Capítulo “Psicologia Econômica: Mente, Comportamento e Escolhas”
Economia Comportamental é revolução para a economia, e necessariamente interdisciplinar, pois precisa dos estudos psicológicos para existir
1. Origens da Psicologia Econômica – Como tudo começou
Há muitos séculos, pensadores, tais como os filósofos gregos, observam e discutem as relações humanas que envolvem escolhas, trocas, propriedade, empréstimos, pagamentos, investimentos, planejamento e outros, diante dos chamados recursos finitos, ou escassos (Lea et al., 1987; Wärneryd, 2005a).
Dinheiro é o primeiro exemplo que costuma vir à mente quando pensamos em recursos finitos, embora esteja longe de ser o único – tempo, atenção, capacidade de concentração, esforço, autocontrole, recursos naturais, e nossa própria vida, são alguns outros.
Alocar o dinheiro e outros recursos finitos, isto é, distribui-los entre diferentes destinos, é o objeto de estudo da economia. Examinar em detalhes como a mente realiza essas atividades é o assunto da psicologia econômica, e de suas disciplinas irmãs, que se desenvolveram mais recentemente, como a Economia Comportamental, as finanças comportamentais, a neuroeconomia, ou ainda as ciências da decisão ou ciências comportamentais aplicadas [1]. Como todas essas, a psicologia econômica é, portanto, uma área interdisciplinar, situada na interface psicologia-economia, embora tenha se iniciado muitas décadas antes (Wärneryd, 2005b; Ferreira, 2008).
Sua origem pode remontar ao final do século XIX, quando a expressão psicologia econômica foi registrada pela primeira vez, em um artigo com esse título, publicado em um periódico (revista científica) de filosofia, em 1881. Seu autor foi Gabriel Tarde, jurista francês, também considerado um dos pioneiros da psicologia social, que argumentava que os fenômenos econômicos requeriam uma análise mais aprofundada dos elementos psicológicos neles envolvidos. Em 1902, ele publicou o livro que pode ser visto como o marco oficial do nascimento da área: La Psychologie Economique (cf. Reynaud, 1967; Lea et. al., 1987; Lewis et. al., 1995; Descouvières, 1998; van Raaij, 1999; Webley & Walker, 1999; Barracho, 2001; Kirchler & Hölzl, 2003; Wärneryd, 2005b; Ferreira, 2007a, 2008).
Tarde morreu pouco depois, e a psicologia econômica não avançou muito na Europa na primeira metade do século XX. No entanto, outro contemporâneo, Thorstein Veblen, também considerado um dos pais da Economia Institucional, defendia, nos EUA, um alargamento dos horizontes para os estudos econômicos, de modo a abranger psicologia, biologia, ciência política, história e outras disciplinas. Sua luta pela expansão da economia perdurou por vários anos, mas não recebeu a merecida atenção, com economistas da época se contrapondo às suas propostas sob o argumento de que as teorias econômicas eram suficientes para aqueles estudos, aí se incluindo aquelas sobre a “natureza humana”, isto é, as concepções que tinham sobre o funcionamento psicológico dos chamados agentes econômicos, o que não deixou lugar para que perspectivas interdisciplinares florescessem naquele momento (van Raaij, 1999, Ferreira, 2007a, 2008).
A 2ªGuerra Mundial, contudo, veio mudar esse panorama, por meio dos grandes levantamentos feitos por George Katona, que tinha formação em psicologia e emigrara da Hungria e Alemanha, para os EUA. Ao contrário das previsões de economistas, feitas com base em modelos teóricos, de que a economia norte-americana enfrentaria uma difícil recessão no pós-guerra, Katona se propôs a verificar o que a população do país efetivamente planejava fazer com seu dinheiro depois que a guerra terminasse, a fim de obter dados mais precisos sobre as tendências futuras. Assim, elaborou um extenso questionário sobre crenças, atitudes, expectativas e outros elementos subjetivos, e aplicou-o em grandes amostras representativas da população. Os resultados desse estudo apontaram na direção oposta àquela defendida pelos economistas – no lugar de recessão, haveria um grande boom econômico, com as pessoas muito inclinadas a comprar bens e consumir, e não a entesourar seu dinheiro (Ferreira, 2007a, 2008).
