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Economia da Informação é o ramo da economia que estuda os mercados em que uma das partes possui mais informação do que a outra. Esse campo de estudo investiga, usando o arcabouço da economia tradicional, as distorções e ineficiências que resultam dessa assimetria de informação.

Um importante conceito em Economia da Informação é o de seleção adversa, e o exemplo mais conhecido vem do trabalho de George Akerlof (1970) sobre o mercado de carros usados. Para entender esse conceito, imagine que existam dois tipos de carros usados: os bons e os ruins. Um carro bom tem um valor real de R$ 15.000 e um carro ruim tem um valor de R$ 10.000. O dono do carro sabe se o seu veículo é bom ou ruim, mas o comprador não tem essa informação. Como o comprador corre o risco de comprar um carro ruim, ele não estará disposto a pagar um preço muito alto. Como consequência, os donos de carros bons estarão menos dispostos a vender ao preço mais baixo, e o mercado de carros pode acabar sendo dominado por carros de baixa qualidade. Como resultado, em alguns modelos o mercado de carros usados desaparece completamente!

Uma peça fundamental desse modelo é a hipótese de que os participantes compreendem o problema de seleção adversa. Por exemplo, Esponda (2008) propõe um modelo similar, porém assumindo que os participantes não compreendem a natureza da seleção adversa. O resultado de equilíbrio é um excesso de transações (!), ao invés de um número reduzido de transações ou mesmo inexistência do mercado. A hipótese crucial em Esponda (2008), e aquilo que o diferencia da economia tradicional, é de que os participantes não são capazes de extrair a informação contida nas ações dos outros agentes. Por exemplo, no modelo de Akerlof, quando um comprador se depara com um carro sendo vendido por R$ 12.500, ele é capaz de deduzir que o veículo é de qualidade ruim, pois o dono de um veículo bom não o venderia por um preço tão baixo. Já no modelo de Esponda (2008), assume-se que o agente não deduz qualquer informação sobre as intenções do vendedor, mas simplesmente ajusta suas estratégias de compra após adquirir o veículo.

Experimento em Laboratório

Para examinar se as pessoas compreendem ou não o mecanismo de seleção adversa, Alistair Wilson e Stephanie Wang, ambos professores da Universidade de Pittsburgh, e este autor, realizamos um experimento em laboratório com alunos de graduação. Nosso objetivo foi criar um cenário com seleção adversa em que as estratégias daqueles que compreendessem o mecanismo fosse marcadamente diferente dos demais.

Para entender o design do experimento, imagine uma pequena cidade com 3 empresas e 4 trabalhadores. Assuma que cada trabalhador tenha uma produtividade diferente, representada por um número entre 1 e 100, e que as empresas não saibam a produtividade do trabalhador no momento da contratação, mas a descobrem algum tempo depois. Em cada período, cada empresa tem a chance de contratar um, e somente um, trabalhador. Como temos 3 empresas e 4 trabalhadores, ao final do primeiro período todas as empresas possuem um empregado e uma pessoa estará desempregada. Em períodos subsequentes, após descobrir a verdadeira produtividade de seu empregado, cada empresa pode optar por demitir o trabalhador e contratar a pessoa atualmente desempregada. Por fim, assuma que essas empresas tomam decisões de maneira sequencial.

Note que a primeira empresa deve simplesmente escolher entre manter seu atual empregado, cuja produtividade é agora conhecida, ou substitui-lo pelo trabalhador desempregado, cuja produtividade pode ser qualquer valor entre 1 e 100. Caso o empregado tenha uma produtividade de, por exemplo, 20, a maioria das empresas optaria por contratar o indivíduo desempregado. Nesse caso, o trabalhador de produtividade 20 se torna desempregado, e fica disponível para ser contratado pelas demais empresas. Note que a segunda empresa a tomar a decisão de manter ou não o empregado precisa levar em conta a possibilidade de a primeira empresa ter demitido alguém com baixa produtividade. Nesse caso, o trabalhador que está disponível para a segunda empresa terá uma produtividade abaixo da média. O mesmo vale para a terceira empresa, que precisa levar em conta as decisões da primeira e segunda empresas.

