Blog

Não há como pensar em Economia Comportamental e não pensar em Irracionalidade. Em grande medida, a Economia Comportamental foi construída para desafiar os pressupostos da racionalidade econômica. Mostrar que muitas vezes não temos preferências bem definidas, somos inconsistentes, somos procrastinadores, somos egoístas, somos altruístas… somos humanos!

Cada comportamento descrito pela Economia Comportamental (diferente das previsões da racionalidade) se torna um novo viés, uma nova irracionalidade. Contudo, para uma coisa ser Irracional, o Racional tem que ser bem definido. Nesse quesito temos um grande problema no “uso descuidado e indiscriminado” da Economia Comportamental. Os pressupostos da Racionalidade usados na economia têm contexto e situação. Assim sendo, nem todo comportamento que é diferente do previsto é uma irracionalidade, muitas vezes é a situação e o contexto que não são representativos da teoria tradicional.

Nessa sequência de artigos, vou analisar alguns “vieses” e alguns contextos para entender como comportamentos “irracionais” podem ser racionais (às vezes, o mais racional possível). Nessa primeira seção analisaremos dois casos, a Falácia do Jogador e a Falácia do Custo Irrecuperável (sunk cost). Ambos têm uma coisa em comum, há necessidade da nova informação (e do passado) ser independente do que se pode vir a seguir.

1 A Falácia do Jogador:

Caso eu jogue uma moeda 20 vezes seguidas e tenha visto 20 caras. Em qual lado você apostaria na próxima jogada? Qual é a probabilidade de sair Coroa? Em casos como esses, muitas pessoas acreditam que haveria uma maior chance de sair coroa na próxima jogada do que cara. Esse tipo de comportamento é o que é descrito pela Falácia do Jogador.

A Falácia do Jogador ocorre pois muitas vezes não compreendermos que (em teoria) cada lançamento é um evento isolado. Sabemos que para cada lançamento sempre há 50% de chance de dar cara e 50% chance de dar coroa. Mas criamos em nossa cabeça uma necessidade de regressão a essa média. Se há 50% de chance de caras e 50% de chances de coroa, deveríamos ter uma frequência semelhante a 50% de caras e 50% de coroas. Se ocorreram muitas caras, mais coroas devem ocorrer no futuro…

O Reverso da Falácia do Jogador é semelhante e também muito comum. Ao vermos 20 caras seguidas, muitas pessoas acreditam que é mais provável que a próxima jogada seja cara novamente. Nesse caso, em vez de pensarmos que haverá uma tendência de regressão à média, nós vemos os eventos passados como informativos sobre os eventos futuros, mesmo quando eles não são.

Ambos os comportamentos são falácias, pois agimos como se cada evento não fosse INDEPENDENTE um do outro. A próxima jogada da moeda será sempre apenas uma jogada de moeda independente das jogadas que ocorreram no passado. Independência é o que define o contexto para a Falácia do Jogador ser uma Falácia. Para aqueles não acostumados com o termo, dois eventos são considerados independentes quando o resultado/acontecimento de um evento não infere em nenhuma conclusão sobre o outro. Ou seja, em uma moeda justa, a chance é sempre 50% e nada que ocorreu no passado pode mudar isso.

Agora, quando eventos não são mais independentes, as coisas mudam. Por exemplo: Andando pela Liberdade em São Paulo, você encontra uma barraquinha de mágica.[1] Na rua uma pessoa te para e te pergunta se você quer apostar em um jogo de cara e coroa. Ela joga a moeda 20 vezes e as 20 dão cara. Você acreditaria que essa moeda não é viciada? Que as jogadas são independentes do passado e da sua escolha? Esse apostador deve estar escondendo alguma coisa e muito provavelmente se trataria de uma moeda viciada ou coisa do gênero. Se realmente é uma moeda viciada, o Reverso da Falácia do Jogador seria a maneira racional de agir nesse caso.

Isso quer dizer que se deve concluir que uma moeda que caiu 20 vezes seguidas como cara é viciada? Não sei. Muitas vezes não. Há uma probabilidade de isso ocorrer naturalmente e pode ser surpreendente (cerca de uma a cada 1 milhão de vezes). Os contextos de como esses acontecimentos ocorrem diz muito sobre o que pensar e o que inferir.

