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Já imaginou um mundo onde sacos de lentilhas induzem pessoas à vacinação, onde estrelinhas de escoteiro previnem a Aids e onde loterias salvam pessoas de AVC’s? Acredite, esse mundo  existe, e eu e vocês vivemos nele. Mundo afora é possível coletar diversos exemplos, tanto em nível experimental quanto em nível de políticas aplicadas, que demonstram como insights das ciências comportamentais e uma maior compreensão do papel de vieses, limitações cognitivas e motivações sociais no comportamento humano podem contribuir para desenhos de políticas públicas mais eficientes na área da saúde.

Isso significa, em outras palavras, que podemos contribuir para a saúde das pessoas e salvar vidas com menos investimento financeiro e maior criatividade e embasamento comportamental na hora de desenhar uma ação pública. A Saúde Comportamental nada mais é do que a aplicação da Economia Comportamental na área da saúde e traz consigo um imenso potencial a ser explorado.

Um bom exemplo de como insights comportamentais podem fazer a diferença é o caso da aderência ao tratamento medicamentoso. Tomar o remédio na hora certa e na dose certa (aderência medicamentosa) é fator de sucesso para o controle de muitas doenças e, especificamente no tratamento para anticoagulação, tomar corretamente o remédio reduz o risco de AVC’s (acidente vascular cerebral) entre outras complicações. No entanto, mesmo sabendo da importância do medicamento e dele ser acessível, a aderência medicamentosa é preocupantemente baixa (Volpp et al, 2008). Um estudo, por exemplo, mostrou que 40% dos indivíduos esquecia 20% ou mais das doses de anticoagulante a serem tomadas (Kimmel et al, 2007).

Num experimento inovador, os pesquisadores Kevin Volpp, George Loewenstein entre outros colegas (2008) trataram do tema. Para tentar contribuir com uma maior aderência eles conduziram um estudo piloto onde os pacientes participavam de uma loteria diária. No entanto, uma vez sorteados só recebiam o prêmio se tivessem tomado o remédio corretamente.[1] A grande sacada foi que participantes que tinham sido sorteados mas não eram elegíveis a receber o prêmio por não estarem aderentes naquele dia, eram avisados que foram sorteados e que teriam sido pagos caso tivessem tomado o medicamento corretamente, gerando assim um certo arrependimento por não ter tomado o remédio (aversão ao arrependimento).

Os resultados desse estudo foram bastante promissores: a proporção de pílulas administradas incorretamente caiu de 22% para 2,3% e a aderência medicamentosa chegou a valores de 92 a 100%. Esse primeiro piloto contava com uma loteria de valor esperado diário de $5, e mesmo reduzindo esse valor para $3 num segundo piloto os resultados permaneceram muito semelhantes, sugerindo que o desenho, muito mais que a magnitude do valor monetário, parecia estar guiando o comportamento no sentido da aderência. A aderência, por sua vez, impactou os níveis de coagulação, fazendo com que os níveis de coagulação fora do parâmetro estabelecido pelo médico caíssem de 35% antes do piloto para 12,2%, uma melhora de 65,2%.

O que eles fizeram nesse estudo basicamente foi se aproveitar de algumas características já conhecidas sobre o comportamento humano. Em primeiro lugar a importância de um feedback rápido: pacientes aderentes recebiam feedback imediato ao serem sorteados (reforçando o comportamento da aderência), assim como pacientes não aderentes sorteados também eram avisados de imediato que eles teriam recebido os valores caso fossem aderentes no dia (punindo a não aderência). A literatura mostra que mesmo pequenos prêmios ou punições têm impacto relevante caso sejam imediatos. Em segundo lugar, as pessoas têm uma tendência a superestimar pequenas probabilidades de grandes ganhos, e por isso a loteria foi desenhada a conceder frequentes prêmios pequenos (20 a 40% chance de receber $10) e infrequentes prêmios grandes (1% de chance de receber $100). A loteria também era uma opção superior a simplesmente pagar um valor fixo diário pois as pessoas tendem a superestimar as pequenas probabilidades, tendo elas por isso um poder motivacional maior. (Volpp et al, 2008)

E por último, e não menos importante, o desenho ativava o que conhecemos como “aversão ao arrependimento”. Saber que você teria ganho caso tivesse tomado o remédio gera um incentivo a tomar o remédio corretamente no dia seguinte para não se arrepender novamente.[2] Agora imagine o quanto custa uma loteria de valores esperados como R$3,00 ao dia e o quanto custa a internação de um paciente com tromboembolismo? Não só governos por meio de políticas públicas podem se inspirar e beneficiar de desenhos similares, como planos de saúde nesse sentido são também potenciais agentes interessados em usar estratégias comportamentais para promover comportamentos preventivos.

