Como a mudança de comportamento pode salvar vidas?
A partir desta pergunta que nasceu a intervenção que aqui será apresentada. Hoje no Brasil mortes no trânsito representa um dos maiores problemas nacionais, ponto ressaltado no início da pandemia quando foram avaliados o volume de leitos no país. No Brasil 60% dos leitos e 50% dos centros cirúrgicos são ocupados pela enorme quantidade de pessoas vítimas de acidentes de trânsito[1].
Definir o resultado e entender o contexto
Como foco da atuação foi escolhido o perfil de jovens e adultos que fazem uso de bebida no bar e após o consumo de bebida alcoólica.
Tendo como objetivo principal do experimento mudar a opção de retorno para casa deste jovem após ingerir bebida alcoólica, para que ele opte por deixar o carro e escolher outro meio de transporte e como objetivos secundários mudar o comportamento do jovem e dos seus pares por meio da repercussão da intervenção e avaliar se a intervenção utilizando a simulação em um bar é bem recebida pelos jovens.
Construir a intervenção
Com este desafio, salvar vidas no trânsito, como a economia comportamental poderia ser aplicada?
Uma das formas é utilizando o modelo EAST [2] desenvolvido pelo Behavioural Insights Team, que propõe quatro etapas para aplicação, Easy (Fácil), Attractive (Atraente), Social (Social) and Timely (Oportuno).
Foi modelada uma intervenção com o objetivo de apresentar em um bar uma simulação de um socorro de um acidente real e apresentar o custo de um socorro e o custo de uma vida. Nesta intervenção foram levantados dois questionamentos: 1. O público mudaria de comportamento após a intervenção? 2. O público aprova deste tipo de intervenção no ambiente do bar?
Para a intervenção foi selecionado um dos parceiros do Programa que representa autoridade para abordar o público, mas não é associado a punição, pelo 11° ano consecutivo, o Corpo de Bombeiros foi reconhecido como a instituição mais confiável pelos Brasileiros[3]. Uma campanha com a presença do CBMDF tem alto potencial de impacto na conscientização dos motoristas.
Para o desenho da intervenção contamos com dois estudiosos: um focado em Segurança Viária e outro focado em Segurança Viária e Comportamentos. Toda a proposta e os modelos foram validados pelos professores orientadores do Programa, Mestre James Fell[4] da Universidade de Chicago e Doutora Michele Andrade [5] da Universidade de Brasília.
E validado se a intervenção seguia o modelo EAST:
Easy (Fácil): foi aplicada uma mensagem simples para a abordagem dos questionários, uma mensagem clara aumentas as taxas de resposta;
Attractive (Atraente): foi realizada a simulação do acidente com o objetivo de atrair a atenção do público, as pessoas são mais propensas a fazer algo que atria a atenção;
Social (Social): foi utilizada as mídias sociais dos parceiros e uma # para a ação, gerando engajamento do público no momento da ação e repercutindo com os seguidores;
Timely (Oportuno): foi realizada a abordagem quando as pessoas estavam mais receptivas, logo após o resgate da vítima. Uma mesma abordagem em momentos diferentes podem ter níveis diferentes de receptividade.
A intervenção
No bar parceiro da intervenção os garçons entregavam o questionário de avaliação para medir qual a situação atual e o mesmo questionário foi entregue pós-intervenção para mensurar o % de pessoas que mudaram o meio de transporte para voltar para casa, em razão de ter consumido bebida alcoólica. A aplicação do questionário pelo próprio garçom do bar teve como objetivo tirar qualquer dúvida do consumidor
O Socorro
No horário de pico do bar um acidente foi simulado na via ao lado do público e uma ação de resgate é acionada e a equipe de bombeiros chega ao local e começa a ação de resgate desde a abertura do carro até o atendimento da vítima e condução à ambulância, toda a operação de socorro foi realizada na frente do bar como pode ser visto no vídeo abaixo e no detalhe da matéria[6].
Pós resgate
Após o resgate os bombeiros abordaram os consumidores do bar e explicaram que o resgate se tratava de uma simulação e uma ação de conscientização dos impactos no trânsito quando se escolhe beber e dirigir e entregaram a conta ao consumidor.
