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1. Introdução

A regulação dos mercados e as iniciativas de mudanças nos comportamentos individuais têm crescido exponencialmente em todo o mundo. Muitas intervenções – regulação de produtos financeiros, alteração de preços de bens de alimentos gordurosos e propostas de controle de consumo de sal e bebidas alcoólicas – vem sendo legitimadas pelas contribuições da Economia Comportamental. A promessa é avançar nosso entendimento sobre a racionalidade limitada e os contextos de erros decisórios persistentes dos agentes, alvos das políticas públicas e regulação. As chamadas leves intervenções paternalistas também conhecidas como nudge, i.e., sugestões de padrões decisórios que não violam a liberdade de escolha dos indivíduos porque as opções disponíveis são mantidas. As últimas são justificadas pelas consequências para o bem-estar individual e social associadas a determinados padrões de comportamento irracionais observados no mundo econômico real.

Em sua aula magna Richard T. Ely, no Encontro Anual da Associação Econômica Americana (American Economic Association), o economista Raj Chetty (2015) sugeriu que uma implicação importante da Economia Comportamental para a política pública é que ela oferece ferramentas (opções automáticas de escolha entre outras diversas arquiteturas de escolha) capazes de influenciar e eventualmente mudar o comportamento das pessoas. Segundo o próprio autor, tais insights para o desenho de políticas públicas abrem espaço para interferências sutis, que contribuem para melhorar os resultados das políticas e ajudar as pessoas a buscarem o que realmente desejam para si próprias no longo prazo.

O ponto de partida deste artigo é a visão de que a literatura de Economia Comportamental pressupõe uma controversa relação assimétrica entre o conhecimento dos formuladores de política pública e o dos indivíduos alvos das regulações ou intervenções; muitas vezes chega mesmo a subestimar o fato de que os comportamentos dos profissionais do desenvolvimento e reguladores são sensíveis às heurísticas e vieses. Tal perspectiva está alinhada com a excelente revisão da literatura de economia comportamental elaborada por Niclas Berggren (2012). O autor detecta que, em 95.5% dos artigos com recomendação de política, não há qualquer análise comportamental dos burocratas e formuladores de política.

O propósito deste texto é convidar o leitor à reflexão acerca de uma possível lacuna presente na abordagem comportamental de política: a literatura não presta muita atenção para os erros dos reguladores e burocratas. Assim como os alvos das políticas públicas, os homens públicos e oficiais do governo exibem erros sistemáticos de julgamento probabilístico (entre outros, viés de confirmação ou excesso de confiança, distorções das heurísticas de disponibilidade, representatividade e ancoragem) e de tomada de decisão (efeitos de moldura como aversão à perda, efeito dotação e tendência à procrastinação ou desconto hiperbólico). Como consequência disso, algumas das políticas e regulações não estão imunes ao perigo de gerar perdas, ao invés de ganhos, de bem-estar (Viscusi e Gayer 2015).

Mais precisamente, o objetivo é examinar se vale a pena integrar as perspectivas das agendas de pesquisa em Economia Comportamental e Economia da Escolha Pública, para melhor compreender as perspectivas e os desafios do nudge em um mundo no qual o conhecimento é fragmentado e os contratos para a interação humana possuem cláusulas incompletas.

2. Existe espaço para a Economia Comportamental da Economia da Escolha Pública?

A Teoria da Escolha Pública é um arcabouço que se inspira nos insights da economia neoclássica para explicar o comportamento dos indivíduos na esfera do governo (Tullock et al 2002, p. 3). Essa perspectiva assume que as pessoas são sempre as mesmas, motivadas pelos seus próprios interesses, ainda que seus comportamentos possam ser distintos quando estão em ambientes privados ou públicos. Isso implica a visão de que os eleitores, políticos, burocratas e reguladores são como os consumidores que exibem apenas diferentes comportamentos em resposta às diferentes estruturas de incentivos nos variados contextos das escolhas públicas e privadas. De acordo com Phillip Booth,

De uma certa maneira, a Economia da Escolha Pública simplesmente nos pede para formular as mesmas hipóteses sobre o comportamento humano na esfera política e na da análise dos mercados (…) O interesse próprio em operação no sistema político gerará uma falha de governo que pode ser mais dramática do que uma falha de mercado em virtude do poder coercitivo exercido pelo governo e do fato de que o governo não está sujeito a um processo competitivo (Booth 2012, p. 12)

Mais sucintamente, a Teoria da Escolha Pública tende a aproximar o Homo politicus do Homo economicus, e desta forma desafiar a visão de que os indivíduos nos mercados fazem escolhas mais auto-interessadas dos que os formuladores de política, que são movidos apenas por compromissos sociais e normativos.

