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A imperativa busca de maneiras efetivas para lidar com a pandemia da Covid-19, mais do que um nudge, foi um vigoroso empurrão para que as ciências comportamentais apresentassem suas contribuições ao enfrentamento dessa crise global. O início da jornada começou com o polêmico posicionamento do governo britânico, que adiou a adoção de medidas rígidas de distanciamento físico com o argumento – alegadamente baseado em evidências científicas – de que seria difícil manter tais medidas devido à fadiga comportamental. A reação da comunidade de cientistas comportamentais foi imediata, com uma carta aberta assinada por cerca de 700 especialistas questionando a falta de evidências para embasar tal posição.

Na sequência, as ciências comportamentais aportaram contribuições preciosas para o entendimento dos problemas associados ao comportamento humano na pandemia e para a proposição de estratégias de ação. A atuação de organismos multilaterais (como o Banco Mundial, o BID, a OMS, a OCDE e a União Europeia), de organizações como o BIT e o IDEAS42 e de universidades e centros de pesquisa tem sido intensa e oportuna. Uma miríade de publicações e eventos (potencializados pelo novo normal dos encontros virtuais, que multiplicaram a oferta e a capacidade de ampliar a participação das pessoas sem as restrições de viagens, deslocamentos etc.) quase nos causa vertigem, pela velocidade e quantidade de informação gerada e disseminada. 

Diversos problemas associados à pandemia despontam como excelentes candidatos a uma solução comportamental. A princípio, não haveria motivos para as pessoas não lavarem corretamente suas mãos ou não usarem máscaras, ou ainda para não manterem uma distância adequada umas das outras sempre que possível para evitar a transmissão do vírus. Também seria de se esperar que as pessoas busquem vacinar-se assim que essa cada vez mais próxima alternativa esteja de fato disponível. 

Contudo, como sabemos, as coisas não são assim tão simples. Seja por falta de atenção, por estarem com suas bandas mentais sobrecarregadas, pelo excesso de otimismo, pela dificuldade de mudar hábitos arraigados, pela tendência a subestimar os benefícios futuros (e incertos) de pequenos custos imediatos, as pessoas podem deixar de seguir as orientações das autoridades sanitárias e que elas mesmas considerariam o melhor curso de ação. Por outro lado, devido a seus modelos mentais, à norma corrente em seus grupos sociais relevantes, a informações equivocadas e outros fatores, as pessoas podem não concordar com as práticas preconizadas pelo conhecimento científico. 

 

Ciências Comportamentais em apoio à pandemia

 

Um excelente material para situar a complexidade e interrelação entre as diversas dimensões comportamentais da pandemia e possíveis linhas de ação para seu enfrentamento é o artigo “Using social and behavioural science to support COVID-19 pandemic response”, publicado pela Nature Human Behaviour (https://www.nature.com/articles/s41562-020-0884-z, acessado em 16/12/2020) e assinado por Jay Van Bavel e mais 41 colaboradores. 

No referido texto, são destacados seis tópicos comportamentais essenciais para uma melhor compreensão dos desafios colocados para o enfrentamento da pandemia: fatores associados à percepção da ameaça; a importância de considerar-se o contexto social e aspectos políticos e culturais específicos; o desafio de comunicar o estado atual do conhecimento científico de forma rigorosa e ao mesmo tempo acessível e persuasiva; o gerenciamento de eventuais conflitos entre interesses individuais e coletivos; o papel das lideranças para fomentar engajamento e confiança no caminho a ser seguido; e a importância de se mitigar as situações de estresse e perdas resultantes da pandemia.

Alguns temas transversais a esses tópicos merecem destaque. Em ambientes de desigualdade social e de polarização política, é mais difícil implantar as soluções coletivas necessárias à superação dos desafios impostos pela pandemia, tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico. As lideranças têm a grande responsabilidade de promover a coesão social e a confiança da população nas instituições e em sua capacidade para implementar estratégias baseadas nas melhores evidências disponíveis.  

Os autores concluem o artigo abrindo o escopo da contribuição das ciências comportamentais, não apenas para a atual emergência sanitária global, mas para eventuais outras que venhamos a enfrentar: “ações urgentes são necessárias para mitigar os efeitos potenciais e devastadores de COVID-19, ações que podem ser embasadas nas ciências comportamentais e sociais. Entretanto, muitas implicações listadas aqui podem também ser relevantes em futuras pandemias e crises de saúde pública”.

 

Professor Covid

 

Para além de úteis no contexto de uma provável nova pandemia, talvez a aplicação mais importante de nossos aprendizados a duras penas obtidos com a COVID-19 seja no equacionamento de problemas complexos ainda mais graves. Em conferência recente, realizada no encerramento da Semana de Inovação 2020 (promovida pela Enap e parceiros em novembro), Jared Diamond nos apresenta o “Professor Covid”. Este nos ensina que a resposta à crise demanda cooperação em larga escala e ações orientadas pelo conhecimento científico. Com seu otimismo cauteloso, Diamond argumenta que podemos ter um balanço positivo dessa trágica pandemia se aplicarmos o que aprendemos para enfrentarmos o aquecimento global, o esgotamento de recursos naturais e a desigualdade social.

 

Se formos capazes (como sociedades e, em última instância, como espécie) de incorporar as lições do Professor Covid para atuarmos de forma cooperativa no gerenciamento desses graves desafios globais, o ano de 2020 não terá sido em vão. E 2021 poderá nos apresentar uma perspectiva mais alvissareira para lidarmos com a presente crise e com as próximas que se apresentarem. Que 2021 seja um ano melhor!

 

 1“Urgent action is needed to mitigate the potentially devastating effects of COVID-19, action that can be supported by the behavioural and social sciences. However, many of the implications outlined here may also be relevant to future pandemics and public health crises” (p.476).

 

 

Antônio Claret Campos Filho é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental  do  Ministério da Economia, ocupou diversos cargos na Administração Pública. Atualmente, é vinculado à ENAP, onde ministra cursos e participa de projetos relacionados à aplicação das Ciências Comportamentais a Políticas Públicas.

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