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A economia comportamental tem trazido um novo olhar para questões que a microeconomia clássica tem dificuldades para explicar. Muitas decisões individuais fogem do que a racionalidade econômica teimosamente tenta nos impor. Por exemplo, muitas vezes ter que decidir rápido e sem pensar muito nos faz piorar a qualidade das nossas decisões.

Nem sempre uma decisão fria, calculada, e ordenada é melhor que uma que foi tomada rapidamente. Além disso, para as situações em que não conseguimos parar para pensar, acadêmicos em ciências comportamentais tem conseguido demonstrar, mediante experimentos, que uma boa arquitetura de decisão pode nos ajudar.

Dentro do grupo de decisões que podem ser melhoradas com base em sua natureza comportamental, aquelas relacionadas à gestão de recursos humanos tem recebido um destaque especial. Os estudos têm focado nos vieses implícitos em duas atividades-chave: a seleção de pessoal, e as políticas de compensação.

Quando nos confrontamos com a tarefa de avaliar uma profissional para contratação ou promoção, tentamos pegar todas as informações possíveis para fazer a melhor avaliação possível. Damos atenção para o que fala e para o que não fala, tentamos deduzir pela forma na que se comporta na conversação se é uma pessoa na qual poderíamos confiar, e julgamos seu caráter ao iniciar fala aparentemente casual sobre a sua vida. Capturamos em 20 minutos um turbilhão de informações que buscaremos sistematizar e contextualizar com as recomendações do head hunter e seus testes psicológicos.

Sem perceber direito, nesse empenho estamos abrindo espaço para que o nosso juízo fique vulnerável frente a grande quantidade de heurísticas que nosso cérebro traz programado. Tais heurísticas, mesmo sendo extraordinariamente úteis em algumas circunstâncias, pioram bastante as nossas competências em outras. Somos sensíveis a critérios de beleza (60% dos CEOs dos Estados Unidos medem mais de 1,80 metros mesmo que somente 15% da população supere essa estatura), inconscientemente premiamos candidatos com similares a nós, e quando um curriculum traz um destaque, tendemos a dar menos ênfase nas outras coisas ruins do candidato. [1]

Várias intervenções têm melhorado a qualidade do recrutamento, e provavelmente a mais simples e poderosa seja a de ter comitês de seleção suficientemente heterogêneos. Porém esse não é o único mecanismo para reduzir os vieses na seleção, como foi apontado em um paper do NBER de 1997 [2]. Nele foi reportado que a prática das orquestras de fazer audições cegas fez aumentar em 50% a probabilidade das mulheres serem escolhidas. O viés de gênero é um dos mais fortes que os humanos possuem, e não tem a ver com as nossas crenças como é frequentemente demonstrado em vários tipos de experimentos. Um simples teste de associação implícita [3] demonstra que palavras como Líder ou Gerente são mais facilmente associadas com homens e palavras como Assistente ou Ajudante são mais facilmente associadas com mulheres. Fazer o teste ao lado de um adulto jovem evidencia como esse viés esta sendo corrigido nas novas gerações, e nos permite ser otimistas quanto ao futuro.

Mas os vieses comportamentais não estão somente presentes no momento da contratação de pessoal. Vários acadêmicos têm trabalhado sobre os efeitos dos diferentes planos de compensação, e quanto eles influenciam a performance.

A racionalidade de um plano de compensação parece linear e sólida: se coloco uma cenoura frente ao burro, ele vai caminhar. Porém nem sempre parece ser assim.

Diversos estudos têm demonstrado que, às vezes, as cenouras não são tão cenouras, e que nós homens não conseguimos nos movimentar procurando nosso bem-estar com a clareza dos burros. Colocar metas e associar a elas prêmios em geral funciona [4]. Mas pode ser menos motivador se não houver feedback ou se o estímulo cair em alguém que já esta muito carregado de trabalho [5], e pode ser contraproducente se os prêmios forem muito altos [6].

Por outro lado, programas de estímulo que não implicam mudanças no esquema de compensações e que fortalecem a identidade, tem provocado mudanças substantivas no desempenho. Num estudo feito a finais dos 90, um grupo de jovens estudantes asiático-americanas foi submetido a um conjunto de testes quantitativos. Um dos grupos foi sutilmente exposto ao fato de serem mulheres, e um outro foi também sutilmente exposto ao fato de serem asiático-americanas. O estudo gerou evidência de que o framing de serem mulheres gerou uma piora nos resultados. Mas o grupo no qual foi salientado o fato de serem asiático-americanas (normalmente associados com melhores desempenhos quantitativos) teve melhores resultados [7].

Uns anos depois um outro grupo de acadêmicos conseguiu os mesmos resultados, mas verificaram que somente eram válidos se o framing fosse sutil.

Uma exposição sutil a estereótipos que facilite a identificação dos indivíduos pode ser tão poderosa como para impulsionar (ou destruir) a performance individual, porém se ela for óbvia consegue acordar a nossa racionalidade e a magia desaparece.