Vale destacar que a tradicional pesquisa econômica em Escolha Pública não está comprometida com a visão de que as intervenções do governo servem para contornar falhas de mercado resultantes de vieses cognitivos e informação assimétrica. Apesar da literatura fazer uso do pressuposto de que os indivíduos na esfera pública são racionais, existem evidências experimentais e dados não-experimentais de que os julgamentos e decisões dos políticos também são viesados em determinados contextos. Consequentemente, alguns esquemas regulatórios e intervenções do governo podem institucionalizar algumas heurísticas e vieses, ao invés de neutralizar os seus efeitos subótimos, criando assim demandas recorrentes para investidas paternalistas cada vez mais fortes (Viscusi and Gayer 2015).

Em nossa percepção, integrar economia comportamental com teoria da escolha pública nos ajuda a examinar criticamente todo o entusiasmo que acompanha as propostas de intervenções paternalistas nudge e as suas eventuais consequências não intencionais, como ampliação de falhas de regulação, oportunidades de atividades de caça de privilégios (do original, rent-seeking) e fortes interferências nos ambientes decisórios dos indivíduos, que acabam mais cedo ou mais tarde violando importantes valores éticos de autonomia, liberdade de escolha, dignidade e respeito aos agentes e suas preferências heterogêneas.

Heurísticas e vieses ampliam falhas de governo em certos ambientes institucionais

A teoria econômica da Escolha Pública convencional assume que os eleitores são agentes racionais que devotam pouco esforço para processar informação sobre a politica. Isso se deve, em parte, ao fato de que os eleitores auto-interessados consideram os custos marginais de se envolver com a esfera política superiores aos ganhos incrementais associados a tal tarefa. Os eleitores racionais aprendem que existe uma probabilidade baixa de que um único voto seja decisivo para o resultado de uma eleição. Ademais, os eleitores também aprendem que as falhas de governo como rent-seeking e captura regulatória emergem porque os benefícios de determinados projetos dos contextos políticos são concentrados e seus custos são altamente dispersos. Todavia, a economia da escolha pública ancorada no modelo do Homo economicus não consegue explicar acuradamente porque o voto é uma regularidade empírica.

Comportamento eleitoral, preferências sociais e efeito moldura

A abordagem comportamental para a escolha pública compromete-se com a evidência experimental de que os indivíduos “pensam e decidem socialmente”. Em outras palavras, os julgamentos e escolhas dos agentes são fortemente sensíveis às preferências e normas sociais (World Bank 2015). Tal guinada na literatura de economia da escolha pública relaxa a hipótese psicológica irrealista de que os eleitores são guiados apenas pelo seu interesse próprio. Já na década de 1950, intelectuais importantes como Anthony Downs e Paul Samuelson destacam em seus modelos os determinantes sociais do comportamento de voto (Downs 1957, Samuelson 1954).

Em um experimento interessante, Quatrone e Tversky (1988) testaram a hipótese de ilusão dos eleitores. Os pesquisadores conjecturaram que muitas pessoas votam porque acreditam que suas escolhas influenciam as outras pessoas com orientações políticas semelhantes a fazerem o mesmo, algo que torna seu voto de alguma forma decisivo. Quatrone e Tversky argumentam que isso se deve aos efeitos do viés de confirmação e à dificuldade que têm os eleitores de distinguir correlação de causalidade.

Os efeitos de moldura ou enquadramento e as percepções de contextos de perdas ou ganhos relativos também explicam porque os eleitores desaprovam algumas políticas e regulações, como as transferências de renda (por exemplo, Bolsa Família) e leis de segurança social (salário mínimo e seguro desemprego). Baseados em tratamentos experimentais, Chong e Druckman (2007) destacam que os políticos sabem que a aprovação de uma determinada lei trabalhista depende da maneira como ela é apresentada – um dispositivo para promover um maior nível de emprego ou um menor desemprego (Schnellenbach and Schubert 2015).

Fundamentos comportamentais das escolhas dos políticos

A literatura de escolha pública tem o mérito de representar o comportamento dos políticos de um modo menos idealizado, uma vez que eles são tratados como indivíduos em busca da satisfação dos seus próprios interesses. Em virtude da informação assimétrica e da ignorância racional, que permeiam os ambientes políticos, as falhas de governo tornam-se fenômenos previsíveis. Em resposta a isso, a economia da escolha pública recomenda transparência e accountability, para que políticos e reguladores auto-interessados tenham incentivos para se comportar de modo cooperativo, optando por programas e projetos promotores de ganhos de bem-estar para a maioria.

