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Por Bernardo F. Nunes e Diogo Gonçalves

A interconexão de dispositivos digitais, principalmente smartphones, possibilitada pela “Internet das Coisas” (IoT) cria novas fontes de dados sobre o comportamento de consumidores. As empresas agora podem observar melhor as escolhas individuais e testar a eficácia de diferentes formas de ativação e retenção de clientes. No campo da política pública, a IoT também pode ajudar os formuladores de políticas a superar um dos problemas mais frequentes nessa área: a falta de conteúdo personalizado. O que vamos argumentar aqui é que a IoT não apenas altera a maneira como rastreamos nossas ações e monitoramos nossos objetivos. Ela também permite a identificação de métodos eficazes para alterar nosso comportamento. Isso é otimizado pela combinação de IoT, análise de dados e ciência comportamental.

Uma das principais contribuições da economia comportamental para o estudo dos consumidores é seu foco empírico no comportamento observado. Assim, especialistas comportamentais nas áreas de marketing, economia e políticas públicas devem estar cientes das possibilidades que as novas tecnologias criam para a análise do comportamento do consumidor.

Os consumidores hoje produzem (direta e indiretamente) uma abundância de dados. Por exemplo, decisões de deslocamento e locais de anúncio de produtos podem ser deduzidos pela análise de dados de chamadas telefônicas (call detail records) e registros digitais de onde usamos nossos pacotes de dados (over-the-top). Os aplicativos, por possuírem a capacidade de rastrear o usuário e suas ações, desde escolhas alimentares até transações bancárias, têm o potencial de substituir um grande número das pesquisas de consumidores atualmente utilizadas. Os sensores estão agora posicionados em nossos carros, casas (smart homes) e até em nossas roupas (wearables).

A IoT grava e transmite informações personalizadas. Isso significa que as técnicas de mudança de comportamento podem ser aprimoradas pela coleta de dados observacionais do comportamento cotidiano de seus usuários e, por meio da experimentação, identificar quais intervenções são mais eficazes. Assim, descrevemos três maneiras pelas quais a IoT influenciará continuamente as escolhas dos consumidores por meio desses canais de coleta de dados.

A IoT é uma nova fonte de dados observacionais para algoritmos de aprendizado de máquina

Diversos algoritmos de aprendizado de máquina (Machine Learning) lidam com modelagem preditiva. Por exemplo, uma pulseira Fitbit mede dados como o número de passos percorridos, frequência cardíaca, qualidade do sono, etapas subidas e outras métricas pessoais. Embora os aplicativos de saúde ainda não consigam substituir um médico, eles podem nos dizer com precisão quando precisamos de um. Wearables desse tipo podem alimentar um algoritmo de aprendizado de máquina que nos ajudaria a perceber flutuações em nosso pulso que correspondem a uma condição de saúde específica. Estes dispositivos podem monitorar os níveis de açúcar no sangue e analisar suas métricas instantaneamente, enviando notificações personalizadas e imediatas para o usuário. Por exemplo, pode-se lembrá-lo de tomar uma medicação ou ajustar a ingestão diária de açúcar. Em suma, os dados da IoT nos permitem identificar os principais fatores de um resultado usando métricas comportamentais.

Uma aplicação comercial do aprendizado de máquina é a oferta dinâmica de produtos e serviços de viagem. Os provedores de serviços de viagens, como o website Booking.com, possuem sistemas de recomendação treinados com dados das características sociodemográficas dos usuários e comportamento on-line do passado. Com o aplicativo Booking Experiences um viajante pode ter acesso instantâneo a reservas em locais e atrações participantes em um destino específico. Os viajantes não precisam reservar com antecedência ou esperar na fila para comprar ingressos. Eles simplesmente precisam digitalizar um código QR com o smartphone que está vinculado ao cartão de crédito escolhido. O aplicativo aprende com o tempo e combina esse conhecimento com dados de geolocalização para fornecer ao viajante sugestões cada vez mais personalizadas para aprimorar a experiência no destino. Um serviço deste tipo só é possível porque a empresa coletou dados de milhões de clientes sobre suas experiências específicas de destino, bem como seus gostos e desgostos.

