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O Banco Mundial lançou recentemente um surpreendente relatório para o desenvolvimento internacional – ‘World Development Report,’ (WDR). Para alguém que tem um Blog chamado There are Free Lunches, o meu primeiro pensamento quando ouvi falar no relatório foi: não são os tipos do Banco Mundial, os tipos que acreditam que as pessoas são agentes racionais centrados no auto-interesse, e que o dinheiro é a solução para todos os problemas do mundo?

Rapidamente compreendi que fora apanhado pelas forças sutis mas poderosas da availability heuristic, um atalho mental que as pessoas utilizam quando têm de fazer julgamentos em condições de incerteza. Esta heurística implica basear o julgamento nos cenários que imediatamente surgem na nossa mente, em vez de usarmos toda a informação apropriada. Assim, as ideias que vieram imediatamente à minha mente quando pensei em Banco Mundial foram: dinheiro + empréstimos + países pobres.

Mas após uma conversa com Varun Gauri, Economista-Sênior do Development Research Group do Banco Mundial e co-diretor do relatório, eu percebi que fora novamente enganado por um dos muitos atalhos psicológicos e sociais que, embora evolucionariamente úteis, actualmente enviesam as nossas mentes, governam as nossas vidas, e determinam o futuro das nossas sociedades e economias. Gauri me disse que eles estavam a “lançar um novo relatório que revê desenvolvimentos recentes e excitantes acerca da forma de diagnosticar e resolver constragimentos psicológicos, cognitivos, e sociais às das polítcas de desenvolvimento económico”

Fiz um breve resumo de alguns destaques do relatório nos parágrafos seguintes, para que possamos compreender, através de vários exemplos recolhidos do WDR 2015, de que forma pequenas intervenções de baixo-custo, podem mitigar estes enviesamentos e gerar grandes benefícios em termos de desenvolvimento.

Pequenas Mudanças no Processo de Candidatura podem Influenciar a Frequência de Universidades de Elite por parte de Estudantes oriundos de Estratos Sociais Desfavorecidos?

Quando em 1998, um exame de prontidão para a universidade (o ACT) aumentou, de três para quarto, o número de relatórios de pontuação gratuitos que os examinandos poderiam enviar às universidades e diminuiu o custo de enviar relatórios adicionais para $6, os estudantes passaram a enviar substancialmente mais relatórios.

A mudança de comportamento foi a mesma para estudantes de baixo e alto estrato social, o que sugere que as escolhas dos estudantes não eram baseadas numa decisão deliberativa que pesava custos e benefícios, mas em vez disso, na aceitação irrefletida de uma opção padrão. Quando o número de relatórios que os estudantes podiam enviar de graça aumentou de três para quatro, o número de examinados que enviavam exactamente quatro relatórios passou de 3 por cento para 74 por cento.

Isto fez com que os estudantes de baixos estratos sociais se candidatassem e frequentassem universidades mais prestigiadas, o que aumentou as suas perspectivas de salário ao longo da vida em cerca de $10,000, superando, de longe, o custo de $6 correspondente ao envio de mais um relatório.

Como reduzir o Número de Mortes por Acidentes Rodoviários através de Autocolantes colocados em Mini-autocarros?

Todos os anos, cerca de 1.25 milhões de pessoas morrem em acidentes rodoviários – mais do dobro que o número de vítimas resultantes da guerra e violência juntas.

No Quénia, muitas das pessoas mortas são passageiros de mini-autocarros, e as pessoas estão conscientes do perigo. Investigadores decidiram tentar uma intervenção comportamental de baixo custo que permitisse reduzir os acidentes: autocolantes colocados nos autocarros que encorajavam os passageiros a “importunar e repreender” motoristas imprudentes.

A intervenção foi um sucesso notável. Indemnizações de seguros por danos ou morte cairam para metade, de 10 por cento para 5 por cento das apólices. O custo por ano de cada vida salva foi de cerca de 5,80 dólares, tornando o programa ainda mais vantajoso em termos de custo-benefício que a vacinação infantil, uma das intervenções de saúde mais eficientes e baratas.

