Blog

“Eu posso resistir a tudo, exceto à tentação” (Citação de Oscar Wilde em Lady Windermere’s Fan, A Play About a Good Woman, 1892)

O autocontrole é uma importante capacidade humana. Por impedir as pessoas agirem impulsivamente, constitui um fator crítico tanto na em Economia como em Psicologia. Enquanto na Economia ele é definido como a capacidade de executar planos anteriormente definidos e, portanto, realizar escolhas intertemporais consistentes, na Psicologia o autocontrole é definido como a capacidade de regular os próprios comportamentos, emoções e pensamentos.

Este capítulo aborda os desenvolvimentos recentes que superaram fronteiras disciplinares, a fim de propiciar uma compreensão mais ampla do papel do autocontrole no comportamento financeiro cotidiano. Para tanto, nos concentraremos em argumentos relacionados à formulação de políticas e à regulamentação financeira referentes à poupança para a aposentadoria, assim como a tomada de decisões de investimento e endividamento.

Atualmente, a explicação favorita para problemas de autocontrole oferecida por economistas refere-se à ocorrência do viés do presente (Delaney & Lades, 2015; O’Donoghue & Rabin, 2015). Ela advoga que o desconto exponencial de valores futuros considerado por tomadores de decisão representa uma suposição indevida. Ao descontar exponencialmente o valor de um bem ou serviço, assume-se que o tomador de decisão racional descontaria cada período futuro a uma mesma taxa percentual. Contudo, problemas derivados do autocontrole podem levar um indivíduo a descontar ganhos futuros hiperbolicamente, tornando-os dessa forma menos valorizados do que seus valores no presente. Ao considerar os trade-offs entre dois momentos futuros, preferências viesadas para o presente atribuem um maior peso para o momento que ocorre mais cedo à medida que esse se aproxima (O’Donoghue & Rabin, 1999, 2001), causando um conflito entre dois “eus” (selfies) de um indivíduo, o “eu” do curto e o “eu” do longo prazo.

Apesar de seu aclamado poder descritivo, o modelo de desconto quase-hiperbólico não explica porque surgem decisões temporalmente inconsistentes e falhas de autocontrole. Para melhor descrever a natureza do viés do presente, Delaney e Lades (2015) desenvolveram um modelo baseado em insights psicológicos que considera os problemas de autocontrole como conflitos intrapessoais entre tentações e a capacidade de autocontrole. Basicamente, a falha de autocontrole ocorreria quando a tentação domina a capacidade de um indivíduo resistir.

Esses desenvolvimentos diferenciam os tomadores de decisão em termos de sofisticação, apresentando os indivíduos mais sofisticados com uma maior consciência das tentações e falhas de autocontrole em eventos cotidianos e, consequentemente, de sua sujeição ao viés do presente (O’Donoghue & Rabin, 1999). Portanto, indivíduos sofisticados se engajam ativamente em compromissos capazes de evitar ou mitigar o efeito dessas tentações. Por outro lado, indivíduos completamente ingênuos (naive) não teriam consciência do viés do presente e das tentações futuras. Tal diferenciação encontra suporte em estudos empíricos sobre habilidades não-cognitivas que demostram que indivíduos com nível de autocontrole elevado são mais propensos a evitar a tentação e a distração, em vez de simplesmente resistir aos impulsos (Ent, Baumeister & Tice, 2015).

Nesse contexto, a consideração do viés do presente e da sofisticação de investidores torna o autocontrole crucial para a formulação apropriada de políticas de desenvolvimento e regulamentação financeira. Por exemplo, poupadores sofisticados demandam produtos financeiros que preveem penalidades e restrições de liquidez, como fundos de investimento e planos de pensões, para ajudá-los a superar problemas de autocontrole. Além disso, esses indivíduos podem evitar o uso de cartão de crédito a fim de mitigar a ocorrência de tentações de consumo e abuso de utilização. Investidores sofisticados podem seguir estratégias de investimento vinculadas a regras de alocação de ativos ou sistemas de negociação não-discricionários de forma a evitar o excesso de confiança e o desejo de manter negócios perdedores por períodos mais longos do que os mais rentáveis – o chamado efeito disposição.

O restante deste capítulo cobre algumas aplicações desses desenvolvimentos empíricos recentes sobre problemas de autocontrole e seus efeitos sobre a tomada de decisões financeiras.


A versão completa desta capítulo está disponível gratuitamente no Guia de Economia Comportamental e Experimental a partir da página 189.


Bernardo Fonseca  Nunes

Bernardo Nunes

Bacharel e mestre em Economia (UFRGS), mestrado em Finanças (Nova School of Business and Economics), atualmente está no terceiro ano do curso de PhD em Economia pela Universidade de Stirling. Membro do Behavioural Science Centre nessa universidade. Pesquisa sobre como as pessoas se preparam e se adaptam para circunstâncias futuras da vida, mais especificamente sobre os determinantes da poupança para aposentadoria.

Pablo Rogers

pablo rogersBacharel em Economia e em Ciências Contábeis, mestre em Administração e especialista em Estatística Aplicada, todos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Administração na área de finanças pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e professor da área de finanças (graduação) e econometria (mestrado) da Faculdade de Gestão e Negócios (FAGEN) e da Faculdade de Ciências Contábeis (FACIC) da UFU. Em 2011 recebeu o Prêmio Revelação em Finanças concedido pelo Instituto Brasileiro de Executivos em Finanças e a Consultoria Internacional KPMG pela inovação proposta em sua tese: um modelo de avaliação de risco de crédito para pessoas físicas baseado em variáveis e escalas psicológicas. Entre 2008 e 2013 coordenou e atuou como professor/orientador no MBA em Gerenciamento de Projetos da FAGEN/UFU.

Gustavo Cunha

Gustavo CunhaBacharel em Ciências Contábeis (UFMG, 1997), mestre em Finanças (UFMG, 2002) e doutor em Business Administration (Università di Bologna, 2011). Experiência profissional como gestor e consultor financeiro. Professor do mestrado e membro dos núcleos de pesquisa NUCONT e NUPEC (FNH). Professor do MBA em Gestão de Cooperativas de Crédito (CECREMGE). Coordenador dos Projetos “Comportamento do Investidor nas Finanças Modernas, Sociologia e Finanças Comportamentais” e “Fatores sociais e Ilusões Cognitivas no Contexto de Decisões de Investimento Coletivas” (Fapemig). Desenvolve pesquisas sobre a relação entre fatores sociais e ilusões cognitivas no contexto de decisões financeiras e criação de valor baseada em governança e sustentabilidade corporativa.

Envie seu Comentário