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Na Parte 1 discutimos como dinheiro pode não ser tratado como fungível dependendo da situação. Discutimos que a percepção do dinheiro faz com que ele tenha valores subjetivos diferentes em função do contexto.

Mas não só mudanças relativas modificam nossa percepção de dinheiro. Outro motivo comum para a ruptura do princípio da fungibilidade é a fonte do ganho ou perda. Imagine que você está em uma balada e encontra uma nota de 100 reais no chão. Muito provavelmente você vai usar esse dinheiro para tomar umas bebidinhas a mais durante a noite… mas essas bebidinhas a mais provavelmente não seriam totalmente consumidas se você recebesse um aumento de 100 reais no salário.

Nesse exemplo não há somente uma alteração em seu valor subjetivo, mas também há uma modificação direta na maneira em que ele é gasto. Partindo de observações como essa, os pesquisadores Heath e Soll tentaram explicar alguns comportamentos pela a categorização do dinheiro. O que é isso? Talvez existiria um dinheiro específico para festas (e afins) e outro para ser usado no cotidiano.

Categorias de dinheiro

Pense no seguinte exemplo:

Situação 1 – Imagine que você decidiu ver um jogo de futebol e pagou 50 reais pelo o ingresso. No momento de entrar no estádio, você descobre que perdeu o ingresso.

Você pagaria 50 reais por um outro ingresso?

Situação 2 – Imagine que você decidiu ver um jogo de futebol cujo ingresso custa 50 reais. No momento de entrar no estádio, você abre sua carteira e descobre que perdeu uma nota de 50 reais.

Você pagaria 50 reais pelo ingresso do jogo?

Em experimento semelhante, Kahneman e Tversky (1981) constataram que a maioria das pessoas não comprariam o ingresso na primeira situação, mas que a enorme maioria delas compraria o ingresso na segunda.
Heath e Soll (1996) foram ainda mais longe. Eles analisaram uma série de respostas para perguntas semelhantes e verificaram que mudanças em uma categoria de consumo (por exemplo, entretenimento) afetam muito o consumo dentro desta mesma categoria (seguindo o exemplo, entretenimento), mas afetam muito pouco o consumo em outras categorias (por exemplo, alimentação).

Normalmente a teoria econômica tentaria explicar esses padrões de resposta usando o efeito renda (ao se ganhar ou perder dinheiro, tendemos a mudar nosso padrão de consumo) e o efeito saciedade (a posse de um objeto qualquer reduz nosso desejo de possuir outro; em economês, retornos marginais decrescentes e bens substitutos). Mas esses efeitos não foram capazes de explicar satisfatoriamente as respostas encontradas por Heath e Soll. Imagine o seguinte padrão de resposta:

  • Você gastou 50$ para comprar o ingresso de uma partida de futebol:

Você compraria um ingresso para o cinema por 25$ nos próximos dias? ”Não.”

  • Você ganhou o ingresso para a partida de futebol citado acima:

Você compraria um ingresso para o cinema por 25$ nos próximos dias? ”Sim.”

  • Você gastou 50$ em uma vacina contra gripe:

Você compraria um ingresso para o cinema por 25$ nos próximos dias? ”Sim.”

O padrão de resposta nas duas primeiras questões poderia ser explicado pelo efeito renda mas reduz o efeito explicativo do efeito saciedade (50 reais parece fazer mais diferença no consumo do Cinema do que o fato de ter ido ao futebol). O padrão na primeira e terceira questão poderia ser explicado pelo efeito saciedade, mas reduz o impacto do Efeito Renda (50 reais gastos parecem não afetar o consumo do cinema, mas o fato de ter ido ao futebol sim). Ambas juntas, são contraditórias e foram amplamente observadas por Heath and Soll(1996).

Orçamentos mentais

Nesse sentido, Heath e Soll (1996) propuseram a ideia de orçamentos mentais (Mental Budgeting). Segundo Richard Thaler: Orçamentos Mentais descrevem que “tanto as fontes quanto os usos de fundos são identificados em sistemas de contabilidades mentais ou reais. Gastos são agrupados em categorias (despesas com a casa, comida, etc.) e os gastos, às vezes, são restritos por esses orçamentos.” (Thaler 1999).