Qual é a relação entre a Saliência da Identidade Criminal e a Desonestidade dos Presos?

Um estudo numa prisão de maxima segurança em Zurique, Suiça, descobriu que um aumento da saliência da identidade criminal de um indivíduo aumenta sua desonestidade.

Os presos foram questionados, em privado, qual o resultado de lancar 10 moedas ao ar. Foi-lhes prometido que poderiam ficar com as moedas cujo resultado fosse “cara”, e que tinham de devolver as moedas cujo resultado fosse “coroa”. Antes de lançar as moedas, os presos preencheram um inquérito. Aleatoriamente, os presos receberam um inquérito que poderia incluir perguntas acerca da sua identidade de preso ou não.

A batota foi maior em cerca de 60%, no grupo cuja identidade criminal foi salientada, comparativamento ao grupo de controlo. Os resultados suportam a interpretação de que os presos do estudo de Zurich comportaram-se de forma mais desonesta devido ao contexto criado pelo inquérito, que fez com que a identidade criminal se tornasse mais saliente nas suas mentes.

Podemos ajustar as Taxas de Fertilidade através das Telenovelas?

Quando pessoas que não foram expostas a sociedades com baixas taxas de fertilidade foram expostas a telenovelas populares sobre famílias com poucos filhos, as taxas de fertilidade diminuiram.

O impacto da exposição a series dramáticas de longa duração no Brasil, que deliberadamente descrevia telenovelas com pequenas famílias de forma a originar essa mudança social na população, foi grande e imediato.

O declínio na fertilidade em todos os municípios do Brasil começou depois do primeiro ano em que os munícipios passaram a ter acesso às telenovelas. O declínio foi particularmente grande junto de indivíduos próximos, em termos de idade, da personagem feminina principal, o que é consistente com um efeito de modelagem comportamental.

Podemos originar Melhorias de Longo Prazo em termos de Ganhos Financeiros através de Estimulação Precoce na Infância?

Um programa na Jamaica conseguiu desenvolver as competências cognitivas, de linguagem, e socioemocionais de crianças desfavorecidas.

O programa de visitas a casa das mães e das crianças em Kingston teve como alvo crianças subestimuladas que vivem em comunidades pobres. Ao longo de dois anos, auxiliares de saúde da comunidade realizaram sessões de jogo de uma hora utilizando um protocolo que promoveu interações mãe-filho de elevada qualidade.

Vinte anos depois, um estudo longitudinal permitiu concluir que o programa de dois anos de visitas a casa das crianças possibilitou melhorias de longo-prazo; diminuindo o fosso em termos de rendimento entre as crianças desfavorecidas e as outras. Para estas crianças, o programa permitiu a quebra de um ciclo de transmissão de pobreza intergeracional.

Podemos utilizar a Cooperação Recíproca para Combater uma Crise no Abastecimento de Água?

Quando um túnel que abastecia de água a cidade de Bogotá desabou parcialmente em 1997, o governo da cidade iniciou um programa de comunicação.

Primeiro, autocolantes com uma fotografia da imagem da estátua de San Rafael—o nome do reservatório de água—foram distribuídas por toda a cidade, de forma a tornar a necessidade de conservar água saliente. Além disso, relatórios diários do consumo de água da cidade foram publicados com destaque nos principais jornais do país.

Segundo, campanhas didáticas foram lançadas para ensinar aos indivíduos técnicas eficazes para a conservação da água para uso doméstico. O próprio prefeito apareceu num anúncio de TV a tomar banho com a sua esposa, sugerindo a toma de duche aos pares.

Terceiro, o CEO da companhia de distribuição de água atribuiu pessoalmente aos donos das casas com poupanças de água excepcionais um poster de San Rafael. Estes prémios foram tornados visíveis pelos media.

