A Economia Comportamental: um novo olhar para o ser humano – Revista da ESPM • ano 21 • edição 98 • no3 • maio/junho 2015
Ainda pouco explorada no Brasil, e cada vez mais consolidada no exterior, seus estudos podem ajudar a melhorar as escolhas do ser humano nas mais diversas esferas
Pense sobre a última vez que você decidiu assinar uma revista ou jornal, inscrever-se em uma academia, comprar um produto de poupança ou um simples televisor. E quando tomou uma decisão pensando no bem-estar do próximo, economizou água ou simplesmente respondeu a um favor?
Você lembra o que pesou na sua decisão naquele momento? Quanto tempo demorou para decidir? O que acha que o influenciou bem ali?
Os economistas comportamentais (também chamados de cientistas comportamentais) têm abraçado o desafio de propor uma nova forma de olhar para estas, e muitas outras perguntas, ao buscar um entendimento mais profundo das influências comportamentais conscientes e inconscientes que agem quando fazemos escolhas. Mais ainda, como pequenas nuances em um contexto podem alterar completamente o resultado de escolhas simples que tomamos no nosso dia a dia.
A economia comportamental propõe uma visão mais realista da natureza humana. Assim, além de fornecer ferramentas poderosas para entender mais a fundo os consumidores, vai mais longe ao investigar fatores como bem-estar, o poder dos outros, altruísmo, reciprocidade, pobreza, entre outros.
As suas pesquisas utilizam como ferramenta principal experimentos controlados. Assim, pode-se observar o comportamento do ser humano frente a pequenas variações na forma pela qual uma escolha é apresentada, em seu contexto ou em outras variáveis muitas vezes ignoradas.
Para dar uma ideia mais clara do que seria um experimento, vejamos um caso simples e interessante citado pelo professor da Duke University, Dan Ariely, em seu livro Previsivelmente irracional (Editora Campus, 2008). Segundo o autor, a ideia surgiu quando ele notou que a revista The Economist estava oferecendo três opções de assinatura para clientes: uma assinatura digital da revista por US$ 59; uma da revista impressa por US$ 125; e um combo da assinatura digital e da revista impressa por US$ 125. Afinal, por que a The Economist ofereceria a opção apenas com a revista impressa?
Para entender mais a fundo a estratégia, ele convocou alguns estudantes do MIT para um experimento em laboratório. Separou aleatoriamente dois grupos. Para o primeiro ofereceu a versão da própria The Economist com as três opções (digital, impressa e combo). E para o segundo grupo retirou a opção do meio, oferecendo apenas a versão digital e o combo.
O resultado foi impressionante. No primeiro caso, 16% escolheram a opção digital e 84% o combo. Já no segundo exemplo, em que se omitiu a opção do meio, 68% foram para a opção mais barata da assinatura digital e apenas 32% compradores escolheram o combo.
Nos estudos de economia comportamental, é muito comum vermos desenhos simples como esse trazerem resultados reveladores.
Nesse caso, por exemplo, as preferências do indivíduo são alteradas de forma decisiva, apenas com a adição de um novo produto, a assinatura exclusivamente da revista física. Extrapolando para diversos outros casos, o que vemos é que mesmo o indivíduo preferindo o produto A ao produto B, a adição de um produto C pode fazer com que a ordem de preferência mude completamente e então o produto B seja preferível ao produto A.
Esse fenômeno acontece normalmente quando a terceira opção é dominante de forma assimétrica. A é melhor. que B em um atributo, mas não tão bom em um segundo atributo. E o produto C é normalmente chamado de isca, pois é colocado apenas para deslocar as escolhas entre as outras duas opções.
Como falamos antes, a economia comportamental vai muito além do uso para estratégias de marketing. Nos últimos anos, os seus estudos têm colecionado evidências empíricas substanciais de que somos muito menos “racionais” do que imaginamos.
Observa-se frequentemente que pequenas mudanças, ou até fatores imperceptíveis a priori pelo tomador de decisão, podem influenciar muito mais do que ações custosas baseadas em incentivos financeiros ou programas de conscientização.
Assim, seja em um contexto de compra ou para promover mudanças positivas no dia a dia das pessoas — que podem gerar mais bem-estar, saúde e tranquilidade financeira —, os estudos da economia comportamental movem o nosso olhar para detalhes antes desconsiderados.
Muitas vezes, pensamos em grandes soluções quando surge um problema ou quando criamos um produto, mas frequentemente vemos que os melhores resultados estão nos detalhes.