Mas, retornando a questão das cenouras e dos burros, a Economia Comportamental não somente tem demonstrado que nem todo tipo de estímulo funciona, mas também que existe suficiente evidência para afirmar que não é todo tipo de tarefa que pode ser melhorada com um estímulo bem desenhado.

Num estudo de começos dos 80 [8] um grupo de estudantes foi submetido a três tipos de testes matemáticos (simples, médio e complexo) com dois esquemas de compensação (um pago por exercício resolvido corretamente, ou um bônus se conseguissem uma meta).

Nos testes de complexidade simples e médio, o grupo do bônus teve melhor performance que o grupo de pagamento linear. Mas no caso dos complexos, o incentivo teve o efeito contrário. A pressão pelo prêmio não conseguiu estimular as capacidades cognitivas dos estudantes. Ainda mais, ela as destruiu.

No livro The Upside of Rationality, Dan Ariely apresenta mais evidências contundentes sobre essa questão relatando um estudo feito com outros académicos na Índia [9]. Nele, concluíram que na medida que a tarefa requer mais habilidades cognitivas para ser resolvida, é maior a probabilidade que o grande prêmio termine destruindo a habilidade do trabalhador. Mas no outro extremo, na medida que a tarefa seja mais mecânica e simples, maior motivação econômica deveria trazer melhores resultados.

Essas conclusões estão em conflito com os exuberantes planos de compensação dos membros da C-Suite (CEOs, CFOs, CTOs, etc.) das empresas privadas, cujas tarefas não parecem cair na classificação de mecânica e simples.

Muito ainda tem para ser descoberto quanto as condições que nos fazem ser menos racionais que o burro quando tentamos pegar a cenoura. Algumas das evidências colhidas pelos estudos acadêmicos parecem ser suficientemente fortes para nos fazer pensar uma segunda vez sobre como desenhamos os programas de compensação e como fazemos a escolha dos colaboradores. O âmbito das relações de trabalho tem muito para se beneficiar dos insights da Economia Comportamental, e do continuo convite à experimentação que ela faz.


(1) Em diversos estudos foram documentados vieses referidos a altura dos homens. Além da estatística citada por Malcom Gladwell no seu livro Blink, num estudo de 2004 publicado no Journal of Economic Literature, os economistas N. Persico, A. Postlewaite, e D Silverman estabeleceram que o viés de altura pode ser as vezes tão significativo como o racial ou de gênero. (http://economics.sas.upenn.edu/~apostlew/paper/pdf/short.pdf)

(2) ORCHESTRATING IMPARTIALITY: THE IMPACT OF “BLIND” AUDITIONS ON FEMALE MUSICIANS. C. Goldin, C. Rouse. NBER Janeiro 1997 (http://www.nber.org/papers/w5903)

(3) Project Implicit é uma organização não governamental fundada por acadêmicos das universidades de Washington, Harvard e Virginia com o objetivo de sensibilizar quanto aos vieses implícitos. O teste de gênero pode ser feito no seguinte endereço: https://implicit.harvard.edu/implicit/takeatest.html

(4) Tournament test: nas carreiras de NASCAR quanto maior o diferencial entre o prêmio do ganhador e do número 10, maior a velocidade dos corredores (mesmo que maior risco implícito). (Becker and Huselid, 1992 http://markhuselid.com/pdfs/articles/1992_ASQ_Tournament_Paper.pdf)

(5) No seu livro A Theory of Goal Seeking and Task Performance (1990), Locke and Latham apresentam uma completa teoria sobre a fixação de metas e os efeitos sobre o desempenho.

(6) Segundo um trabalho de Ordoñez, Schweitzer, Galinsky e Bazerman (2009), prêmios muito altos podem provocar um desalinhamento de interesses entre a empresa e os trabalhadores através de múltiplos efeitos (foco limitado, comportamentos não éticos, preferências de risco desalinhadas, dano na estrutura organizacional, e redução da motivação intrínseca). Entre muitos exemplos eles colocaram o da loja Sears no começo dos 90 que implementou um sistema de premiação por reparação de eletrodomésticos que terminou provocando que os mesmos empregados quebrassem e consertassem os produtos. (http://www.hbs.edu/faculty/Publication%20Files/09-083.pdf)

(7) O estudo de Shih, Pittinsky, e Ambady (1999) gerou três grupos. Um grupo teve de indicar o seu gênero e responder a perguntas referentes a diferenças de gênero, um segundo grupo teve de indicar sua etnia e responder a perguntas referentes as diferenças étnicas, e um terceiro grupo foi apresentado com perguntas neutras. https://sish.fiu.edu/initiatives/advance-grant/products/2-shih_pittinsky_ambady_identitysaliencequantitativeperf1999.pdf

(8) Mowen, Middlemist, and Luther no paper de 1981 “Joint Effects of Assigned Goal Level and Incentive Structure on Task Performance: A Laboratory Study”. http://psycnet.apa.org/journals/apl/66/5/598/

(9) No Capítulo 1 do The Upside of Irrationality (2010) Dan Ariely relata o experimento que ele, junto a Nina Mazar, Uri Gneezy e George Loewenstein, fizeram na Índia em que distribuíram aleatoriamente tarefas e sistemas de remuneração com grandes prêmios.

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