Dilemas Sociais e o bem comum I: a Hipótese do Altruísmo Competitivo
Em diversas circunstâncias no nosso dia a dia, nos vemos diante de situações nas quais o que seria melhor (isto é, mais fácil, mais barato e/ou mais rápido) para nós está em conflito com o que é melhor para nosso grupo. Por exemplo, ao terminar de comer um salgadinho, jogar sua embalagem no chão é o mais prático para o consumidor, mas se todos fizerem isso, é fácil perceber as consequências negativas para o grupo. Quando temos que pegar um ônibus, é mais rápido cortar a fila e entrar na frente, mas caso todos façam isso, a própria noção de fila perde o sentido.
Estas situações recebem o nome de dilemas sociais e podem ser definidas como situações nas quais os incentivos para o comportamento individual estão em conflito com os benefícios para o grupo.
A psicologia econômica e a economia comportamental (dentre outras disciplinas) têm se interessado enormemente pela investigação de dilemas sociais, por meio de experimentos em laboratório, simulações em computadores e até mesmo na análise de situações reais.
Um dos pontos que mais chama a atenção dos pesquisadores é a relativa prevalência de comportamentos prossociais nestas situações: qual seria a explicação de pessoas que abrem mão de benefícios pessoais para o “bem” do grupo? A partir de uma visão estreita do homem econômico, não faria sentido algum encontrarmos pessoas que respeitam filas ou se abstém de jogar lixo no chão, principalmente em situações onde há poucas pessoas conhecidas ao redor e baixa probabilidade de se encontrar novamente com estas pessoas.
Sanções por Terceiros e o medo de punições
Uma proposta levantada para explicar estes fenômenos é chamada de Sanções por Terceiros (Third-Party Sanctioning): as pessoas se comportam em prol do grupo em situações onde há a possibilidade de serem sancionadas caso não o façam.
O método experimental clássico nesta linha de estudo envolve colocar participantes trabalhando em um grupo, decidindo quanto dinheiro investem no grupo e o quanto guardam para si. Cada real investido no grupo é multiplicado por um fator e dividido por todos os participantes do grupo. Neste cenário, o mais interessante para o grupo é q todos invistam seus recursos no grupo; mas é de interesse individual que todos os demais invistam seus recursos enquanto ele se abstêm, pois assim aproveita dos rateio dos recursos alheios, mantendo os seus próprios. A frequência de comportamentos egoístas neste procedimentos diminui sensivelmente com a introdução da possibilidade de punição dos participantes por um observador que não faz parte do grupo (daí ser chamado de Terceiro, ou Third-Party), após as decisões de investimento. Ou seja, as pessoas se tornam mais prossociais caso exista a possiblidade de punição de atos antissociais.
A Sanção por Terceiros, no entanto, apresenta uma nova questão ao resolver o primeiro dilema social: por que indivíduos incorreriam em custos pessoais para sancionar atos antissociais? Porque pessoas puniriam alguém que joga lixo no chão ou corta a fila? Estes atos, apesar de serem benéficos para o grupo, trazem custos para quem os emite, sejam eles custos de ocasião (poderiam estar fazendo outras coisas, “cuidando de suas vidas”) ou mesmo custos associados a exposição a riscos de retaliação.
Considerando então a sanção de comportamentos antissociais como algo positivo ao grupo, ela se configura como um dilema social de segunda ordem, pois traz benefícios ao grupo em detrimento de custos para aquele que sanciona.
Muitos pesquisadores tem se mostrado atentos a este problema e algumas tentativas de solução já são encontradas na literatura especializada. Uma delas tem recebido crescente suporte e pressupõe uma improvável semelhança entre os processos que influenciam a punição por terceiros e processos comportamentais observados na seleção sexual de animais.
Sinalização Custosa: pessoas e pavões têm uma improvável semelhança
Ao cortejar uma fêmea, o pavão se utiliza da exuberância de sua cauda através de movimentos que atestam sua beleza e vigor. As fêmeas, por sua vez, podem “escolher” um parceiro de boa qualidade por meio da avaliação cuidadosa de sua cauda, pois somente pavões saudáveis e capazes de manter uma alimentação adequada podem cuidar de uma cauda vistosa. Este processo ajudaria a explicar o porquê da evolução de certos traços aparentemente disfuncionais em animais: a cauda do pavão funciona como um sinal de que aquele pavão possui qualidades desejáveis em um futuro parceiro, qualidades essas que poderiam ser difíceis de se observar de outra forma. No dia-a-dia do pavão, manter e cuidar de sua cauda pode ser um fardo, pois por causa dela ele se torna mais lento e deve ser mais cuidados.