As pesquisas em economia comportamental têm mostrado o enorme impacto que podem gerar pequenas mudanças das mais diversas formas: no contexto em que a escolha está inserida; na forma como ela é apresentada; evidenciando como os outros agem naquele contexto; se é fácil ou não tomar aquela decisão; se naquela circunstância é mais confortável se manter na opção padrão ou status quo; enfatizando ou criando um ponto de referência; enquadrando a escolha como perda ou ganho; trazendo a decisão para um momento que tentação ainda não está na jogada; ou o contrário; entre outros.
Mais ainda, observa-se sistematicamente que as nossas decisões são muito menos deliberativas, lineares e conscientes do que gostaríamos de acreditar. Segundo o professor Daniel Kahneman, podemos dividir a nossa forma de pensar em dois sistemas: sistema 1 e sistema 2.
O sistema 1 é um pensamento rápido e instintivo, sem esforço, emocional, associativo, difícil de controlar. Já o sistema 2 é consciente, exige raciocínio, lento, trabalhoso, usado para tarefas exigentes e complexas.
O ponto-chave é que a maioria das nossas decisões são tomadas pelo sistema 1. As pessoas evitam esforço cognitivo e muitas vezes confiam em um julgamento plausível que rapidamente vem à mente. O sistema 2 é “preguiçoso” e na maioria das vezes não entra na jogada.
Dessa forma, ao entender melhor como todos esses fatores muitas vezes ignorados influenciam as nossas escolhas, pode-se construir estratégias de marketing mais efetivas, assim como produtos e ações que realmente ajudam os indivíduos a fazer “as melhores escolhas”, maximizando o seu bem-estar.
Nesse contexto, surge a economia comportamental e seus estudos experimentais para oferecer uma forma diferente de olhar para os indivíduos (e consumidores). Não há dúvida de que muitos dos seus conceitos já tenham sido aplicados há anos na área de marketing e publicidade. Porém suas metodologias e abordagem sistemática trazem novas perspectivas para a construção de estratégias mais efetivas ao reunir diversos fatores cruciais que agem num momento de decisão, em um mesmo campo de pesquisa.
Uma nova forma de observar
A economia comportamental, em seu cerne, é uma ciência experimental, por isso muitas vezes somos chamados de cientistas de jaleco branco, não muito diferente daqueles que vemos manipulando vários compostos químicos em um laboratório.
Experimentos nas ciências comportamentais podem ser conduzidos em laboratório, em campo (no mundo real), com ferramentas da neurociência, entre outros. Outras ferramentas, como surveys e big data, podem ser usadas de forma complementar ou separadamente, para enriquecer os dados e aumentar seu nível de precisão e alcance.
Em linhas gerais, em um experimento testam-se diversos cenários, simultaneamente, com indivíduos escolhidos de forma aleatória no grupo que se quer investigar. Sempre que possível, são utilizados grupos de controle que não sofrem qualquer tipo de intervenção.
Além disso, usualmente manipula-se apenas uma variável, ou pouquíssimas, entre os diferentes cenários testados com o objetivo de isolar o efeito que está sendo estudado. Muitos são também incentivados financeiramente para tornar a decisão o mais real possível. Um bom experimento requer um desenho e planejamento criterioso, assim como a adoção de alguns protocolos não só no desenho, como também na condução e avaliação de resultados.
A ascensão da área
Nas últimas duas décadas, a economia comportamental e suas aplicações empíricas têm vivido seu auge, ganhando cada dia mais destaque, tanto no meio acadêmico quanto em áreas como marketing, sustentabilidade e políticas públicas.
Apesar de os primeiros estudos sobre o que atualmente chamamos de economia comportamental terem surgido na segunda metade do século 20, e continuarem a ser amplamente analisados até hoje, vários fatores têm contribuído para a ascensão dessa área.
Um marco importante para a área foi a escolha do psicólogo israelense Daniel Kahneman para receber, ao lado do economista Vernon Smith, o Prêmio Nobel de Economia de 2002 por seus estudos que forneciam uma visão integrada da psicologia na economia e utilizavam uma abordagem experimental. Também importante foi a premiação de Vernon Smith por consolidar o uso de experimentos em laboratório como ferramenta para estudos empíricos em economia, principalmente para mercados e leilões.
