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No fim de julho, tive o privilégio de apresentar um paper na conferência anual da SABE (Society for the Advancement of Behavioural Economics), realizada conjuntamente com a IAREP (International Association for Research in Economic Psychology), realizada em Londres, na Middlesex University. Aproveito então para compartilhar um relato do que vi de mais interessante por lá.

Antes de mais nada, a conferência é uma gigantesca “feira de ciências” acadêmica dos cientistas comportamentais, com mais de 300 papers e trabalhos sendo discutidos em mais de 10 sessões paralelas, e pesquisadores do mundo todo. Por um lado, a convivência é bastante rica e permite ampliar a perspectiva sobre o que está sendo pesquisado nas diferentes áreas de especialização, e estabelecer novas conexões. Por outro, a extrema diversidade de temas, mesmo entre os keynote speakers, não ajuda na construção e aprofundamento de um debate comum sobre os rumos desse(s) campo(s) de conhecimento.

Assim, ao invés de tentar descrever um panorama amplo dessa babel de apresentações, vou deixar o “viés egocêntrico” pautar o post, e vou compartilhar as discussões que mais me chamaram atenção, e torcer que eles engajem os leitores também!

Investigando “Fake News”

Entre os keynote speakers, em uma lista que incluía Colin Camerer (CalTech) e Elke Weber (Columbia), o relato mais urgente e relevante foi de Dave Rand, do MIT, sobre as pesquisas que ele vem desenvolvendo sobre a disseminação de fake news.

Rand apresentou conclusões que contrariam a linha de pesquisas que postula que as pessoas acreditam (e compartilham) notícias falsas a partir de um processo de raciocínio motivado (motivated reasoning) que procuraria justificar e racionalizar as notícias falsas à luz de um conjunto prévio de valores e preferências, evitando a dissonância cognitiva. As pesquisas de Rand indicam que as pessoas caem nas esparrelas da fake news por falta de pensamento, e não por excesso. Seus experimentos correlacionam a capacidade de discernimento dos participantes com a sua performance no Teste de Reflexão Cognitiva (Fredrick, 2005), aquele que pergunta: “Um taco e uma bola custam US $ 1,10 no total. O bastão custa US $ 1,00 a mais que a bola. Quanto custa a bola?”. Assim, quanto pior a performance neste teste, pior a capacidade de discernir se uma notícia é fake ou não, e maior a probabilidade de compartilhá-la. Felizmente, há indicações que lembrar o leitor sobre a acurácia das suas informações o incentiva a ser mais reflexivo e melhora o seu discernimento. Como consequência prática, “ratings” de credibilidade das fontes de informação construídos colaborativamente parecem ser um caminho promissor para limitar os efeitos nocivos das fake news, ao oferecer ao leitor, no momento da visualização da notícia, um lembrete sobre a sua provável acurácia.

“Ethical Free-Riding”: o silêncio conveniente dos honestos

Nas sessões temáticas, um paper que me chamou particularmente a atenção, e que, concidentemente ou não, foi premiado pela organização da conferência, foi apresentado pela pesquisadora Marguerita Loeb (Universidade de Amsterdã) sobre o conceito de “ethical free riding”. A ideia é simples: uma pessoa pode se beneficiar deliberadamente de um ato ilícito, mesmo sem infringir nenhuma regra ela mesma.

O experimento utilizado para comprovar o fenômeno foi muito bem desenhado. Os participantes formavam pares, e participavam de uma tarefa em duas etapas. Na primeira etapa um jogador (J1) sorteava um número de 1 a 6. Ele informava o outro jogador (J2). A seguir, J2 sorteava normalmente um número de 1 a 6, e o reportava. Caso os números sorteados por J1 e J2 fossem iguais, eles dividiriam o valor (em euros) do número sorteado. O detalhe é que o reporte deste número poderia ser feito corretamente (honestamente), ou desonestamente, buscando inflar o pagamento. J1, se desonesto, buscaria mentir e maximizar o número sorteado, e J2, se desonesto, buscaria mentir e reportar o número igual a J1. As regras faziam, portanto, com que a desonestidade de um participante beneficiasse também o seu parceiro, fosse este último honesto ou não. Após algumas rodadas, o nível de honestidade de um participante tornava-se claro para o seu parceiro. O truque do experimento estava em, após algumas rodadas, oferecer a opção para cada participante de trocar ou não de parceiro.