Esse cenário fictício resume o mecanismo de seleção adversa em nosso experimento: quanto mais tarde uma empresa tomar a decisão de manter ou demitir o empregado, maior a probabilidade de que o trabalhador desempregado tenha uma baixa produtividade. No experimento, replicamos o cenário descrito anteriormente utilizando as palavras jogadores, no lugar de empresas, e bolas, no lugar de trabalhadores. Dividimos o experimento em três rodadas, que são equivalentes à ordem em que os jogadores (ou empresas) tomam a decisão de manter ou demitir.

O comportamento ótimo de um participante que compreenda o mecanismo de seleção adversa é manter somente bolas (trabalhadores) de alta produtividade nas rodadas iniciais e ser menos exigente em rodadas posteriores, isto é, optar por manter trabalhadores de produtividade mais baixa.

Resultados

A Figura 1 abaixo apresenta os resultados do nosso experimento principal. A linha com círculos vazios indica o comportamento ótimo a cada rodada, utilizando o conceito de equilíbrio de Bayes-Nash. Já a linha com círculos preenchidos indica o comportamento real dos participantes. Podemos notar que o comportamento dos participantes é bem distinto do proposto pela teoria, o que pode indicar um baixo nível de compreensão do mecanismo estudado.

O resultado mais interessante, contudo, aparece quando classificamos os participantes entre aqueles que compreendem o processo de seleção e aqueles que não o compreendem. A Figura 2 apresenta os resultados desses dois grupos separadamente. Note que aproximadamente 30% dos participantes entendem perfeitamente o processo de seleção [1]. Contudo, algo em torno de 50% dos participantes optaram por utilizar o mesmo critério de “demissão” em todas as rodadas, e, portanto, ignoraram os efeitos da seleção adversa. Por fim, vale notar que tais participantes agem como se algum tipo de problema estivesse resultando em bolas com menores valores já desde a primeira rodada, mas não compreendem a natureza do problema. É como se esses participantes estivessem reagindo, de maneira ótima, a um mundo diferente daquele que estão de fato vivenciando (Esponda e Pouzo, 2016).

selecao adversa 1

Figura 1: Resposta ótima (círculos vazios) versus comportamento no experimento (círculos preenchidos)

Figura 2: Resposta ótima (círculos vazios) e comportamento real dos participantes que compreenderam (azul) e não compreenderam o mecanismo de seleção adversa (vermelho).

Figura 2: Resposta ótima (círculos vazios) e comportamento real dos participantes que compreenderam (azul) e não compreenderam o mecanismo de seleção adversa (vermelho).

 

Conclusão

 O surgimento da Economia da Informação foi crucial para voltar a atenção dos economistas para situações em que houvesse assimetria de informação entre os agentes, e como isso poderia afetar os resultados de equilíbrio. Grande parte dessa teoria, contudo, assume que os agentes são capazes de analisar de maneira ótima a informação que possuem. Nesse aspecto, a Economia Comportamental pode contribuir com um entendimento mais realista sobre a capacidade cognitiva e vieses que afetam o processamento de informação. Em particular, nossos resultados parecem apontar para uma heterogeneidade em relação a capacidade de compreensão de situações com seleção adversa. Caso esse resultado seja verificado em outros estudos, em particular a razão 50/30, talvez seja interessante incorporar essa distinção aos modelos tradicionais de seleção adversa e estudar como os resultados poderiam ser diferentes.

Notas:

[1] Implementamos um chat em algumas sessões e vários desses participantes conseguiram explicar perfeitamente o mecanismo de seleção adversa.

REFERÊNCIAS

 Akerlof, George A. 1970. “Ther Market for ‘Lemons’ : Quality Uncertainty and the Market Mechanism”. The Quarterly Journal of Economics, 84(3), pp. 488-500.

Esponda, Ignacio. 2008. “Behavioral Equilibrium in Economies with Adverse Selection”. American Economic Review, 98(4), pp. 1269-1291.

Espnda, Ignacio, e Demian Pouzo. 2016. “Berk-Nash Equilibrium: A Framework for Modeling Agents with Misspecified Models”. Econometrica, 84(3), pp. 1093-1130.

 

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