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Vocês souberam da última? Soube o que o Pedro fez com a Ana? Já te contaram o que a Bia aprontou? Você precisa saber o que aconteceu na reunião ontem!

O leitor deve estar familiarizado com as frases acima. Seja no trabalho, no colégio, em família ou com amigos, é impossível passar um dia de conversas sem emitir algum parecer, juízo de valor ou mesmo apenas uma informação sobre a vida de uma pessoa que não está presente na conversa. Chamamos isso de fofoca, mexerico, futrica, bisbilhotice, fuxico, boato, denominações que tendem a trazer informações sobre a valência da informação (informações negativas, positivas ou neutras) e a fundamentação em evidências (rumores, boatos ou relato direto). E embora haja diferenças, sutis mas importantes, nessas denominações, trataremos todas essas verbalizações como fofoca porque o nosso interesse neste texto é responder uma simples pergunta: porque fofocamos? Ou melhor, para ficar claro a conexão deste tema com a linha editorial deste blog: o que a economia comportamental pode nos dizer sobre a função e as características da fofoca?

Para começar, é importante que definamos formalmente o que chamamos de fofoca. O sociólogo Thimothy Hallet, da Universidade de Indiana, nos EUA, assim a define: “Uma conversa avaliativa não-sancionadora sobre pessoas que não estão presentes”. Podemos encontrar algumas características merecedoras de atenção nesta pequena definição. Primeiro, trata-se de uma conversa claramente avaliativa, onde se determina a [falta de] retidão de uma ação, mas não necessariamente sancionadora, pois muitas vezes quem emite a fofoca não pune ou exalta a ação informada, apenas a descreve. Crucial também é o fato de que fofocamos sobre quem não está presente, e isso diferencia a fofoca de um conselho ou troca de informações entre pessoas.

Embora escutemos com frequência que não devemos fofocar ou que “quem cochicha, o rabo espicha”, desde cedo observamos ações de crianças que caem nessa definição de fofoca. Na presença de cuidadores, crianças frequentemente os procuram para apontar irregularidades na conduta de seus pares. Inicialmente imaginava-se que tal conduta teria como propósito livrar a criança fofoqueira de possíveis sanções aplicadas à quebra de uma norma social, atendendo, assim, uma motivação egoísta. Diante de uma parede rabiscada, a criança delataria seu coleguinha para não ter que arcar com as consequências dessa ação. Mas recentes estudos[i] apontam que crianças fofocam mesmo quando elas mesmas não ganham nada com isso. Aparentemente, haveria uma tendência nas crianças de relatar desvios de conduta como uma forma de promoção das normas sociais, pois mesmo não podendo aplicar sanções contra seus colegas, uma criança pode apontar a transgressão para os sancionadores. Apesar de existirem várias outras perguntas em aberto a respeito da identificação dessa conduta em crianças pequenas (quem as ensina? sob que condições se desenvolve?), resultados como este nos encorajam a buscar uma função pró-social para a fofoca.

Em um artigo intitulado “A virtude da fofoca”, Willer e Feinberg investigam exatamente esta função em um experimento que chama a atenção para um importante papel da fofoca: criação e manutenção de um controle reputacional que ajudaria as pessoas a interagirem umas com as outras de forma mais eficiente. Ao falar “João é mesquinho!” para uma pessoa que ainda não conhece João, mas em breve conhecerá, estamos dando a oportunidade para que esta pessoa ajuste sua conduta e não seja enganado/ trapaceado por João. Nos experimentos de Willer e Feinberg, participantes se encontravam em duplas e deveriam tomar uma decisão com relação a alocação de recursos: alocados como “receptores” em um jogo de confiança, os participantes receberam um montante que lhes foi confiado inicialmente por outro participante e tiveram que decidir quanto reciprocariam, ou transfeririam de volta. Um grupo de participantes foi informado que suas decisões seriam apenas observadas por um terceiro grupo de jogadores; outro grupo recebeu a informação que suas decisões seriam observadas e que poderiam ser comentadas pelos observadores (objeto da fofoca), e um terceiro grupo apenas jogou o jogo. Os pesquisadores encontraram como resultado que as pessoas tendem a transferir um montante maior de volta ao jogador inicial (medida de comportamento pró-social neste experimento) na condição em que lhes foi avisado que poderia haver comentários por parte dos observadores. Mas essa diferença ocorreu apenas naqueles participantes com uma orientação pró-social mais baixa, medida no início do experimento. Ou seja, a ameaça de fofoca fez com que participantes agissem de forma pró-social, mas este efeito só foi observado em pessoas com pouca tendência pró-social (o que faz sentido, uma vez que pessoas com muita inclinação pró-social não precisam de mecanismos externos de controle).

Estudos como este[ii] apontam para um papel importantes da fofoca na manutenção de condutas pró-sociais em grupo. Ao interagirmos socialmente dentro de nossos grupos, eventualmente nos vemos diante de pessoas que não conhecemos e cujas ações não antecipamos. A partir de informações socialmente compartilhadas, podemos manter sob controle pessoas que poderiam se aproveitar destas oportunidades para agir de forma antissocial, aumentando o custo dessas ações. É claro que a manutenção dos escores de reputação ocorre dentro dos grupos sociais, ou seja, Pedro fofoca de João para Maria somente se existe a probabilidade de João encontrar Maria em suas interações sociais, caso contrário tal informação seria inútil para Maria. A ciência do comportamento então comprovou que a fofoca tem um importante papel na coesão social! Mas esse é o fim da história?

