Arquitetura da decisão – Revista Brasil em Código entrevista Flávia Ávila – Jan/Fev 2016
Já ouviu falar em Economia Comportamental? Os estudos nessa área ajudam as empresas a entender os fatores conscientes e inconscientes que guiam as escolhas dos consumidores
Por Ticiana Werneck
O ser humano toma decisões a todo momento, das mais simples – como qual caminho pegar para ir para casa – até as mais complexas – decidir fazer uma viagem internacional ou comprar um imóvel. O que muitos desconhecem é que existe um campo de estudo relativamente novo, a Economia Comportamental, que analisa as influências cognitivas, sociais, contextuais e emocionais na maneira como as pessoas fazem escolhas.
Flávia Ávila, entusiasta do tema, é mestre em Economia Comportamental pelo CeDEx group (Centre for Decision Research and Experimental Economics), da Universidade de Nottingham, Inglaterra, um dos principais centros de pesquisa em ciências comportamentais e experimentais da Europa. Atualmente é professora da ESPM, consultora e doutoranda em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). Possui mais de dez anos de experiência em estudos experimentais sobre o comportamento humano, individual ou em grupo, e vem dedicando-se a propagar o tema.
Recentemente, coordenou, ao lado de outros professores, a criação do primeiro Guia de Economia Comportamental e Experimental do País, disponível gratuitamente na web. Em 15 dias, a publicação alcançou mais de 2 mil downloads.
O conceito, ainda pouco difundido no Brasil, usa experimentos controlados, a neurociência e a outros métodos empíricos para testar e medir quais, como e quantos fatores psicológicos, sociais e contextuais afetam uma tomada de decisão. “Nosso objetivo é difundir a área e suas metodologias no Brasil, pois acreditamos que o País ainda tem muito a se beneficiar com seus estudos e aplicações, em todas as esferas”, explica Flávia. Saiba mais sobre esse conceito na entrevista a seguir:
BRASIL EM CÓDIGO – O que é Economia Comportamental?
FLÁVIA ÁVILA – É uma ciência baseada, principalmente, em estudos empíricos controlados, que investigam diversas questões que impactam no momento de uma escolha e suas consequências. É uma nova forma de olhar o comportamento humano, as nuances e fatores que guiam esse fluxo – muitas vezes inconsciente. Os resultdos dos seus estudos têm fortalecido essa área ao mostrar, com dados reais, de que forma detalhes que até então passavam despercebidos podem alterar, e muito, o resultado de uma escolha – seja de uma escova de dente, seja de um serviço financeiro. Essas são descobertas significativas. As pesquisas também apontam como a arquitetura de uma escolha, a forma como diferentes opções de produtos são posicionadas e o contexto ao seu redor são fatores importantes em uma decisão.
Grandes empresas acham que precisam de soluções complexas para estimular consumidores, quando, na verdade, em muitos casos, basta um pequeno detalhe. As escolhas são feitas de forma muito simples e podem ser guiadas por uma sensação de benefício imediato, uma comparação rápida com outro produto ou uma lembrança nada relacionada com aquele momento. Esses fatores têm sido estudados de forma profunda na Economia Comportamental.
BC – Como tem sido a aplicação dessa teoria no Brasil e no mundo?
FA – Após meu mestrado no Reino Unido, onde a Economia Comportamental é bastante difundida, retornei ao Brasil em 2013 e percebi o quanto essa área ainda era incipiente por aqui. Suas aplicações têm sido vinculadas, quase em sua totalidade, à área de educação financeira, na qual um belo trabalho tem sido feito.
No entanto, poucos conhecem tudo que ela abrange e o impacto que pode ter em outros setores. Lá fora, os estudos estão adiantados. Desde 2010, o governo do Reino Unido mantém o Behavioural Insights Team, uma unidade especial dedicada a aplicar a ciência comportamental a serviços públicos. Os Estados Unidos também já têm, há vários anos, um time de ponta com esse foco. A importância que tem sido dada à área é tão grande que, em setembro de 2015, o presidente Barack Obama assinou um decreto que institui a ciência comportamental como diretriz para políticas públicas e gestão governamental. No ano passado, a área teve outra conquista importante – o relatório anual do Banco Mundial foi exclusivamente sobre o tema. Além disso, hoje, as principais universidades norte-americanas e europeias possuem grupos de pesquisa e laboratórios dedicados a essa área e recebem investimentos enormes para aumentar o espectro de conhecimento.
BC – Poderia citar alguns exemplos práticos de como as empresas podem aproveitar esse conceito?