O objetivo da conta foi apresentar os impactos que um acidente pode trazer desde o custo para o governo, quanto para a própria pessoa sobrevivente e o mais importante, reforçar que o custo de uma vida perdida não tem preço e este valor é inestimável e irrecuperável.
Posteriormente o questionário inicial foi novamente entregue para avaliar a mudança de comportamento imediata e um novo questionário sobre a aceitação do tipo de intervenção foi entregue.
Avaliar
Na primeira avaliação 44% das pessoas que informaram o consumo de bebida alcoólica informaram que iriam voltar para casa dirigindo, após a intervenção este número foi para 25%.
Apresentando uma mudança imediata de 19 p.p.
Sobre o questionário que avalia a aceitação do público quanto à intervenção 94% dos frequentadores se sentiram impactados pela ação e quase 80% aprovam ações desse tipo em ambientes de bar como forma de conscientização. Sendo possível alcançar os objetivos principal e secundário.
Com a simulação do acidente foi possível aplicar o viés do presente, trazendo à realidade um fato distante sobre as consequências do beber e dirigir.
Com a aplicação da conta foi possível aplicar a aversão a perda, trazendo um custo futuro ao valor presente.
Com a repercussão, nas mídias e com a experiência dos que ali estavam espera-se a aplicação da heurística da representatividade, próxima ida ao bar, próxima vez que vir um socorro do corpo de bombeiros, que venha à memória os riscos de beber e dirigir.
Aprender e Adaptar
Com foco de iteração do experimento é possível identificar oportunidades de melhoria, algumas das melhorias foram levantadas na construção da intervenção, porém não viabilizadas.
Oportunidade de avaliar quantos participantes da pesquisa que beberam e dirigiram votaram na opção de outro meio de transporte pós intervenção e que de fato fez uso de tal, para isso uma infraestrutura de câmera no bar seria suficiente e identificar as respostas de cada participante. Por não termos a infraestrutura de câmeras, optamos por não acompanhar as pessoas para não gerar uma reação negativa, por se tratar de um tema delicado a opção de manter a pesquisa anônima e a entrega dos questionários pelo próprio garçom reduz a intimidação dos participantes.
Outra oportunidade para aprimorar os resultados é aplicar a intervenção em um bar e ter outro bar como grupo controle, sem a simulação do resgate e sem a entrega da conta, aplicando apenas o questionário, assim o resultado terá maior rigidez e representatividade.
Parceiros
Esta intervenção foi desenvolvida dentro do Programa Brasília Vida Segura e contou com o envolvimento do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, o 11° Batalhão do Corpo de Bombeiros do Lago Sul, o 5° Batalhão do Polícia Militar do Distrito Federal, o Detran do Distrito Federal, a Cruz Vermelha no Distrito Federal, a maquiadora Fabiana Sena e o Oficina Bar, todos integrados na missão de salvar vidas.
Eu enquanto Economista Comportamental e consultora do Programa Brasília Vida Segura, posso dizer que mudar comportamentos salva vidas e que a economia comportamental pode sim ser usada nesta causa.
Para saber mais
Mídias
https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/brasilia-vida-segura-cbmdf-faz-intervencao-sobre-males-do-alcool-e-direcao-em-bares-da-capital/ – Acesso 13/11/20
http://semob.df.gov.br/brasilia-vida-segura-faz-acao-em-bares-do-df/ – Acesso 13/11/20
https://www.instagram.com/p/CHi86L1A1kL/ Acesso 13/11/20
Referências
[1] https://www.mobilize.org.br/noticias/12042/menos-transito-menos-acidentes-mais-hospitais-livres.html
[2] https://www.bi.team/wp-content/uploads/2015/07/BIT-Publication-EAST_FA_WEB.pdf
[3] https://www.bombeiros.go.gov.br/noticias/140275.html
[4] https://www.norc.org/Experts/Pages/james-fell.aspx
Ana Carolina Guimarães – Há 10 anos atuando com Gestão para Resultados, atualmente na Consultoria Falconi. Tenho um olhar para Economia Comportamental voltado para aplicação aos negócios. Engenharia Agrícola e Administradora por formação e Mba em Economia Comportamental.