Um outro exemplo bem bacana de como melhores desenhos comportamentais podem contribuir com questões de saúde pública é a aplicação feita pelo Behavioral Insights Team (time de especialistas em Economia Comportamental da Inglaterra)[3] no tema da doação de órgãos. Num experimento eles testaram diferentes frases, inspiradas em diferentes características comportamentais como aversão às perdas, reciprocidade, normas sociais entre outras,  buscando encontrar um melhor framing que promovesse a ação de se registrar como um doador de órgãos logo após acabar o processo online de renovação de carteira de motorista. A ideia também era tentar superar a inércia e deixar a escolha de ser um doador mais saliente. (Sanders e Hallworth, 2015)

Os pesquisadores descobriram que mesmo uma frase curta pode ser suficiente para engajar indivíduos a se registrar como doadores. Duas frases tiveram um impacto muito melhor que o grupo controle [4] e uma frase teve um impacto pior que o controle.[5] Segundo os autores Michael Sanders e Michael Hallworth um desenho com a inspiração comportamental adequada poderia trazer pelo menos 95.000 potenciais doadores adicionais para o sistema por ano. Adicionalmente, o fato de uma frase ter obtido resultados inferiores ao controle ressalta a importância das políticas serem devidamente testadas e avaliadas comportamentalmente antes de serem aplicadas em larga escala. Como os próprios autores ressaltam, caso aquela frase específica fosse arbitrariamente escolhida, pessoas poderiam morrer em função da escassez de órgãos.

Muitas vezes desenhos bastante simples podem trazer grandes impactos. Como observado no caso do uso de cloro para desinfetar a água no oeste do Kenya. Apesar de pastilhas de cloro serem distribuídas e muitas pessoas entenderem a importância de desinfetar a água para se proteger contra muitas doenças, a maioria das pessoas simplesmente não as utilizava. Assim como colocar alimentos saudáveis na altura dos olhos das crianças nas lanchonetes norte-americanas ajudou a elevar seu consumo (Thaler e Sunstein, 2004), colocar de forma mais disponível, conveniente e saliente o cloro também ajudou a elevar sua utilização. O pesquisador Michael Kremer e seus colegas disponibilizaram cloro como um líquido concentrado e o exibiu de forma proeminente no exato local da coleta de água. Coletou, aplicou. Desta forma a utilização de cloro aumentou em 53%. (Ashraf, 2013)

Já em Lusaka, na Zâmbia, o problema era outro: Aids. Como convencer as pessoas a usar camisinha para se proteger? E como convencer pessoas a se engajarem nessa luta? Um experimento iluminado (Ashraf et al, 2014) recrutou 1000 cabeleireiros para vender camisinhas aos seus clientes (salões são lugares onde as pessoas desabafam e podem falar de intimidades no mundo todo) e testou quatro formas de incentivos para a venda de camisinhas: contribuir como voluntário, pequeno incentivo financeiro, grande incentivo financeiro, e “reconhecimento social”, caso em que o cabeleireiro ganhava estrelas num pôster na frente de sua loja para mostrar para a comunidade quantos pacotes de camisinha ele vendeu e sendo assim quantas vidas ele salvou com a prevenção. Ao final do estudo os pesquisadores observaram que os cabeleireiros que tinham o pôster na frente de suas lojas venderam o dobro do que qualquer outro grupo, inclusive do que aquele que recebia grandes incentivos financeiros. Aqui o desenho levou em conta o poderoso papel da motivação social e do capital altruísta de cada um, ou seja nosso desejo de fazer o bem e ser reconhecido por isso.

Já na Índia o que preocupava eram as baixas taxas de imunização nas áreas rurais. Mesmo com vacinas grátis, disponíveis nos postos e ampla publicidade sobre o tema, as mães não levavam seus filhos para vacinar. Compreendendo o imediatismo das pessoas e um certo viés de projeção [6], é possível imaginar que as mães visualizam um custo imediato para levar a criança para vacinar em longas viagens até o posto de imunização, a despeito do benefício futuro um tanto abstrato da saúde. Para contrabalancear com esse viés de presente, o pesquisador Abhijit Banerjee e colaboradores (Banerjee et al,  2004) fizeram um estudo em Udaipur onde testaram em comparação com grupos de controle sem intervenção: a) promover para um segundo grupo ampla publicidade sobre as vacinas disponíveis nas clínicas; b) e para um terceiro grupo além da publicidade os pais ganhavam um quilo de lentilhas no valor de $1 após imunização visando neutralizar o viés de presente.

No final do estudo, enquanto apenas 6% das crianças no grupo de controle sem intervenção foram imunizadas, 17% foram imunizadas no grupo que apenas recebeu publicidade e 38% das crianças estavam imunizadas no grupo que recebeu publicidade e um saco de lentilhas. Os pesquisadores contam que escolheram as lentilhas ao invés de incentivos monetários pois as lentilhas poderiam ser usadas imediatamente em casa tornando o benefício bastante presente e saliente. O tratamento de uma criança infectada não custaria mais que $1? Sendo assim, é possível vislumbrar como pequenos incentivos desenhados a partir de uma inspiração comportamental podem delinear uma política mais barata e eficiente.