Bem, em parte… Porque a mesma fofoca que mantem comportamentos pró-sociais no grupo, pode, em condições particulares, gerar condutas agressivas altamente antissociais. Dunbar (2004)[iii] apresenta sua tese a respeito das bases evolucionárias da fofoca. E, apesar de concordar com o que apresentamos acima, o autor salienta as condições que fizeram com que a fofoca ganhasse essa força social: ela evoluiu como forma de desencorajar os aproveitadores, ao manter suas reputações em xeque em pequenos grupos. Mas uma das características fundamentais da fofoca, e de onde ela extrai parte de sua força, é o seu custo. Quando a fofoca é gratuita, isto é, quando não há custos para o fofoqueiro repassar informações reputacionais de membros de um grupo, seus efeitos são rapidamente transformados. O custo de passar uma informação errada, dentro de um grupo, está associado à credibilidade de um fofoqueiro. Se João avisa a Maria que Pedro é um trapaceiro e, por algum motivo, Maria descobre que João estava errado (ou tinha motivação particular para achar isso), sua reputação como fofoqueiro estará seriamente comprometida e ninguém mais acreditará no que ele fala. Fofocas teriam evoluído em condições nas quais a reputação do fofoqueiro, isto é, sua inclinação para contar fofocas não fundamentadas, também estava sob controle social.

Por mais paradoxal que pareça, a norma social que estabelece penalidades por “falar mal de alguém em sua ausência” confere um custo adicional para a fofoca, sem o qual a mesma perderia seu valor e poderia ter impactos negativos. Consideremos um novo canal para transmitirmos informações sociais e mantermos a reputação das pessoas relevantes em nossos grupos sociais: grupos de Whatsapp. Atualmente muitas pessoas recebem pelo referido aplicativo notícias sobre o que ocorre ao seu redor e as informações sociais (isto é, fofocas na definição adotada aqui) encontram nele terreno fértil. Mas as fofocas por meio de aplicativos têm algumas características particulares: seu alcance é relevantemente maior (mais pessoas sabem do ocorrido) e seu custo menor, pois o encaminhamento de informações diminui responsabilidade da pessoa pelo seu conteúdo[iv] (“não fui eu que falei, apenas repassei!”) ou dificulta a identificação de sua origem (como acontece em notícias repassadas em inúmeros grupos). Assim, uma informação falsa sobre a reputação de alguém (“fulano é trapaceiro”), que poderia facilmente ser ignorada ou corrigida caso fosse falada pessoalmente (“Fulano? Não, deve ter se enganado. Ele é uma ótima pessoa!”), pode ter impactos mais profundos e duradouros. Na Índia, o Whatsapp vem enfrentando problemas graves pela transmissão de fofocas falsas pelos grupos de notícias, e várias pessoas têm sido agredidas e até mesmo mortas por terem sido erroneamente acusadas de pedófilos ou aliciadores de menores[v].  A inveracidade de uma fofoca transmitida por grupos de Whatsapp é muito mais difícil de ser checada e seus efeitos deletérios são muito mais impactantes para os grupos sociais. É importante salientar que os responsáveis pelas principais redes sociais já se mostraram atentos a este problema e várias iniciativas já vem sendo tomadas para mitigar suas consequências

[vii].

As Ciências Comportamentais têm um importante desafio para indicar como resolver este problema. A existência de canais de comunicação de reputação é um mecanismo muito importante para promover a conduta pró-social em um grupo, mas certos arranjos institucionais precisam estar presentes para que isso ocorra. Novas pesquisas sobre o tema ajudarão a desvendar as condições ótimas para que a fofoca cumpra suas funções: manter pessoas antissociais sob controle alertando o grupo a respeito de suas condutas. Quem diria que cientistas comportamentais se dedicariam ao estudo da fofoca como forma de aumentar o bem estar das pessoas!

[i] Yucel, M. e Vaish, A. (2018). Young children tattle to enforce social norms. Social Development, 1-13, DOI: 10.1111/sode.12290

[ii] Beersma,B. e Van Kleef, G. A. (2011). How the grapevine keeps you in line: gossip increases contribution to the group. Social Psychology and Personality Science, 2, 6, 642 – 649. https://doi.org/10.1177/1948550611405073

[iii] Dunbar, R. I. M. (2004). Gossip in Evolutionary Perspective. Review of General Psychology, 8, 2, 100-110. DOI: 10.1037/1089-2680.8.2.100

[iv] Em uma conversa offline também utilizamos recursos pouco custosos para diminuir a responsabilidade pelas fofocas que repassamos (“foi um primo que me contou”), mas é da opinião do autor que esta estratégia em conversas online é ainda menos custosa.

[v] https://www.washingtonpost.com/news/global-opinions/wp/2018/06/19/rumors-on-whatsapp-are-leading-to-deaths-in-india-the-messaging-service-must-act/?noredirect=on&utm_term=.aa522f5ea7a4. Acessado dia 20 de junho de 2018.

http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-07/redes-sociais-adotam-medidas-para-combater-fake-news-nas-eleicoes. Acessado em 1º de agosto de 2018

[vii] https://www.telegraph.co.uk/news/2018/07/04/india-calls-whatsapp-help-end-spate-lynchings-sparked-rumours/. Acessado em 1º de agosto de 2018

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