Assim, o dinheiro encontra outra dificuldade para ser percebido com fungível. Pessoas procuram compartimentalizar seus gastos e não consideram gastos em uma categoria completamente comparáveis com gastos em outra.
A categorização do dinheiro nos permite discutir vários comportamentos divertidos. Aqui ressaltaremos um: O Pennies-a-Day Strategy (A estratégia dos centavos por dia).

Imagine a seguinte história:

João começa seus dias em uma lanchonete local, com um café com leite grande e um jornal. Juntos custam 5 reais. Após o café, ele pega o transporte público para chegar ao trabalho. Um dia, Maria se junta a João para o café da manhã, e ele comenta com ela que não gosta de usar transporte público, mas que não pode se dar o luxo de comprar um carro. Maria conta para João que ela acabou de comprar um carro pequeno, financiado, ao custo de 150 reais por mês. João suspira e diz que ele sabe que esse financiamento é possível, mas que ele não pode sequer se dar o luxo de gastar 150 reais extras por mês. Maria retruca que ele poderia comprar o carro, se desistisse do café com leite e do jornal todas as manhãs. João decide comprar o carro e abdicar das regalias da manhã. [Exemplo adaptado de Gilboa, Postlewaite e Shmeidler (2009)].

No exemplo descrito acima, João pode ter uma preferência bem definida entre café+jornal e carro. Antes da conversa com Maria, ele só não percebia que esses bens estavam competindo pelos mesmos recursos. Nesse sentido, João tinha orçamentos separados para gastos com café e com transporte.

Essa situação exemplifica o que em marketing é denominado Pennies-a-Day Strategy, ideia desenvolvida por Gourville (1998). Criar situações onde estabelecemos comparações diretas entre objetos que não pensamos como diretamente comparáveis devido à diferença de grandeza entre seus preços (carros são muito mais caros do que cafés) e nas quantidades consumidas (consumimos muito mais cafés do que carros) pode levar-nos a modificar o consumo!

Lembra da Pergunta no final da Parte 1? No Brasil não é muito possível comprar um Carro por 150 reais… mas um smartphone sim.

Além de nossa percepção sobre o valor do dinheiro alterar-se com a situação, nossa percepção sobre o que pode ser comprado com ele também muda. Ao compartimentalizarmos gastos, o dinheiro novamente não é tratado como fungível.

Para encerrar essa parte…

A próxima parte, com a qual encerraremos nosso artigo, será um pouco mais técnica. Seu foco será orçamentos mentais e reversão de preferência. Discutiremos como uma pessoa pode querer pagar mais por uma coisa de que ela não gosta do que por uma coisa que ela gosta!

Tem alguma dúvida, comentário, sugestão ou pergunta?

Pode fazer que respondemos!

Citações:

GILBOA, I; POSTLEWAITE, A; SCHMEIDLER, D. The complexity of the consumer problem and mental accounting, mimeo, Pinhas Sapir Center for Development, Tel Aviv University, 2009.

GOURVILLE, John T. Pennies-a-day: The effect of temporal reframing on transaction evaluation, Journal of Consumer Research, v. 24, n. 4, p. 395-403, 1998.

HEATH, C.; SOLL, J. Mental budgeting and consumer decisions, Journal of Consumer Research, v. 23, n. 1, p. 40-52, 1996.

KAHNEMAN, D.; TVERSKY, A. The Framing of decisions and the psychology of choice, Science, v. 211, n. 4481, p. 453–458, 1981.\\

THALER, R. Mental accounting matters, Journal of Behavioral decision making, v. 12, n. 3, 183-206, 1999.\\

Sugestão de Leitura:

HASTINGS, J; SHAPIRO, J. Fungibility and Consumer Choice: Evidence from Commodity Price Shocks. The Quarterly Journal of Economics, v. 128, n. 4, p. 1449-1498, 2013.

Um Comentário

  1. Janaina Pereira

    Olá!
    Sou consultora em Marketing e Estratégia e este assunto me interessa muito. Gostaria e saber quando acontecerá o próximo curso ou evento relacionado ao tema.

    Responder

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