Outro divisor de águas foi o lançamento de livros didáticos e acessíveis sobre os estudos da área, que alcançaram rapidamente as listas de mais vendidos. Encabeçam a lista: Rápido e devagar — duas formas de pensar (Editora Objetiva, 2012), escrito pelo próprio Kahneman, que pode ser considerado uma das grandes referências que temos atualmente sobre o assunto; Nudge — o empurrão para a escolha certa (Editora Elsevier, 2008), do economista Richard Thaler, da University of Chicago (considerado também um dos pais da economia comportamental) e do advogado Cass Sunstein, da Harvard Law School; e Previsivelmente irracional (Editora Elsevier, 2008), de Dan Ariely, professor da Duke University, que — com uma abordagem divertida e irreverente — foi a porta de entrada para muitos leigos e amantes da área, tanto no mundo dos negócios quanto em áreas não diretamente relacionadas.
Assim, nos últimos anos, começamos a vivenciar a consolidação da área internacionalmente. Um exemplo foi o World Development Report 2015, do Banco Mundial, intitulado Mind, Society and Behavior, que foi totalmente dedicado à economia comportamental e experimental em países em desenvolvimento.
Outro exemplo foi a dimensão que o Behavioural Insights Team (BIT) — fundado em 2010 na Inglaterra e ligado diretamente ao governo — tomou ao propagar o uso da metodologia experimental para construção e análise da efetividade de políticas públicas. Dinâmica que serviu de inspiração para a fundação de diversos grupos de pesquisa similares em todo o mundo.
Já na área de negócios, renomadas consultorias e agências de publicidade têm adotado, publicamente, seus conceitos e ferramentas. Novas consultorias especializadas são criadas a todo instante. E grandes empresas têm investido em áreas exclusivamente com esse foco.
Além disso, atualmente, as principais universidades do mundo oferecem programas específicos de economia comportamental, diversos laboratórios de pesquisa foram criados em grandes centros. Observa-se ainda uma explosão de papers em periódicos renomados e suas teorias estão em rápida evolução.
No entanto, nem tudo são flores… A área ainda apresenta grandes desafios a serem superados. Transformar resultados rigidamente controlados em soluções aplicáveis no mundo real nem sempre é fácil. Um debate sempre presente é se resultados de experimentos em laboratório, ou em campo, podem ser transpostos para o mundo real.
Além disso, a implementação de laboratórios e departamentos com esse foco requer um investimento considerável e profissionais ainda raros no mercado para gerar resultados confiáveis e replicáveis.
Se nos Estados Unidos e na Europa — onde a área está no auge e bem mais consolidada — essas questões e barreiras de entrada ainda são um desafio, o cenário fica ainda mais crítico quando falamos de países como o Brasil, onde a área é praticamente desconhecida e há, ainda, uma enorme dificuldade em angariar fundos para laboratórios e estudos experimentais.
Um desafio que está na hora de encararmos de frente e com determinação, afinal evidências não faltam que o Brasil tem muito a se beneficiar com seus estudos e aplicações, em todas as esferas.
Flávia Ávila
Professora do curso de economia comportamental EAD da ESPM, do MBA em Economia Comportamental da ESPM, fundadora do site EconomiaComportamental.org e da consultoria InBehavior Lab
Para ver o Artigo Original: acesse aqui
EXTRA: entrevista exclusiva com Professor Daniel Kahneman
Maria Bernardete Guimaraes
Incrível, muito legal o artigo. Não conhecia esta ciência, fiquei impressionada com esta área. O estudo do comportamento dos eleitores, por exemplo, pode ser muito útil. Parabéns.
Maria Bernardete Guimaraes
Incrível, muito legal o artigo. Não conhecia esta ciência, fiquei impressionada com esta área. O estudo do comportamento dos eleitores, por exemplo, pode ser muito útil. Parabéns.
Pode ser útil para políticas públicas e seus indicadores.
Maria Bernardete Guimaraes
Pode ter inúmeras aplicações:
Qual o comportamento após uma determinada política ter sido implantada em determinado local. Se foi útil e se ocorreu uma melhoria significativa naquele local. Se o custo da implantação foi positivo . Quais os melhores indicadores pra esta politica , qual a melhor forma e momento pra implantar está política pública. Analisar os avanços ao longo dos anos na melhoria da qualidade de vida devido a implantação desta política. E que políticas públicas são melhores pra um determinado local e sua população.
Maria Bernardete Guimaraes
Existe uma carência no setor público de pesquisas que forneçam dados sobre o público que recebe estes serviços. Se a qualidade no serviço público é fundamental devemos investir em pesquisas que dêem um retrato do cliente, o que ele deseja do governo . O marketing usa esta ciência para analisar e atingir seu público melhor, assim deve ser a área de planejamento do setor público também. Inúmeras são as aplicações, resta divulgar melhor.
Flávia Ávila
Oi Bernardete, obrigada! Existe sim essa carência e inúmeras aplicações por isso essa área pode beneficiar tanto as pessoas e diversos setores. Um dos principais: o Governo.
