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Quando estudamos o comportamento do consumidor é difícil focar em uma única variável, pois existem inúmeros pontos que podem, e vão, influenciar a tomada de decisão do cliente na hora de adquirir um bem ou serviço. Isso pode ser um tanto quanto frustrante para quem espera uma resposta de um economista comportamental do tipo causa e efeito: “Faça assim, que seu cliente irá agir desta forma”. É por isso que existem os experimentos. Se bem desenhados para o seu público eles podem trazer insights super importantes para o seu negócio. 

Mas vamos falar das peculiaridades, aquelas que não nos deixam generalizar o fenômeno com facilidade. Aqui não é possível fazer uma lista extensiva pois este é assunto que caberia em um livro. O que poderia então influenciar a decisão de consumo de um indivíduo e influenciar sua decisão no momento da compra? 

Uma das teorias mais famosas sobre motivação é a de Maslow e sua pirâmide de necessidades. Apesar de questionável, ver Lieberman (2014) e Suomi e Leroy (1982), ela serve para ilustrarmos a primeira variável que irei falar. Para Maslow as necessidades dos seres humanos passariam por uma hierarquia iniciando das necessidades fisiológicas (comer, dormir, sexo) até a autorrealização. Neste caminho passaria por outras necessidades como segurança, por exemplo. Assim antes da autorrealização as pessoas deveriam satisfazer necessidades fisiológicas para aí então caminhar para outras etapas.

O momento de uma compra envolve a avaliação do produto e o valor que ele possui. Essa avaliação pode variar de quando iremos receber o produto e quando iremos pagar. São mediações feitas pela nossa cabeça que envolvem as famosas escolhas intertemporais. Apesar de muitos estudos serem voltados para o nível de impulsividade ou paciência do indivíduo, e tudo se resumir a uma variável,   essa variável não envolve questões como a necessidade fisiológica: fome, por exemplo. A questão é que,  como informado por Frederick, Loewenstein, & O’donoghue  (2002),  o fato de o sujeito estar com fome pode fazer ele descontar mais o valor futuro de algo, e consequentemente ser mais impulsivo. Uma peculiaridade fisiológica de momento, ficando difícil de generalizar. 

Caminhamos um pouco mais e vamos para algo tão individual, como sentir fome, e que só pode ser percebido pelo indivíduo. A memória. Ela será algo seu, individual. Você pode até ter vivido momentos marcantes com aquele amigo de infância, mas cada um lembrará de uma maneira. Até mesmo porque a experiência vivida por cada um possui uma narrativa diferente para os indivíduos (Kahneman & Riis, 2005).

Um experimento interessante proposto por Zauberman, Ratner & Kim (2009) nos diz um pouco de como nós agimos em relação a nossa memória. Ele mostrou que alguns momentos que vivemos acabamos por nos apegar e costumamos evitar vivenciar aqueles momentos de novo como forma de proteção da memória. E ainda mostrou mais, que tendemos a nos apegar a souvenir de determinadas memórias como recurso de lembrança. Uma ótima notícia para vendedores de produtos em aeroportos, e um cuidado maior para o agente de viagem não repetir histórias marcantes nas vidas dos clientes. E como pode-se ver, isso é algo extremamente individualizado.

Outro ponto importante está na pós-venda. A dissonância cognitiva é um conceito proposto por Leon Festinger (1957) em que dizia que duas crenças que não são complementares podem coexistir dentro da mente do indivíduo, porém ele precisa justificar o fato para que elas sejam assimiladas. Após a compra de um produto o indivíduo pode encarar a dissonância: “Será que eu precisava? Estava economizando” com “Eu mereço, o produto é de alta qualidade” as duas crenças incompatíveis dependem muito da capacidade do indivíduo de racionalizá-las. E isso é um fato extremamente individualizado. Uma boa pós venda feita pela empresa, ligando para saber se gostou entre outros, pode auxiliar a diminuir isso pois gera mais argumentos favoráveis à compra. Porém não podemos esquecer que para racionalizar ainda ficamos à mercê da capacidade individual de cada um, ou seja, ainda dependemos de questões particulares.

Para mitigar essas sutilezas um dos pontos é a importância de um experimento com amostragem suficiente e que as peculiaridades sejam diluídas em um N significativo. Mas novamente: uma resposta pronta é sempre difícil de dar, pois como falado aqui, algumas individualidades podem separar e muito um momento de consumo com um momento de poupar.

 

Referências 

 

Festinger, L. (1957). A theory of cognitive dissonance (Vol. 2). Stanford university press.

Frederick, S., Loewenstein, G., & O’donoghue, T. (2002). Time discounting and time preference: A critical review. Journal of economic literature, 40(2), 351-401.

Seay, B., Hansen, E., & Harlow, H. F. (1962). Mother‐infant separation in monkeys. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 3(3‐4), 123-132.

Kahneman, D., & Riis, J. (2005). Living, and thinking about it: Two perspectives on life. The science of well-being, 1, 285-304.

Lieberman, M. D. (2014) Social: Why our Brains Are Wired to Connect. Broadway Books.

Suomi, S. J., Leroy, H. A. (1982) In Memorian: Harry F. Harlow (1905-1981). American Journal of Primatology. 319-342.

Zauberman, G., Ratner, R. K., & Kim, B. K. (2009). Memories as assets: Strategic memory protection in choice over time. Journal of consumer research, 35(5), 715-728.

 

Rafael Jordão – Psicólogo formado pela Universidade de Uberaba, possui MBA em Economia Comportamental pela ESPM, é mestrando em psicobiologia pela USP-RP na linha de comportamento econômico. Contribui para o site Geekonomics, Jornal da Manhã e Economiacomportamental.org, possui interesse em escolha intertemporal, tomada de decisão em gestão e nudges principalmente voltado para políticas públicas e saúde. Atualmente é psicólogo organizacional na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e professor de Economia Comportamental em pós graduação de Gestão de Pessoas. @rafael.jordao

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