Segundo tal abordagem econômica, uma maneira de controlar o oportunismo ou ação trapaceira dos agentes públicos é tornar a informação mais pulverizada, bem como estabelecer uma punição mais severa para desencorajar alguns padrões de comportamento. Porém, incorporar insights da economia comportamental nos ajuda a melhor compreender porque um canal mais fluido de informação e leis mais rígidas não bastam para promover a cooperação e eliminar a corrupção. Experimentalistas como Aldo Rustichini destacam que incentivos monetários são insuficientes para mudar a percepção dos incentivos por parte dos agentes. Por exemplo, a imposição de uma multa para acabar com comportamento moralmente reprovável não é sempre eficaz, porque os agentes são heterogêneos e alguns deles consideram que uma multa ou punição é o preço ou prêmio de risco a ser pago pelo comportamento oportunista ou imoral (Gneezy and Rusticchini 2000). Além disso, estabelecer custos monetários para comportamentos socialmente indesejáveis traz consequências não planejadas, tais como o deslocamento de motivações intrínsecas pelas extrínsecas entre servidores públicos e representantes do governo. Tampouco podemos subestimar o fato de que os julgamentos e decisões dos políticos são sensíveis a fatores emocionais e cognitivos, capazes de trazer à tona benefícios e custos sociais.

Heurísticas e vieses dos servidores públicos, políticos e reguladores propriamente ditos

A literatura comportamental integrada com a teoria econômica da escolha pública promete contribuir para o avanço do debate contemporâneo sobre política pública e as perspectivas da regulação e intervenções levemente paternalistas. Diferentemente de grande parte da pesquisa de economia comportamental aplicada à política, vale a pena destacar que os burocratas, formuladores de política, são limitadamente racionais, e podem optar por cursos de ação em determinados contextos ou matrizes institucionais que ampliam falhas de governo, abrindo espaço para novas etapas de regulação e controle do comportamento individual capazes de reduzir o bem-estar dos agentes. Certamente tais desafios referem-se a complexas questões empíricas e por isso não possuem soluções ou respostas prontas. Porém, eles reforçam as vantagens do uso do método experimental para diagnosticar os possíveis vieses ou gargalos decisórios (bottlenecks), e sugerir eventuais desenhos e testes de programas para promover melhores resultados. Nas próximas linhas discutimos brevemente alguns exemplos de heurísticas e vieses entre formuladores de política e reguladores.

Como já foi dito, os servidores públicos também recorrem às heurísticas para lidar com tarefas complexas, como selecionar uma estratégia para combater uma doença. Os pesquisadores responsáveis pelo Relatório de Desenvolvimento Mundial de 2015 replicaram o famoso experimento de Tversky e Kahneman (1981) sobre uma epidemia de gripe e encontraram os mesmos resultados. Sob a moldura de ganho, 75% do pessoal do Banco Mundial preferiu a opção de ganho certo (no caso, número definido de vidas salvas) a uma opção de tratamento de doença associada a uma loteria. Todavia, no contexto de perda garantida (morte definida), 66% dos participantes do experimento (todos eles analistas do Banco Mundial) optaram por um tratamento que envolvia uma loteria que poderia salvar algumas vidas, e apenas 34% optaram pela alternativa associada a uma perda certa de pessoas mortas pela doença. Vale salientar que as alternativas de política de saúde são equivalentes em termos de seus payoffs.

Existem vários erros regulatórios resultantes das limitadas competências cognitivas dos formuladores de política pública. Segundo Tasic (2011), reguladores são frequentemente sujeitos ao chamado viés de ação (action bias). O último refere-se à dificuldade que os políticos têm para representar e responder às incertezas e riscos percebidos. Faz sentido prever que algumas decisões de regulação de atividades para mudar comportamentos são consequências de pressões políticas e reações impulsivas. Pensemos no seguinte exemplo: Em resposta a dados empíricos sugerindo a falência parcial de alguns sistemas previdenciários públicos, em algumas nações, associada a rápido envelhecimento da população, os formuladores de política promovem mudanças regulatórias para aumentar a poupança privada de aposentadoria. A despeito de soluções inovadoras baseadas na Economia Comportamental, tais como as contribuições automáticas e escalonadas com opções de saída dos planos de pensão (Thaler e Benartzi 2007), vale destacar que mudanças no comportamento individual de poupança para a aposentadoria em vários países não dependem apenas de regras de contribuição automática, mas também de transformações institucionais radicais no mercado de trabalho e na conjuntura macroeconômica. Outro exemplo de viés de ação ocorre quando estatísticas mostrando o crescimento da obesidade promovem decisões de programas públicos de redução e combate ao sobrepeso que envolvem pagamento de vouchers para incentivar pessoas a mudarem seus comportamentos de consumo de alimentos e exercícios físicos. A literatura comportamental tem oferecido evidências de que intervenções nudge que oferecem incentivos monetários promovem mudanças de comportamento apenas de curto prazo.