Previsivelmente, jogadores desonestos procuram “cumplices” para coordenar as ações e maximizar os seus ganhos. Assim, quando a eles era oferecido uma opção, eles buscavam trocar os seus parceiros honestos, na esperança de encontrar outro desonesto, e quando o achavam, os mantinham – ver dupla “LL” (liar-liar) na figura abaixo. A surpresa, entretanto, veio dos jogadores honestos: quando eles estavam na posição J1, eles decidiram por manter um parceiro desonesto. Ou seja, em uma situação em que eles estão se beneficiando de uma ação desonesta (J2 está mentido e possibilitando o ganho da dupla), mas sem estarem eles mesmos violando as regras diretamente, os participantes honestos preferem manter o status quo. Compare a dupla “HL” (honest-liar) com a dupla “HH” na figura abaixo: parceiros honestos trocaram mais parceiros honestos do que desonestos que os estejam enriquecendo.

Fonte: Gross et al., “Ethical free-riding: When honest people find dishonest partners” (forthcoming in Psychological Science)

 

Desnecessário dizer que pensar nas implicações práticas desta pesquisa fundiu a minha cabeça de brasileiro….

Nudge na vida real: não é fácil vencer o status quo

Outra sessão muito interessante foi a de políticas públicas, na qual cientistas comportamentais de vários órgãos reguladores do Reino Unido apresentaram resultados de diferentes testes randomizados.

O que mais chamou atenção foram os esforços para informar os consumidores que eles não estão fazendo as melhores escolhas em termos de provedores de energia elétrica (lá pode-se escolher) e de contas bancárias remuneradas. Imagine receber uma carta do seu banco deixando claro que o concorrente remunera melhor os seus depósitos, e te explicando o que você precisa fazer para mudar. Pois a Ofgen (energia) e FCA (serviços financeiros) fizeram mais ou menos isso, e, embora significativos, os resultados foram modestíssimos em termos de fazer com que o consumidor mude, e ganhe algumas centenas de libras por ano: resultados de 3% nessas campanhas foram normais. Aparentemente, a “mão invisível” do mercado precisa de mais do que uma forcinha para que os recursos sejam alocados de forma eficiente na economia….

O Brasil na SABE/IAREP!

E, para concluir em grande estilo, o penúltimo dia da conferência teve uma sessão de “Practitioners” que foi quase toda dominada por brasileiros.

Primeiro, Bianca Checon apresentou a pesquisa da sua tese de doutorado recentemente defendida na FEA/USP: “Limited attention, the use of accounting information and its impacts on individual investment decision making”. Nela, ela mostra os resultados de seu experimento em que manipulações na forma como as informações financeiras são apresentadas a investidores de diferentes níveis de experiência impactam a sua compreensão sobre a performance da mesma.

A seguir, eu pude apresentar o meu paper, baseado na pesquisa de dissertação de mestrado na London School of Economics, e co-autorado com Matteo Galizzi: “Experimental measures of time preferences predict small firms’ financial decisions: evidence from Brazil”. Sobre esse trabalho, escreverei um post mais extenso e específico no mês que vem. Mas foi gratificante ver o trabalho sendo bem recebido.

E, concluindo em grande estilo, a venerável Profa. Vera Rita de Mello Ferreira, muito bem acompanhada pela nossa colaboradora Renata Sabóia e por Nathalia Arcuri, mostrando o seu trabalho sobre treinamento e capacitação em arquitetura de escolhas: “Can multidisciplinary teams be trained to apply behavioural insights in different choice architecture projects?”, trazendo resultados e implicações muito interessantes para aqueles se interessam por multiplicar o conhecimento e a aplicação prática (e responsável) da ciência comportamental nas organizações brasileiras.

Representantes brasileiros da SABE/IAREP 2018

Representantes brasileiros da SABE/IAREP 2018: Nathalia Arcuri, Vera Rita de Mello Ferreira, Renata Sabóia, Bianca Checon e Guilherme Lima

Em resumo, fizemos bonito, mas ainda somos muito poucos, e precisamos de mais gente botando a cara no mundo e realizando pesquisas com contexto e sabor brasileiros na ciência comportamental. Afinal, todos os temas tratados na conferência se aplicam diretamente às nossas mazelas sociais, organizacionais e econômicas. Mãos à obra!

 Para concluir, segue o link para a página com a lista de todos os trabalhos apresentados, e onde também se baixar o “Book of Abstracts”:  https://economics.mdx.ac.uk/sabe-2018/program/#papers

Bom proveito, e até a SABE-IAREP 2019, em Dublin!

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