Que a área vá ganhando cada vez mais espaço para dar luz aos seus estudos e metodologias para cada vez mais estudos nacionais surgirem por aqui para analisar e comparar o comportamento dos brasileiros mesmo nos experimentos mais simples.
E continua contribuindo com a gente e as ideias serão muito bem-vindas!
maria bernardete guimarães
Obrigada por disponibilizar material em pdf para download, ler possibilita compreender um pouco mais desta ciência.
Penso que a economia comportamental pode auxiliar muito as questões ambientais, afinal temos uma grande carência de saber como incluir os produtos mais ecológicos no dia a dia das pessoas e como elas recebem estes novos produtos.
Um exemplo são os móveis antigos e que são reformados e pintados , por exemplo. Relíguias, mas não muito absorvidos ainda pelo mercado consumidor, afinal o “novo” é que é valorizado.
Para reutilizar, reciclar e recuperar qualquer objeto é necessário ter conhecimento do mercado e de como será absorvido para investir tempo e capacitação . Afinal esta pesquisa do comportamento do consumidor faz toda a diferença para novos empreendedores deste novo mercado. Assim como artesões que trabalham com materiais
que são resíduos (madeira, metal, sementes), enfim é necessário conhecer este consumidor e como ele se comporta com estes novos materiais, como agregar valor no material para despertar neste consumidor e no empreendedor vontade de novos investimentos. Ou artesão que trabalha com materiais mais ecológicos para confecção de objetos. Como o mercado recebe este profissional? O mercado está pronto para pessoas criativas e novos produtos que surgem?
Afinal pode ser uma pesquisa que resulte em melhor qualidade de vida pra todos.
maria bernardete guimarães
Outra contribuição é na área das embalagens. Cada vez mais estas estão sendo um fator que diferencia os produtos e diferencia as escolhas dos consumidores. Produtos com mesma composição mas com embalagens melhores são escolhidos . Não apenas o preço ou a qualidade mas a embalagem tem um poder de venda .Assim o empreendedor está investindo em marketing para esta roupa do produto, que tem um custo alto e gera resíduos , muitas vezes difíceis de dar um destino apropriado. Perfume, por exemplo, ou cosméticos tem esta característica. Quem não já se apaixonou por um lindo frasco de perfume? E o que fazer com o vidro depois dele terminar? Lembro que já colecionei vários … Este mercado de marketing para as embalagens dos produtos cresce a cada dia e diferencia muito os produtos, alguns sem qualidade mas com belas embalagens conquistam o consumidor.Pelo menos da primeira vez….
Ohanna Fraga
Gostaria de parabenizar a professora Flávia Ávila pelo artigo. Conseguiu mostrar em poucas linhas, dado a grandeza da área, o que a economia comportamental faz de melhor. Me interesso muitíssimo pelo tema e inclusive foi um dos determinantes para eu escolher fazer a faculdade de Economia. Estou próxima de concluir meu curso e minha monografia será nessa área. Parabenizo o site e os demais colaboradores que me guiam bastante na leitura de artigos e livros importantes para o enriquecimento do meu conhecimento e da minha monografia. Que continuem divulgando essa área, pois aos jovens de hoje, precisamos mostrar que a economia não se vale apenas de modelos, mas que acima de tudo, ela lida com seres humanos.
Flávia Ávila
Muito obrigada Ohanna!
Ficamos muito felizes com seu comentário, por estar ajudando de alguma forma e, principalmente, por ser mais uma nos ajudando a pesquisar e desenvolver a área no Brasil!
Agradeço em nome de todos os professores envolvidos na iniciativa! E seja bem-vinda! Comente e de dicas sempre que puder!
Grande abraço!
Flavia
Gabriela Teixeira
Impressionada com essa possibilidade de um mundo melhor que estou descobrindo.
Muito feliz, motivada e realizada em fazer parte da II turma de MBA de Economia Comportamental da ESPM.
Tenho certeza que me tornarei uma grande cientista comportamental e conseguirei fazer grades diferenças em países em desenvolvimento… estratégias eficazes, simples e de baixo custo!
Flávia,
Muito, muito obrigada, por ter trazido esse curso para o Brasil, pela publicação do guia, sites, etc
O seu engajamento e entusiasmo “pela causa” são contagiantes!
No vemos na aula EAD..
Um grande abraço!
Marcelo Voros
Tinha uma leve noção do que se tratava o assunto, mas com após a leitura deste artigo, vi o quão grande é a nossa jornada…Parabéns pela brilhante construção.