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Decisões humanas são muito complexas e por mais esforços que se façam para tentar prever como elas acontecerão, sempre haverá uma margem para erro, até porque as pessoas nem sempre escolhem a melhor alternativa. Isso ocorre não apenas porque elas sejam incapazes de fazer cálculos para escolher a melhor opção dentre um conjunto de alternativas, mas também porque elas sofrem algumas influências de natureza sócio afetiva que as desviam da racionalidade.

Falamos sobre o processo decisório pensando que ele seja a escolha de alternativas. Na verdade, a decisão, compreendida como o processamento de informações, é composta por um conjunto de processos cognitivos. Assim, começa bem antes do raciocínio que leva ao julgamento e à escolha: está na forma como as pessoas percebem as informações!

A percepção é um processo complexo que envolve duas etapas principais: captação dos estímulos e interpretação dos mesmos, dando-lhes sentido. Essa etapa é um dos momentos nos quais entra em ação a função julgamento. Há uma máxima em Psicologia Cognitiva na qual se diz que “alguém precisa ver algo para dizer que não viu”. Em outras palavras, os estímulos captados são analisados e categorizados com base em nossas experiências passadas, sejam elas vivências (como nos comportamos em alguma situação), sejam elas conceituais (o que sabemos e que se relaciona com o estímulo que estamos tentando compreender). Essa primeira análise nem sempre nos é consciente.

Outro aspecto que influencia a nossa percepção são as crenças e valores que absorvermos de nosso ambiente social, assim como as normas sociais estabelecidas nesse ambiente.
Em relação às crenças e valores, um exemplo disso é a forma como pensamos acerca de poupar dinheiro para vivermos uma situação qualquer num momento futuro. Na verdade, tratam-se de nossas crenças sobre adiar a recompensa para obter um melhor resultado. Essas crenças e valores formam nossa visão de mundo e por vezes, podem ser restritivas. Pode-se dizer que isso ocorre quando os desvios de nosso comportamento em relação às crenças dominantes em nosso contexto social são punidos. Assim, embora uma pessoa possa ter certeza de que a melhor alternativa para uma decisão seja a “A”, pode escolher a “B” porque essa é a que será reforçada no contexto social.

Em relação às normas sociais, trata-se de uma influência sutil, por vezes não consciente para nós. Dentro dessa categoria encontram-se a pressão por andar na moda, a pressão dos amigos e a do grupo de trabalho. Não se trata de nossa visão de mundo, mas sim da importância que damos à avaliação que o ambiente social faz de nós. Por exemplo, um adolescente ciclista pode ter a predisposição a usar um capacete quando anda de bicicleta; sabe tudo sobre aspectos técnicos relacionados ao uso e é bem informado sobre os efeitos do não uso. Todavia, pode não querer usar o capacete porque considera que ele seja um item que compromete seu estilo pessoal (o capacete não é fashion). Nessa mesma categoria estão enquadrados os equipamentos de segurança exigidos em uma obra, por exemplo, e que não são usados.

Podemos falar também da influência das emoções sobre o comportamento do decisor. Além de sermos afetados por nossas próprias emoções, que nos impedem de analisar claramente uma situação, ou que nos influenciam a superestimar resultados, por exemplo, também somos afetados pelo que percebemos como efeito de nossas decisões sobre o comportamento dos outros, antecipando assim futuras emoções.
Em uma recente pesquisa que fizemos sobre a forma como gestores estimam o nível de metas orçamentárias para suas áreas, no contexto de orçamento participativo, descobrimos algo bastante interessante: as pessoas têm medo do que poderá lhes acontecer, no âmbito pessoal ou profissional, se escolherem uma meta em nível não adequado. Mas não para por aí: elas também têm medo do que poderá acontecer com o grupo de pessoas na organização que será afetado por essa meta (ou por esse erro). O estudo sinalizou que a influência social discutida nos parágrafos anteriores está presente na vida de um decisor.

Ainda no campo das emoções, a teoria econômica aponta que a forma como um problema é formulado, afeta a decisão (o efeito framing). Pode-se discutir o efeito framing sob a luz da teoria de ruptura de vínculos, típica de situações de perda.