FA – Estudos realizados pelo governo dos Estados Unidos já renderam alterações, pequenas e grandes, em muitas estratégias. Um bom exemplo é a mudança feita no formulário para adesão à previdência privada. O texto do formulário foi mudado, alterando apenas uma palavra (“Marque X se quiser aderir o plano” para “Marque X se não quiser aderir o plano”) e a taxa de aceitação passou de algo em torno de 20% para 80%. Vemos repetidas vezes que uma simples reformulação na comunicação, ou uma diminuição da carga de informação, é capaz de alterar um padrão de resposta, mudando a arquitetura usada para a decisão.
BC – O que já é possível saber sobre o processo de decisão?
FA – Temos uma tendência de tomar decisões que nem sempre maximizam o retorno. Por exemplo, mesmo querendo fazer uma escolha racional, baseada numa análise de custo e benefício, acabamos escolhendo em função do tempo e da praticidade. A Economia Comportamental mostra outros aspectos que agem no momento da definição e novos insights surgem. Pequenas nuances e fatores influenciam a decisão. Sempre que temos base de comparação de algo, fica a dúvida. Se o produto ao lado é parecido, mas o preço é diferente, a mente já traça uma comparação. Se há mais opções, a pessoa tende a ficar indecisa. Se há menos fatores influenciando a decisão, ela é tomada de forma mais confortável. Isso acontece em relação a um cartão de crédito, plano de saúde, geladeira ou xampu. A sobrecarga de informação desvia a atenção. Na Economia Comportamental, há quase um consenso de que, quando se facilita a decisão de um produto específi co, dando poucas opções, as vendas tendem a aumentar.
BC – Lá fora, este conceito vem sendo aplicado em empresas de quais segmentos e portes? Como imagina a adesão aqui no Brasil?
FA – Vejo uma maior adesão por parte de empresas de serviços financeiros, bens de consumo, sustentabilidade, saúde, varejo e setor público. Sem contar as consultorias e agências de publicidade que têm aumentado de forma impressionante. Lá fora, é muito comum grandes empresas terem áreas dedicadas à Economia Comportamental, e algumas, inclusive, defendem a necessidade da criação do cargo CBO, Chief Behaviour Officer. Acredito que no Brasil a adesão aumentará bastante nos próximos anos em todos esses setores, e esperamos que o Guia contribua significativamente para acelerar essa virada.
BC – Na sua visão, qual o principal benefício da Economia Comportamental?
FA – Ela é uma forma diferente de ver um problema, o que impacta diretamente nas possíveis soluções e estratégias que são implementadas. A Economia Comportamental também enfatiza a cultura de “testar, medir e aprender” nas organizações. Ao conhecer melhor como funciona a arquitetura da decisão, suas causas e efeitos, a empresa pode se comunicar melhor, de forma mais intuitiva e com menos ruído. Os resultados obtidos com experimentos podem ser insumos importantes para a decisão de mudar o posicionamento estratégico de um produto, por exemplo, diminuir a carga de informação e as opções disponíveis.
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O paradoxo da escolha
A forma como lidamos com escolhas e decidimos a melhor opção também intriga o economista e psicólogo americano Barry Schwartz, que há mais de dez anos lançou o livro O Paradoxo da Escolha – Por Que Mais é Menos. “A variedade de escolhas em nossa cultura de consumo é positiva. No entanto, quando extrapola os limites da normalidade, deixa de ser fonte de libertação e autonomia e passa a ser fonte de fraqueza”, observa. Para ele, o crescimento do universo de escolhas tornou-se, paradoxalmente, um problema, e não uma solução. Ele trata das escolhas com que nos deparamos em todas as esferas da vida: educação, carreira, amizade, sexo, relações amorosas, criação dos filhos, práticas religiosas e consumo em geral. “Assim como poucas opções podem nos angustiar, muitas alternativas também. Uma sobrecarga de alternativas pode nos paralisar e reduzir nossa satisfação.” Isso porque há a angústia de não estar fazendo a “melhor escolha” e estar desperdiçando uma ótima oportunidade. O truque para evitar essa cilada para o consumidor é limitar o número de opções e focar no que é realmente importante – ressaltando os aspectos positivos, e não negativos, da escolha.
O próprio Barry Schwartz não se considera um economista comportamental, mas, na visão de Flávia Ávila, os estudos e as análises do psicólogo americano corroboram com as descobertas desse campo de estudo.
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O primeiro Guia de Economia Comportamental e Experimental lançado no Brasil está disponível gratuitamente na página www.economiacomportalmental.org/guia
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Flávia Ávila é também fundadora da consultoria InBehaviorLab, do site EconomiaComportamental.org e coordenadora do novo MBA em Economia Comportamental da ESPM.
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Abaixo a reportagem na íntegra!
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