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O dono do prédio quer levar os moradores na direção verde. Depois de ler uma notícia no jornal sobre como saber informações da conta de eletricidade do vizinho pode causar uma redução no consumo de energia das famílias, ele decide iniciar uma campanha para reduzir o consumo de água. Após alguns meses, o consumo global de água teve uma redução significativa, mas sem explicação clara. A conta da AES Eletropaulo cresceu evidenciando um uso menos eficiente da eletricidade.

A situação hipotética baseia-se em um estudo publicado em 2013 onde foram obtidas evidências consistentes com o efeito de licenciamento moral em relação a campanhas favoráveis ao meio ambiente. (Tiefenbeck, Staake, Roth e Sachs, 2013) Como aqueles no estudo de Tiefenbeck et al, os residentes desse edifício hipotético passaram a apresentar um comportamento autoindulgente, recompensando a si próprios com atitudes descuidadas, uma vez que acharam que estavam fazendo um esforço para agir corretamente. Embora o efeito pretendido tenha sido alcançado, ele disparou um outro comportamento na direção oposta.

Este artigo discute a importância dos spillovers em relação às intervenções comportamentais e como eles afetam a finalidade original. Um exemplo concreto pode ser visto no custo das sacolas nos supermercados que tem como objetivo “forçar” os compradores a adotar sacolas reutilizáveis que reduzam os danos ambientais.

Dolan e Galizzi definem um spillover como um comportamento que ocorre após o outro, e tem algum tipo de relação por meio de um “motivo subjacente”. (Dolan & Galizzi, 2015) Diferentes condições ambientais podem causar o surgimento desses padrões e, em toda a literatura, alguns deles foram cuidadosamente caracterizados.

Mas, antes de avançar nisso, é importante entender que os spillovers estão na própria base do comportamento humano. Atuamos em um fluxo contínuo de ações em que uma situação concatena com a outra, e por isso nenhum comportamento único deve ser considerado isoladamente, ou como Dolan e Galizzi colocam: “nenhum comportamento fica no vácuo”.

Os spillovers foram caracterizados, tanto pela economia como pela psicologia, usando termos como comportamento de “assimilação” e “compensatório”, ou “externalidades negativas e positivas”. Dolan e Galizzi (2015) fornecem uma caracterização de tais fenômenos no espaço da ciência comportamental, diferenciando comportamentos que podem funcionar na mesma direção (spillovers de promoção), ou ao contrário (spillovers que permitem ou expurgam). Uma distinção interessante é apresentada nos spillovers de efeito negativo. Os spillovers que permitem referem-se aos casos em que as pessoas atingem algum nível de exaustão que os leva a reduzir seu autocontrole, ou quando sentem que seu comportamento anterior lhes “deu o direito” de se comportar mal. Por outro lado, os spillovers que expurgam referem-se ao caso em que as pessoas sentem a necessidade de restaurar seu equilíbrio moral depois de terem feito algo errado.

Várias condições de contexto podem facilitar o surgimento de spillovers. Como Steinhorst e Matthies demonstraram em relação ao consumo de energia, as normas pessoais parecem interferir nas condutas pró-ambientais. (Steinhorst & Matthies, 2016) Porem, os spillovers parecem ser afetados também pelo custo dos comportamentos, a atenção colocada neles, sua proximidade, a natureza de sua motivação e a mentalidade em torno da situação. (Dolan & Galizzi, 2015)

Para ilustrar mais o ponto, é útil analisar o caso do custo das sacolas das lojas. Muitos países implementaram políticas para reduzir o uso de sacolas de plástico, mas no País de Gales, uma política específica exigiu que todas as empresas cobrassem dos compradores por cada sacola destinada a um único uso. Embora esta seja uma imposição, ela ainda conta como um nudge já que a carga era de apenas US$ 0,08 por sacola e, portanto, não “altera significativamente os incentivos econômicos” (Thaler & Sunstein, 2008)

Thomas, Poortinga e Sautkina estudaram os spillovers potenciais dessa política em relação a outras atitudes pró-ambientais. Aproveitando uma pesquisa nacional, eles compararam as crenças dos cidadãos do País de Gales em relação ao meio-ambiente com as da Inglaterra e da Escócia. Eles concluíram que, mesmo que a política no País de Gales tenha sido bem-sucedida em incentivar a reutilização de sacolas, ela provocou mudanças mínimas nas crenças em relação a outras atitudes ambientais. (Thomas, Poortinga, & Sautkina, 2016)

No Brasil, uma política similar foi implantada. As empresas cobram pelo uso de sacolas de plástico, o que é considerado como uma política “verde”. Como no caso apresentado por Steinhorst et al., os spillovers são mediados pelas crenças dos indivíduos. Aqueles que estão preocupados com o meio ambiente em busca de consistência, encontrarão na prática uma maneira de reafirmar sua coerência e engajar-se em mais atitudes pró-ambientais comprando e exibindo suas “sacolas reutilizáveis e verdes”. Elas atuam como sinais que os deixam mostrar ao mundo como são pró-sociais e comprometidos com o meio ambiente, e atuam ao mesmo tempo como um lembrete para procurar produtos ecológicos dentro da loja. Um caminho claro para um spillover de promoção que permite que os indivíduos criem e irradiem uma imagem que os faça se sentir bem em relação a si mesmos e os empurra para ações consistentes com essa narrativa.