Estas estratégias permitiram criar uma norma social de poupança de água. Durante a oitava semana da campanha, a poupança de água ultrapapssou significativamente as previsões técnicas mais optimistas. Além disso, as reduções no consumo de água persistiram por muito tempo após o túnel ter sido reparado e a emergência ter sido resolvida.

Políticas Judô?

Judô (em Português “modo gentil”), é uma arte marcial moderna criada no Japão em 1882 por Jigoro Kano.

Central para a visão que Kano tinha do Judô é o príncipio de “seiryoku zen’yō” (eficiência máxima, esforço mínimo). Segundo este princípio, Kano defendia que resistir a um oponente mais forte resultaria em derrota, enquanto que ajustar-se e fugir do ataque do adversário iria levá-lo a perder o equilíbrio, reduzindo o seu poder, e possibilitando a sua derrota. Ele estava convencido que este príncipio era fundamental para o desenvolvimento pessoal e a melhoria da sociedade em geral.

O reconhecimento que as pessoas possuem enviesamentos cognitivos e sociais, e que se reconhecermos estes enviesamentos podemos utilizá-los em nosso benefício, está a possibilitar aos decisores políticos reviver o príncipio de “seiryoku zen’yō” na forma como fazem a gestão pública.

Se os governos se adaptarem, em vez de resistirem, aos enviesamentos de tomada de decisão dos cidadãos, poderão, através de intervenções mínimas – de baixo custo mas com grande impacto – possibilitar às pessoas decidir e adoptar comportamentos que a longo prazo irão melhorar as suas vidas. O WDR15 é um muito importante contributo para tornar essa ideia uma realidade mais próxima de nós no futuro.

Sobre o autor

Diogo Gonçalves é português, graduado em Psicologia Social na ISPA e mestre em Estatística e Comportamento do Consumidor pela Universidade NOVA de Lisboa. Atualmente cursa o PhD em Economia Comportamental e Experimental na Tilburg University (Holanda). Suas áreas de interesse são escolhas individuais sob incerteza, precificação e incentivos. Diego colabora regularmente com o setor público no uso da ciência comportamental
Website: http://www.psychologytoday.com/blog/there-are-free-lunches
*Nota do Editor: o texto foi escrito por um colaborador português e por isso foi mantida a grafia das palavras conforme o original do autor.


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Um Comentário

  1. Ana Maria Bianchi

    Diogo destacou vários pontos importantes e interessantes do relatório do Banco Mundial. Este relatório tem chamado a atenção de muita gente, porque introduz mudanças substanciais na forma como a questão da política de desenvolvimento e combate à pobreza tem sido tratada por uma organização do porte do Banco Mundial. Representa a incorporação de noções e descobertas da economia comportamental à investigação nessa área e, mais significativamente ainda, à formulação de políticas públicas.
    Gostaria de destacar, neste comentário, a Parte 3 do relatório, que reflete sobre os mecanismos de aperfeiçoamento do trabalho dos professionais do desenvolvimento. Os autores começam por reconhecer que especialistas, policy makers e profissionais do desenvolvimento também estão sujeitos aos viéses cognitivos, atalhos mentais e influências culturais e sociais que afetam os pobres, suas crianças, os empregados e outras camadas sociais abordadas nos capítulos anteriores. Quando elaboram seus projetos, por exemplo, esses especialistas tendem a incorrer no viés de confirmação, que consiste na tendência a desconsiderar informação que contraria suas crenças anteriores. Policy makers, a seu turno, frequentemente ignoram os chamados ´sunk costs´ (custos já incorridos), ou seja, tendem a dar seguimento a projetos nos quais já fizeram um investimento inicial, mesmo quando percebem as falhas de tais projetos.O reconhecimento dessas limitações cognitivas pode levar a melhores diagnósticos e a propostas de intervenção melhor formuladas.
    Uma das novidades do relatório é, portanto, o fato de que seus autores usam os ensinamentos da economia comportamental para olhar para dentro de si mesmos e identificar as falhas de seus mecanismos de tomada de decisão.

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