Outro bom exemplo é o jogo Blackjack ou 21. De maneira simples, nesse jogo cartas são retiradas do baralho até que o jogador peça para parar. O objetivo é atingir 21 pontos (ou mais pontos do que o adversário), mas perde se fizer mais de 21. Alguns jogos de Blackjack ocorrem com um único baralho e cartas retiradas do baralho não são automaticamente reembaralhadas no final de cada turno. Para esse tipo de jogo, alguns jogadores “contam cartas” para conseguir algumas vantagens. De maneira simplificada, a contagem de cartas funciona da seguinte maneira: ao se observar cartas de valor baixo, o jogador dá um ponto positivo ao baralho e, ao se observar uma carta de alto valor, dá um ponto negativo ao baralho. Quanto mais positivo está o baralho, mais “quente” ele está e o jogador tem mais chances de receber boas cartas, sendo, portanto, um bom momento para apostar. Quanto mais “frio’’, o contrário. A contagem de cartas em Blackjack não é nada diferente do comportamento da Falácia do Jogador aplicada no contexto correto. Em um baralho que não é reembaralhado em cada turno, cada vez que uma carta de valor baixo sai, a probabilidade de sair uma carta de maior valor aumenta (e vice-versa). As jogadas não são independentes uma da outra e por isso o comportamento não é falácia, não é irracional… é até muito esperto.

Contar cartas em um jogo de Blackjack e acreditar que a moeda justa tem mais chance de dar o outro lado, após uma sequência caindo o lado oposto, corresponde ao mesmo comportamento, mas em diferentes contextos. A independência ou não é o que determinaria se o comportamento seria racional. E isso não se aplica só para Falácia do Jogador.

2 A Falácia do Custo Irrecuperável (sunk cost):

Imagine que você compre um ingresso para assistir um filme no cinema. Chegando lá, mas que vergonha, o filme é a pior coisa do mundo… péssimo[2]  Imagine que ele foi dirigido pelo Zack Snyder e que você não sabia disso antes de começar a ver o filme.. Você sairia do filme no meio? A maioria das pessoas não sai. Elas ficam, sofrem e depois xingam muito no twitter e dão nota ruim no rotten tomatoes[3]  E escrevem sobre isso num artigo na internet.. Imagine agora uma situação semelhante, só que, ao invés de ter comprado o ingresso, você o ganhou de brinde. Você sairia no meio do Filme? Nesse caso, mais pessoas sairiam no meio do filme (e continuariam xingando no twitter e dando nota ruim no rotten tomatoes).

Em geral, nós nos importamos com o fato de termos gasto dinheiro e isso afeta nosso comportamento futuro mesmo quando não deveria. Por isso a diferença entre comportamentos pagando ou não o ingresso do cinema. Se esse gasto não pode ser recuperado e não afeta o resultado futuro (ou seja, o gasto passado é Independente do que ocorre no futuro), estamos fazendo um comportamento conhecido com Falácia do Custo Irrecuperável ou, na sabedoria popular, chorando por leite derramado.

Para deixar mais claro, ilustrarei com uma situação mais hipotética e simplória. Uma empresa pode escolher entre dois projetos, (A) ou (B). A empresa faz uma estimativa de que gastaria 1 milhão para fazer o projeto (A) com um retorno esperado de 2 milhões no final da execução. O gasto estimado com o projeto (B) é de 1.2 milhão e o retorno esperado é de 2 milhões no final. Inicialmente, a empresa não é boba e escolhe fazer (A)[4]  O contrário violaria o que se chama Dominância Estocástica de Primeira Ordem. Até hoje eu nunca vi um motivo que não seja um erro para que pessoas violassem tal princípio. Caso você saiba de algum, por favor entre em contato. . Ao iniciar o projeto (A) e já gastar cerca de meio milhão, a empresa descobre que sua estimativa de gasto estava incorreta. A nova estimativa fala de 1.3 milhão extras para completar o projeto. Na nova projeção, iniciar o projeto (B) é melhor que continuar o projeto (A), mas já houve gastos com o projeto (A). Se a empresa for boba e agir como a pessoa que não sai do cinema em filme ruim só porque pagou o ingresso, muito provavelmente ela vai continuar com o projeto (A) mesmo (B) sendo melhor. O gasto irrecuperável cria uma sensação de perda e pode fazer pessoas escolherem opções piores.

O exemplo acima é muito simples e ignora muitos aspectos. Se complicarmos um pouquinho, podemos fazer o comportamento não ser bobo. Por exemplo, se uma mesma pessoa fez as duas projeções iniciais, você confiaria que a projeção inicial de B está correta? A nova projeção sobre o gasto (A) pode indicar possíveis erros na projeção de (B) e isso pode afetar a decisão. A nova informação não é necessariamente independente das projeções e do que pode acontecer futuramente.