O viés de confirmação é também comumente observado entre os reguladores. Ele sugere que, assim como todas as pessoas, os formuladores de política apenas consideram as informações que dão sustentação aos fatores que julgam mais relevantes para explicar ou representar um fenômeno. Por exemplo, as mudanças nas regulações de segurança dos aeroportos após as ameaças terroristas de 2001 foram apresentadas como sendo eficazes para melhorar a qualidade de vida dos passageiros e viajantes. Entretanto, há consequências perversas, como o aumento dos custos da viagem por transporte aéreo. Isso promove a busca de alternativas de deslocamento como o transporte rodoviário, que, a seu turno, vem acompanhado de probabilidades mais altas de acidentes com vítimas fatais.

Rozenblit e Keil (2002) fazem uso de desenhos experimentais para argumentar que a ilusão de profundidade explanatória (illusion of explanatory depth) é parte integrante do viés de confirmação e excesso de confiança. Comumente as pessoas superestimam a sua compreensão de fenômenos complexos e apelam para o conhecimento superficial sobre padrões de fenômenos ou comportamentos, para fazerem inferências sobre a natureza ou essência dos fenômenos. Tal viés também influencia o pensar e o decidir dos reguladores. Sendo assim, os burocratas e experts em política pública devem ficar atentos, pois podem alimentar a ilusão de que o seu conhecimento é suficiente para identificar gargalos comportamentais e desenhar arquiteturas de escolha capazes de ajudar as pessoas a se comportarem como se fossem plenamente racionais. Para ilustrar, consideremos novamente a questão da poupança para aposentadoria. Baseados em vários experimentos de campo e seus resultados robustos, é possível que formuladores de política passem a acreditar que compreendem plenamente porque as pessoas poupam pouco. Em resposta a isso, desenham políticas de poupança de compromisso cujo propósito é neutralizar os efeitos do desconto hiperbólico, viés de status quo e aversão à perda, ajudando assim os indivíduos a satisfazerem seus objetivos de longo prazo. Todavia, vale reconhecer que a decisão de poupança é moldada por vários outros fatores, externos aos indivíduos, que nem sempre podem ser facilmente isolados nos desenhos experimentais, como, por exemplo, padrões culturais e especificidades dos cenários macroeconômicos, também percebidos de maneira distinta entre os agentes.

Ademais, é possível que servidores públicos respondam a alguns incentivos para beneficiar alguns grupos de interesse e aumentar o seu poder de barganha político. Logo, existirá mais espaço para falhas de governo, especialmente quando os nudges forem escolhidos para atender uma agenda política que se propõe a fazer uso estratégico da relação de informação assimétrica entre agentes regulados e reguladores, para desenhar intervenções de baixo custo que retiram o potencial de agência e canal de aprendizado dos indivíduos. Neste caso, as políticas comportamentais que não levam a sério as contribuições da Economia da Escolha Pública correm o risco de subestimar o que Martin Lodge e Kai Wegrich (2016) chamaram de paradoxo de racionalidade do nudge. Nos próprios termos dos autores,

O que é específico sobre o nudge é que esta é uma abordagem que enfatiza a racionalidade, mas que faz pouco ainda para admitir as limitações no seu próprio arcabouço” (Lodge and Wegrich 2016, p. X)

De maneira análoga, Rizzo e Whitmann (2009 a, b) argumentam que, mesmo com formuladores de política completamente racionais, as propostas de paternalismo libertário ou nudge podem resultar em restrições de longo prazo à liberdade individual, desafiando severamente o desejável caráter libertário das intervenções nudge. Se considerarmos que as regulações não ocorrem em um vácuo institucional, podemos imaginar que intervenções inicialmente pequenas, realizadas por experts racionais, podem semear o terreno para investidas fortemente paternalistas ao longo do tempo. Os agentes públicos não estão blindados de novos vieses cognitivos e afetivos, capazes de trazer à tona externalidades e falhas de governo, que em determinados cenários justificam pedidos por intervenções maiores. Não é difícil imaginar, tampouco, como uma mudança sutil na apresentação das alternativas decisórias se transforma em custos que, em seguida, exigem o desenho de arquiteturas de escolha para apagar a saliência de uma determinada alternativa, e subsequentemente proibi-la de modo sutil e engenhoso. Adicionalmente, se os reguladores puderem ser representados como descontadores hiperbólicos, eles tenderão a ignorar os perigos de algumas trilhas escorregadias do nudge ao longo do tempo.

