram expostos alguns conceitos básicos de comportamentos, aproximações/ distanciamentos entre premissas, objetivos de pesquisa e os métodos preferenciais de cada lado. Nas minhas próximas contribuições, irei abordar temas mais específicos, que naturalmente envolverão as questões tratadas no Guia. Mas esses texto também trarão novidades que poderão supreender, fascinar ou assustar o leitor (rs). Meu objetivo (ou melhor, minha torcida!) é que isso aguce a curiosidade e estimule a busca por fontes adicionais de informações, tanto sobre os temas expostos aqui, como sobre tantos outros, igualmente importantes, que tiveram que ser (temporariamente) ignorados.
Referência Bibliográfica
[1] Lea, S.E.G., (1978). The psychology and economics of demand. Psychological Bulletin, 85:441–466.
antonio
Excelente texto!
Poderia mandar uma cópia da bibliografia para o meu e-mail? Obrigado!
Maria Bernardete Guimaraes
Este comportamento agressivo em animais pela luta por território e comida é o mesmo que deve ocorrer em humanos,
mas associado a falta do compartilhamento dos recursos, o que resulta num desequilíbrio. Abundância para alguns e carência para outros, mas quem regula? O grupo? Assisti a uma divisão de alimentos num zôo em que davam bananas, jogavam e alguns ficavam com várias e outros sem nenhuma, se conformavam, o grupo não repartiu entre os membros as sobras. Quando recursos são melhor distribuídos todos ganham, e os recursos são melhor aproveitados também. Por exemplo, uma banana repartida em duas partes pode alimentar dois indivíduos por algumas horas e impedir conflitos entre eles, que afetem o grupo.
Assim com outros recursos, por exemplo a economia de água em uma residência pode abastecer duas ou três por alguns dias. Trocar a lavagem do carro por limpeza com produto específico gera poupança de água que serve pro banho, pra cozinhar. É maximizar o recurso. E todos tem o recurso.
Maria Bernardete Guimaraes
Na negociação de conflitos por recursos finitos a economia comportamental é importante pois analisa o comportamento dos usuários destes recursos, dado necessário para que políticas públicas sejam adotadas. E analisa também se estas políticas atingiram seu objetivo. Podemos quantificar estes dados para melhor compreender se os objetivos da política adotada foram satisfatórios.
Luciana
Olá Carol, parabéns pelo texto!
Confesso que sou novata nas leituras acerca da economia comportamental. Estou em busca de recolocação no mercado, aprendizagem, economia e comportamento humano, são áreas que sou apaixonada e neste contexto vejo a necessidade de em breve buscar uma especialização na área.
Estou certa que estarei por aqui mais vezes, um super abraço!