A IoT está redesenhando cadeias de valor

As cadeias de valor são compostas por atividades que agregam valor ao consumidor e para a empresa provedora durante os períodos de pré-venda e pós-venda. Imagine o processo de pré-venda de uma companhia de seguros de automóveis. A questão central é otimizar o preço do prêmio cobrado dos segurados. Na era da IoT, as seguradoras podem solicitar que seus clientes usem um aplicativo móvel com geolocalização para coletar informações, como velocidade, distância e hora do dia, a fim de precificar o prêmio com mais precisão. Isso significa que os prêmios podem ficar mais baixos para os motoristas responsáveis. Um bom exemplo existente deste tipo de aplicativo móvel é o seguro de carro Aviva Drive.

Outro exemplo interessante do seguro de carro é o FirstCarQuote da Admiral. Destina-se a jovens condutores que vão ter o seu primeiro carro e não têm histórico de condução. Por causa da falta de histórico, a seguradora enfrenta um problema típico de seleção adversa: é muito difícil diferenciar um motorista responsável de um que tem maior probabilidade de causar uma reclamação. Um algoritmo de inteligência artificial analisa as informações fornecidas, incluindo o comportamento em redes sociais, para estimar uma medida comportamental de quão consciente, responsável e organizado o usuário é. Este é um exemplo típico de um ambiente de IoT devido à interconexão de duas plataformas para adquirir dados comportamentais.

Essa capacidade de analisar o comportamento também pode ser muito útil durante o período pós-venda. Por exemplo, as companhias de seguros podem enviar mensagens preventivas personalizadas para levar seus usuários a um comportamento mais prudente. Para as empresas na “economia compartilhada”, como Uber, AirBnb e Blablacar, ter acesso às “pegadas digitais” dos usuários ajuda a aumentar a confiança e a reputação nesses mercados bilaterais. No setor bancário, o HSBC está testando um aplicativo Nudge que monitora os gastos de um usuário. O sistema envia notificações encorajadoras para melhorar a força de vontade e ajudar a atingir metas financeiras de longo prazo, e alerta os usuários quando eles gastam mais do que o normal.

A IoT aprimora os métodos de inferência causal

O economista Hal Varian, em seu artigo Big Data: New Tricks for Econometrics, enfatiza que as técnicas de aprendizado de máquina podem permitir maneiras mais eficazes de modelar relacionamentos complexos, mas não abordam a causalidade da maneira mais apropriada. Para testar o efeito de uma intervenção de mudança de comportamento, como os nudges, os cientistas comportamentais têm que confiar principalmente em evidências experimentais coletadas em estudos randomizados (RCTs). Da mesma forma, os profissionais de marketing digital usam testes A / B para inferir a eficácia de diferentes aplicativos para gerar conversão e engajamento de clientes. Tais testes baseiam-se na regra científica de que a correlação não implica causalidade. Assim, o método apropriado para identificar os efeitos causais requer um bom contrafactual que demonstre o que teria acontecido na ausência da intervenção testada.

Cientistas comportamentais e profissionais de marketing geralmente concordam que a personalização é um fator-chave para aumentar a eficácia. As intervenções podem ter mais sucesso se forem personalizados com base nas preferências e crenças individuais. Os dispositivos de IoT têm as informações necessárias para ir além das intervenções de “tamanho único”. Eles também podem monitorar metas e conquistas.

Muitos aplicativos do Fintech já usam esses tipos de ferramentas (por exemplo, Moneybox e PensionBee), mas ainda não temos evidências sólidas sobre sua eficácia. Os aplicativos estão sujeitos a viés de seleção, por exemplo, se apenas indivíduos conscientes e autocontrolados se tornarem usuários em primeiro lugar. No monitoramento de progresso também é possível que alguns consumidores evitem um feedback valioso dos dispositivos de IoT, se isso gerar desconforto psicológico – o chamado efeito de avestruz. Como as tecnologias de IoT permitem que cientistas e profissionais atribuam aleatoriamente usuários a diferentes experiências ou condições, eles podem ser uma fonte útil de dados experimentais para resolver problemas que não podem ser resolvidos isoladamente com aprendizado de máquina.

A combinação de IoT, análise de dados e ciência comportamental nos permite alcançar o mais alto nível de poder empírico na estrutura da pirâmide dados, informações, conhecimento e sabedoria, do DIKW.

Podemos usar a mineração de dados para identificar relações e padrões. Porém para transformar conhecimento em previsões comportamentais sábias, precisamos explorar novas fontes de dados personalizados oferecidos pela IoT. Como o teórico do jogo John Von Neumann disse: “Não faz sentido ser preciso quando você nem sabe do que está falando”.

Originalmente publicado em Inglês no portal BehavioralEconomics.com.

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