Uma decisão sempre envolve algum nível de ganho ou de perda, senão não haveria decisão (não haveria escolha entre alternativas concorrentes). Perdas são percebidas como situações adversas que nos levam a ter sentimentos semelhantes aos vivenciados em situação de luto, que é um estado emocional relativamente duradouro e que só diminui de intensidade quando se atinge uma fase de recuperação pós-perda. Assim, frente à possibilidade de perda, podemos vivenciar as fases do luto, ou seja: ficarmos ansiosos pela antecipação da perda; ficarmos com raiva quando percebemos que, de fato, perdemos algo em algum grau; ficarmos tristes ao percebermos que teremos que envidar esforços para restabelecer novos vínculos ou reestruturar situações que mudaram após a perda.

Ainda dentro do contexto da influência emocional, estudo recente em neurociência aplicada à decisão mostrou como a empatia influencia o julgamento e a capacidade dos controllers de unidades de negócios, quando esses enfrentam pressão social por parte de gestores dessas unidades, especialmente em situações nas quais esses gestores apresentam relatórios com desvios de regularidade. O que o estudo traz como surpresa é que a empatia foi avaliada por uma medida de atividade neurológica: a funcionalidade dos sistemas de neurônios em espelho (mirror neuron system) medida nos sujeitos que fizeram parte da pesquisa. Esse sistema de neurônios é especialmente ativo quando uma pessoa mimetiza comportamentos ou quando observa alguém fazendo algum comportamento, ou seja, quando está em uma situação empática. Trata-se de uma atividade sobre a qual não se tem controle consciente, mas que afeta o julgamento que fazemos da situação ou do objeto da decisão.

Ainda falando dos aspectos sócio afetivos que desviam a decisão da racionalidade, podemos comentar o efeito de traços de personalidade sobre o comportamento decisório. A literatura sobre personalidade vem analisando personalidades ofensivas, mas não patológicas, destacando três perfis dominantes no ambiente organizacional: maquiavélico, psicopata e narcisista (denominados Dark Triad). A despeito da força desses títulos, esses perfis são encontrados com relativa frequência em pessoas que ocupam as mais variadas posições e que obtêm sucesso em seu campo de atividade. Há esforços para tentar relacionar esses estilos com o comportamento decisório. Embora os estudos nem sempre tenham sido conclusivos a respeito dessa relação, apontam que a impulsividade, traço presente nesses perfis, pode ser um dos aspectos que influenciam a forma como a decisão é tomada. Por conta disso, não raramente, os estudos experimentais sobre decisão aplicam, como instrumento de controle, testes para avaliar a impulsividade do sujeito.

Muito bem, a esta altura podemos nos perguntar: o que essa discussão tem a ver com decisões econômicas? Como avaliar esses aspectos no dia a dia de um gestor?

A metodologia frequentemente utilizada é de natureza experimental. Basicamente, trata-se de escolher grupos de pessoas e submetê-las a diferentes situações experimentais (por exemplo, frames diferentes de informação) e analisar quais são suas respostas de decisão. Estudos dessa natureza exigem que o pesquisador conheça bem a metodologia experimental para evitar erros de interpretação, decorrentes de situações ou métodos não controlados.

Além do rigor metodológico, tem-se o problema de replicar, em ambiente experimental, o que ocorre no ambiente real de decisão. Como já dissemos, experimentos são situações controladas, mas a vida real, não o é. Por mais que tentemos criar em laboratório o ambiente real de decisão de um gestor, nunca conseguiremos fazer dele uma réplica real do ambiente (certo, podemos criar um escritório fictício, sem que o sujeito saiba disso … mas isso traz implicações éticas importantes).

Experimentos com uso de ferramentas de neurociência são usados para obtermos informações sobre: 1) Processos automáticos de decisão, ou seja, decisões que tomamos no dia a dia mas que não sabemos dizer como o fizemos porque não temos consciência dos passos adotados; 2) Áreas do cérebro que são estimuladas quando tomamos decisões, além das áreas específicas de processamento da informação; 3) O efeito de estímulos elétricos sobre processos cognitivos relacionados à decisão (como atenção e memória); 4) O tempo decorrido entre a apresentação da informação para a decisão e nossa decisão propriamente dita; 5) Análise da compreensão que tivemos das informações disponíveis para decisão (congruência ou incongruência semântica); dentre outros tantos estudos interessantes e inovadores feitos na área.

Assim, voltando à nossa proposição inicial, com todo o aparato metodológico e instrumental que temos para analisar a decisão, ainda assim é difícil modelar a decisão humana. Afinal, quais são os fatores que levam um sujeito, em um determinado momento, a tomar uma decisão que alterará o curso de sua vida, quando todas as evidências lhe sugeriam que não o fizesse?

Referências

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