Curiosamente, no encontro anual da Sociedade para o Avanço da Economia Comportamental (SABE, sigla original) e Associação Internacional para a Pesquisa em Psicologia Econômica (IAREP, do original), realizado neste mês de julho na Universidade de Wageningen, Cass Sunstein – o co-autor de Richard Thaler no livro Nudge – reconheceu que possíveis danos aos mecanismos de aprendizado e de auto-regulação dos agentes são fontes de objeção relevantes para o debate sobre políticas públicas que fazem uso dos princípios das intervenções nudge. Para agravar, devemos reconhecer a possibilidade de ocorrência de consequências negativas resultantes do fato de que os reguladores, sob determinadas molduras de ganhos e perdas políticos, podem favorecer alguns esquemas de regulação ou programas de desenvolvimento mais ou menos alinhados com a sabedoria do eleitor mediano, em detrimento de todo o resto.

Com base nos pontos acima tratados, nos parece mais do que hora de fazer “decolar” a pesquisa de Economia Comportamental da Escolha Pública ou Economia Comportamental da Política. Tal programa de investigação oferecerá a chance para pesquisadores avaliarem três grandes e complexas questões. Primeiro, faz-se necessário avaliar com cuidado as falhas de governo associadas com as regulações de mercado, que, na verdade, podem inspirar o desenho e aprovação de leis para minar a competição e atender interesses de grupos específicos politicamente organizados. Segundo, vale examinar alguns preceitos que recomendam o uso de hipóteses psicológicas mais realistas para explicar a tomada de decisão nos diversos ambientes. Finalmente, precisamos detectar circunstâncias ou contextos institucionais em que alguns tipos de nudge, tais como regras de opção automática (default rules), restringem o aprendizado dos agentes e incentivam, ao longo do tempo, regulações e intervenções paternalistas mais fortes. Explicitar tais questões promete enriquecer a própria pesquisa comportamental e nos ajuda a pensar criticamente sobre as possibilidades e limitações do nudging.

3. Observações Finais

Este ensaio buscou examinar brevemente as possibilidades de integrar economia comportamental e escolha pública para nortear uma reflexão mais crítica acerca dos desafios das políticas acompanhadas de intervenções nudge. Pesquisadores e formuladores de política inspirados pela agenda comportamental devem considerar contextos institucionais nos quais as heurísticas e vieses (a que também estão sujeitos) emergem e desaparecem, avaliando criticamente se, como e porque arquiteturas de escolhas promovem padrões de comportamento associados a ganhos de bem-estar individual e social. Tais direções na pesquisa são promissoras e não nos comprometem com a visão de que os burocratas e reguladores têm inquestionavelmente maior conhecimento sobre os gargalos comportamentais e como resolvê-los do que os próprios alvos das políticas públicas.

A análise comportamental da escolha pública nos capacita a perseguir três objetivos. O primeiro é compreender melhor falhas de governo resultantes das hipóteses tradicionais de auto-interesse e oportunismo, que acompanham os ambientes de informação assimétrica e oportunidades de interações com benefícios concentrados e custos dispersos. O segundo é desvendar heurísticas e vieses nos ambientes de escolha pública, e como tais elementos podem ser utilizados para o desenho de políticas ou programas de desenvolvimento de menor custo e ao mesmo tempo maior eficácia. O terceiro é reunir elementos para a comparação de desempenho dos arranjos institucionais mais descentralizados, bem como arquiteturas de escolha para lidar com gargalos decisórios, sem brecar os processos de aprendizado dos agentes que inevitavelmente possuem conhecimento disperso e falível.

Em poucas palavras, a eficácia de intervenções nudge refere-se a uma complexa tarefa empírica, que precisa ser analisada caso a caso. Certamente, a metodologia experimental está sujeita a dificuldades. Porém, os experimentos de campo nos capacitam a identificar recorrentes enigmas de política pública, propor alternativas para resolvê-los e testar contextos em que dispositivos institucionais descentralizados ou arquiteturas de escolha desenhadas ajudam as pessoas (inclusive os políticos) a aproximarem suas ações de intenções. Isso já seria um grande avanço.

4. Referências

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