Outra possibilidade para que um Sunk Cost afete o comportamento é se há algum motivo para ter dependência da trajetória (path dependency). Se o investimento irrecuperável no passado afeta o resultado presente e há custos de transação para mudança de trajetória, não necessariamente é vantajoso mudar o comportamento. A escolha ótima nesse caso pode ser abaixo da melhor situação possível. No exemplo anterior, pode haver um custo para acabar com o investimento já iniciado.

Há diferentes motivos que fazem ser racional usarmos o Sunk Cost como informativo, afetando nossa decisão. Se você nota que o leite derramado está azedo, você não pegaria da mesma caixa o próximo leite. Se você está com muita pressa e vai ter que limpar o leite derramado antes de continuar seus afazeres, isso pode mudar toda a estrutura do seu dia.

No uso corriqueiro e cotidiano de Economia Comportamental, muitas vezes associa-se a Falácia do Custo Irrecuperável para descrever comportamentos de pessoas em um relacionamento longo e longe do ideal. No caso, a pessoa pode estar no relacionamento porque sente que gastou muito tempo (que não tem como recuperar) com a pessoa e, assim, se apaga em manter o relacionamento mesmo que não valesse a pena.

Esse tipo de comportamento pode ocorrer, mas não necessariamente descreve o que está acontecendo em todos os casos. Qualquer relacionamento envolve comprometimento e aprendizado sobre pessoas e sobre relacionamentos per si. Ter um relacionamento pode fazer você mudar o que era “projetado” como relacionamento ideal, e “projeções” após aprendizado são diferentes de “projeções” antigas. Outro fato é que se relacionar com pessoas cria certas obrigações (path dependency) muito difíceis de mensurar. Por exemplo, você tem mais chance de ajudar uma pessoa que te ajudou no passado.[5]  Vários são os exemplos e as análises desse tipo de fenômeno em Behavioral Game Theory, e.g. Dufwenberg (2002) e Vanberg (2008) . Após anos de relacionamento com uma pessoa, esses “investimentos” já estão “maturados’’, e acabar com o relacionamento e começar um novo para fazer mais “investimentos “desse tipo pode ser até irracional.

Muitos são os motivos para uma pessoa manter um relacionamento… A Falácia do Custo Irrecuperável pode ser só mais um deles e nem sempre é um motivo.

3 Conclusão

Um comportamento é racional não pela forma como ele se enquadra em uma teoria, mas sim como o comportamento se enquadra na realidade. Falácias podem não ser Falácias e erros podem não ser erros em diferentes situações. Nesse texto, analisamos os casos da Falácia do Jogador e da Falácia do Custo Irrecuperável. Para ambos os casos é fundamental a independência dos eventos e, se isso não ocorre, as coisas não são claras. Na Falácia do Jogador, um mesmo comportamento pode ser um erro ao ser aplicado em moedas, mas genial ao ser aplicado em Blackjack. Na Falácia do Custo Irrecuperável, diferentes motivos podem te fazer manter aquela decisão mesmo quando não há mais como recuperar o gasto anterior.

Portanto, devemos ter cuidado com generalizações e sempre analisar o contexto. Próximo tópico será Desconto Hiperbólico e Inconsistência Temporal.


1 Andando pela Liberdade em São Paulo, você encontra uma barraquinha de mágica.
2 Imagine que ele foi dirigido pelo Zack Snyder e que você não sabia disso antes de começar a ver o filme.
3 E escrevem sobre isso num artigo na internet.
4 O contrário violaria o que se chama Dominância Estocástica de Primeira Ordem. Até hoje eu nunca vi um motivo que não seja um erro para que pessoas violassem tal princípio. Caso você saiba de algum, por favor entre em contato.
5 Vários são os exemplos e as análises desse tipo de fenômeno em Behavioral Game Theory, e.g. Dufwenberg (2002) e Vanberg (2008)


Bibliografia e Recomendações:

Chiappori, P.A., 2017. Matching with transfers: The economics of love and marriage. Princeton University Press.

Dufwenberg, M., 2002: “Marital Investments, Time Consistency and Emotions”, Journal of Economic Behavior and Organization, 48(1), 57-69.

Taleb, N.N., 2007. The black swan: The impact of the highly improbable (Vol. 2). Random house.

Vanberg, C., 2008: “Why Do People Keep Their Promises? An Experimental Test of Two Explanations”, Econometrica, 76(6), 1467-1480.

Envie seu Comentário