2. Estabelecimento – Psicologia Econômica Contemporânea
Com a realidade dando razão a Katona – os EUA viveram um período de intenso crescimento econômico na década de 1950 –, a psicologia econômica, já em seus moldes contemporâneos, com base em estudos empíricos, ganhou grande impulso e visibilidade (Webley & Walker, 1999; Ferreira, 2007a, 2008). Em 1952, Katona criou o Índice do Sentimento do Consumidor, depois replicado em todo o mundo e, em 1975, publicou aquele que é considerado o grande divisor de águas para o desenvolvimento da área: o livro Psychological Economics [2], que reúne grande parte de suas pesquisas (Katona, 1975).
No ano seguinte, 1976, pesquisadores europeus se encontraram para um colóquio informal em Tilburg, na Holanda, quando trocaram informações sobre os respectivos trabalhos, e fincaram as bases para a fundação da futura International Association for Research in Economic Psychology (Iarep), em 1982, com o periódico da área, The Journal of Economic Psychology, a precedendo em um ano. Desde o primeiro colóquio, outros se seguiram, anualmente, em diferentes países europeus, em geral, e muitos deles realizados em parceria com a Society for the Advancement of Behavioral Economics (Sabe). Em 2015, ocorreu o 40º Colóquio, Psychology and Economics Together for a Better Life, em Sibiu, Romênia.
Outro marco no estabelecimento da área foi a publicação do grande livro-texto da disciplina, The Individual in the Economy (Lea et al., 1987) e, várias décadas depois, há previsão de sair um novo livro-texto em 2016, organizado por Rob Ranyard, com título provisório Economic Psychology: The Science of Economic Mental Life and Behaviour.
No século XXI, a psicologia econômica e as demais disciplinas da interface psicologia-economia dedicam-se, então, ao estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão, repousando sobre a premissa de que há reciprocidade na influência entre, de um lado, fenômenos econômicos e, de outro, sentimentos, pensamentos e comportamentos de indivíduos, grupos e populações (Lea et al., 1987). O foco preferencial de todas elas são as chamadas anomalias, comportamentos que não podem ser explicados pelas teorias tradicionais da economia, dentro da tradição neoclássica da racionalidade, que entende o homem como capaz de escolher com propriedade, e aprender com sua experiência (Lewis et al., 1995).
Questionando essa visão, a psicologia econômica propõe que as escolhas humanas não são sempre consistentes, dependendo, em grande escala, do contexto onde – e como – ocorrem, de tendências cognitivas e emocionais encontradas na maioria das pessoas, e de outros fatores, que resultarão em importantes limitações da racionalidade. No entanto, de modo geral, psicólogos econômicos não defendem uma irracionalidade nessas decisões, já que haveria motivação e razão por trás de cada uma delas, ainda quando deletérias e prejudiciais ao tomador de decisão (Katona, 1975, 218; Lea et al., 1987, 513; cf. também extenso debate em MacFadyen & MacFadyen, 1990, 25-66).
De todo modo, tais limitações implicarão diversas distorções de percepção, memória e avaliação dos dados, comumente encontradas no processo decisório, que acabam resultando nas anomalias e inconsistências nos comportamentos e escolhas da maioria das pessoas. Esses equívocos são denominados erros sistemáticos, devido ao padrão que costumam seguir, tornando-se, até mesmo, previsíveis, em muitas situações (Tversky & Kahneman, 1974; Kahneman & Tversky, 1979; Kahneman, 2011). A descrição de alguns deles poderá ser encontrada em outras partes deste Guia.
A versão completa desta capítulo está disponível gratuitamente no Guia de Economia Comportamental e Experimental a partir da página 165.
Vera Rita de Mello Ferreira
Consultora independente de Psicologia Econômica e educação financeira para políticas públicas e outras organizações, com foco em comportamento econômico, tomada de decisão e arquitetura de escolha (Enef-Estratégia Nacional de Educação Financeira, BCB, Banco Mundial, entre outras). Doutora em Psicologia Social (PUC-SP), mestre em Psicologia Social e do Trabalho (USP), psicóloga (PUC-SP) e psicanalista (Inst.Sedes Sapientiae). Professora de Psicologia Econômica na Fipecafi e coordenadora de workshops e grupos de estudos e trabalho de Psicologia Econômica. Representante da Iarep-International Association for Research in Economic Psychology no Brasil, membro do NEC – Núcleo de Estudos Comportamentais, da CVM, e do Research Committee da INFE – International Network for Financial Education da OECD – Organisation for Economic Cooperation and Development. Autora dos primeiros livros de Psicologia Econômica no Brasil e palestrante.