No entanto, parte dos compradores brasileiros não conseguiu vincular o custo com o meio ambiente. Como Dolan e Galizzi explicam, o foco de atenção desempenha um papel na mediação dos efeitos de propagação. Nesse caso, o custo adicional da sacola não tem um efeito significativo nos comportamentos subsequentes. Uma grande parte dos compradores, interpreta isso exatamente como outra estratégia de preços sem qualquer associação saliente com uma atividade pró-ambiental. Como Steinhorst et al. discutem, se houver mais mudanças comportamentais em relação aos comportamentos pró-ambientais, então uma estratégia de comunicação pode influenciar essa política. Os cidadãos brasileiros estão bem conscientes da importância dos assuntos ambientais. Tirar proveito de normas ecológicas tão fortes em outros campos pode ajudar na criação de spillovers positivos.

Porém, é importante atentar que esse último caminho também pode produzir efeitos negativos. Como foi mencionado, os spillovers negativos também podem ser ativados, o licenciamento moral é um mecanismo poderoso. Em um experimento que combinou campo e laboratório, um grupo de sujeitos foi monitorado para avaliar seu comportamento após tarefas físicas difíceis. (Dolan & Galizzi, 2014) A evidência mostrou que as pessoas apresentam comportamentos mais autoindulgentes quando se sentem mais satisfeitas com seu desempenho. Esse tipo de comportamento é alimentado por uma peculiar contabilidade mental do efeito de nossos atos. Ao fazer as escolhas de comida em um restaurante, as pessoas tendem a superestimar o efeito das calorias em seu primeiro prato e se recompensar na sobremesa, desfazendo todo o efeito.

Com o custo das sacolas de plástico, aqueles indivíduos que não estão plenamente conscientes do efeito de seu comportamento no ambiente, podem cair no mesmo tipo de falácia. Ao ver a si mesmos como cidadãos pró-ambientais bem-comportados, que carregam sua própria sacola reutilizável, podem se sentir autorizados a tomar decisões não muito “verdes” em relação às coisas que compram dentro da loja.

Um outro efeito negativo também pode ser ativado, o efeito “quem se importa” (“what the hell”). Pessoas que não estão interessadas em assuntos ambientais, uma vez que não trazem sua sacola “reutilizável” com eles e são “multados” por isso, podem exacerbar a extensão de sua falha e exercer ainda menos autocontrole sobre seus comportamentos subsequentes. Esse tipo de comportamento foi documentado em escolhas alimentares, onde a mera presença de alimentos saudáveis torna as opções saudáveis mais semelhantes, agravando a decisão geral. (Wilcox, Vallen, Block, & Fitzsimons, 2009)

Qualquer intervenção comportamental exige observar os comportamentos anteriores e posteriores, já que as ações fazem parte de um fluxo contínuo. Os spillovers podem agir de várias maneiras e são mediados pela mentalidade e atenção do indivíduo.

No final, os spillovers são de grande importância na concepção de uma intervenção comportamental. Um nudge visa a um comportamento específico e observável que geralmente faz parte de um comportamento maior a ser modificado. Por essa razão, usar uma definição restrita do comportamento direcionado que não considera a imagem inteira, pode levar a uma intervenção malsucedida ou contraproducente.

Referências:

Dolan, P., & Galizzi, M. M. (2014). Because I’m Worth It: A Lab-Field Experiment on the Spillover Effects of Incentives in HealthCEP Discussion Papers. Retrieved from http://ideas.repec.org/p/cep/cepdps/dp1286.html

Dolan, P., & Galizzi, M. M. (2015). Like ripples on a pond: Behavioral spillovers and their implications for research and policy. Journal of Economic Psychology47, 1–16. https://doi.org/10.1016/j.joep.2014.12.003

Kahneman, D. (2011). Thinking , Fast and Slow (Abstract)Book. https://doi.org/10.1007/s13398-014-0173-7.2

Steinhorst, J., & Matthies, E. (2016). Monetary or environmental appeals for saving electricity? -Potentials for spillover on low carbon policy acceptability. Energy Policy,93, 335–344. https://doi.org/10.1016/j.enpol.2016.03.020

Thaler, R. H., & Sunstein, C. R. (2008). NudgeFocus.

Thomas, G. O., Poortinga, W., & Sautkina, E. (2016). The Welsh Single-Use Carrier Bag Charge and behavioural spillover. Journal of Environmental Psychology47, 126–135. https://doi.org/10.1016/j.jenvp.2016.05.008

Tiefenbeck, V., Staake, T., Roth, K., & Sachs, O. (2013). For better or for worse? Empirical evidence of moral licensing in a behavioral energy conservation campaign. Energy Policy57, 160–171. https://doi.org/10.1016/j.enpol.2013.01.021

Wilcox, K., Vallen, B., Block, L., & Fitzsimons, G. J. (2009). Vicarious Goal Fulfillment: When the Mere Presence of a Healthy Option Leads to an Ironically Indulgent Decision. Journal of Consumer Research36(3), 380–393. https://doi.org/10.1086/599219

 

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