Curiosamente, é exatamente por isso que a cauda se torna um sinal tão claro de superioridade: apesar de ser custoso, aquele indivíduo pode pagar o preço. A existência de um custo para a sinalização de qualidades é essencial para a confiabilidade dos sinais emitidos: caso posse fácil ter caudas exuberantes, qualquer pavão teria e ela deixaria de ser uma sinal confiável.
Sinalização Custosa e o incentivo à cooperação
A teoria da Sinalização Custosa (Costly Signaling) parece ser uma boa candidata para explicar comportamentos prossociais em grupo. Atos prossociais são custosos e ao ser apto a arcar com esses custos, os indivíduos que os emitem podem estar sinalizando que possuem certas características que o tornam um atraente parceiro para interações sociais futuras. Sendo assim, conceitualizar a sanção como Sinalização Custosa (como fazem os autores Hipótese do Altruísmo Competitivo, aqui) afirma que pessoas puniriam comportamentos antissociais, agindo assim em benefício do grupo, por isso aumentar suas chances de ser selecionado como parceiro de interação no futuro. Esta hipótese aguarda maiores confirmações empíricas. Alguns trabalhos já apresentam dados que parecem corroborar alguns dos pontos fundamentais desta tese (aqui e aqui). Também na literatura de simulações, já há argumentos favoráveis a Sinalização Custosa como sendo um mecanismo que tornaria a cooperação uma estratégia evolutiva estável, sob certas condições (aqui).
Existem ainda várias questões a serem respondidas antes de aceitarmos a Hipótese da Sinalização Custosa como um dos processos responsáveis pela manutenção da cooperação em grupos. Não sabemos quais são seus limites, qual o custo ótimo de um sinal, como estes sinais são interpretados em ambientes ruidosos nem como este processo se relaciona com outros poderosos processos grupais. De qualquer forma, é sempre excitante encontrar processos comportamentais semelhantes influenciando ações tão distintas quanto o acasalamento de pavões e o comportamento prossocial em humanos.
A Hipótese do Altruísmo Competitivo apresenta uma visão controversa a respeito das motivações humanas: no final das contas, podemos agir de formas altruístas buscando benefícios individuais. Apesar de aparentemente deturpar o sentido clássico de “altruísmo” como a ajuda ao próximo na ausência de motivações egoístas, esta nova posição parece ser mais psicologicamente realista, e isto pode melhorar consideravelmente as predições de modelos teóricos sobre o comportamento humano.
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Carol Franceschini
Estudos que exploram os conflitos entre beneficios grupais e individuais expoem a enorme complexidade do comportamento em comunidades e as limitacoes da nocao de “homus economicus” (se levada ao peh da letra!).
O individuo sera “egoista” ou “altruista” conforme as contingencias em vigor. Como vivemos em um ambiente social complexo, onde vigoram contingencias multiplas, nossos comportamentos tambem serao complexos e multiplos. As vezes seremos egoistas e outras vezes, altruistas. Nossa sociedade impoe uma interdependencia entre individuos que de um lado facilita a cooperacao e de outro permite que alguns individuos hajam egoisticamente e se beneficiem dos esforcos alheios (os chamados “caroneinos” ou usando a expressao em ingles, “free riders”).
A hipotese da sinalizacao custosa parece interessante, e fico curiosa por futuras exploracoes dessa linha de investigacao. As analises de “third party punishment” tambem trazem a tona outros fatores atuantes: a possibilidade de que a punicao seja um “adesivo social”, ou seja, uma ferramenta promotora da cooperacao entre pessoas que nao se conhecem.
Essas duas hipoteses tambem podem ser complementadas por outras. Estudos experimentais com jogos do tipo “Bens Publicos” tambem tem sugerido que a possibilidade de punicao/retalizacao dos “caroneiros” pelos proprios membros prejudicados poderia reduzir as escolhas individuais (note que nao disse “eliminar” e sim “reduzir”) a um nivel aceitavel para manutencao das atividades sociais. Nossa sociedade parece se manter em acao mesmo que alguns membros hajam egoisticamente de tempos em tempos. O problema maior seria se MUITOS membros passassem a agir egoisticamente SEMPRE.
Qualquer avanco nas ciencias do comportamento que permitam aumentar o nivel de cooperacao, altruismo ou generosidade dentro de nossa sociedade consiste em uma contribuicao preciosa!
Parabens pelo artigo, Diogo!