Como Nava Ashraf coloca muito bem em seu artigo intitulado “Natureza Humana” (2013), precisamos nos focar no usuário final das políticas e intervenções, e nos questionar o que o motiva, o que ele valoriza e que trade-offs ele faz ao escolher diferentes cursos de ação. Compreender como tomamos nossas decisões e o que nos influencia é por isso peça-chave para uma política pública de sucesso. A ideia por trás de qualquer desenho comportamental é fazer com que as boas decisões sejam mais fáceis e automáticas e com que as más decisões sejam mais difíceis.

Sendo assim é impossível não se questionar, e o Brasil? E a dengue? Como diminuir as esperas em pronto-atendimentos? Como incentivar a doação de órgãos? Como diminuir o consumo de sal e gorduras? Que nós economistas comportamentais possamos contribuir para esses e tantos outros dilemas da saúde pública brasileira.

Para mais insights sobre Economia Comportamental e Saúde vale conferir: http://www.economiacomportamental.org/nacionais/aplicacoes-da-ec-na-area-da-saude/

 

Bibliografia

ASHRAF, N. Rx: Human Nature: How behavioral economics is promoting better health around the world. Harvard Business Review, vol. 91, n., p. 119-125. 2013

ASHRAF, N.; BANDIERA, O.; JACK, K. No margin, no mission?  A field experiment on incentives for public services delivery. Journal of Public Economics, vol.120, p.1-17, 2014.

BANERJEE, A.; DEATON, A.; DUFLO, E.. Health Care Delivery in Rural Rajasthan.  Economic and Political Weekly, vol.39, p. 944-949, 2004.

KIMMEL, S.E.; CHEN, Z.; PRICE, M.; PARKER, C.S.; METLAY, J.P.; CHRISTIE, J.D.; BRESINGER, C.M.; NEWCOMB, C.W.; SAMAHA, F.F.; GROSS,  R. The influence of patient adherence on anticoagulation control with warfarin: Results from the International Normalized Ratio Adherence Genetics study. Archives of Internal Medicine. vol. 167, p.229-235, 2007.

MURAMATSU, R.; FONSECA, P. Psicologia e Economia na explicação da escolha intertemporal. Revista de Economia Mackenzie. São Paulo,  n.6, p.87-112, jul. 2008.

SANDERS, Michael; HALLWORTH, Michael. Applying behavioral economics in a health policy context: Dispatches from the front lines. In: ROBERTO, C.A., KAWACHI, I. (Org.). Behavioral Economics and Public Health. Oxford: Oxford University Press. p. 265-297. 2015.

THALER, R.; SUNSTEIN, C. Nudge: o empurrão para a escolha certa. 2008

VOLPP, Kevin; LOEWENSTEIN, George; TROXEL, Andrea B.; DOSHI, Jalpa; PRICE, Maureen; LASKIN, Mitchell; KIMMEL, Stephen E. A test of financial incentives to improve warfarin adherence. Dísponível em:  <http://bmchealthservres.biomedcentral.com/articles/10.1186/1472-6963-8-272>. Data de acesso: 28 de novembro de 2016.

Notas:

[1] Essa mensuração da aderência foi feita a partir de uma caixinha de medicamentos computadorizada que informava uma central toda vez que era aberta e que o medicamento era tomado (Informedix MedeMonitor System). Além disso os níveis de coagulação (valores de RNI – Razão Normalizada Internacional) também foram acompanhados de acordo com a prescrição médica e comparados com os níveis de três meses antes do piloto e de três meses depois do piloto.

[2] Apesar do impacto que tal desenho promoveu no comportamento dos pacientes ao longo do experimento, logo após terminar a intervenção os níveis de aderência voltaram a cair. Novos estudos são por isso necessários para avaliar se uma intervenção mais longa que três meses promoveria ou não apenas uma mudança de comportamento pontual mas a formação de novos hábitos. (Volpp et al, 2008)

[3] Ver mais em http://www.behaviouralinsights.co.uk/

[4] Grupo de indivíduos que ao final da renovação da carteira apenas visualizou: “Por favor cadastre-se no Registro de Doadores de Órgãos”. Os outros grupos visualizam uma frase antes dessa chamada para ação.

[5] Tiveram melhor impacto as frases: “Três pessoas morrem a cada dia porque não há órgãos suficientes” (inspirada em aversão às perdas); e “Se você precisasse de um transplante de órgãos você teria um? Se sim, por favor ajude os outros” (inspirada em reciprocidade). A frase seguinte teve um impacto pior que o controle: “Todos os dias milhares de pessoas que vêem essa página decidem se registrar”, quando aliada a uma imagem de multidão. A idéia era ativar a saliência, mas parece ter impactado as pessoas negativamente quando aliada à essa imagem.

[6] O viés de projeção se refere ao fato de que, em geral, os indivíduos exageram no grau em que suas preferências futuras se parecerão com as atuais. (Muramatsu e Fonseca, 2008)

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