Corrupção: Algumas lições da Economia Comportamental
1. Introdução
Em tempos de Operação Lava-Jato no Brasil, escândalos de corrupção e revelação de esquemas de propina de servidores públicos e agentes privados permeiam a nossa realidade. Lamentavelmente, temos evidências empíricas que corroboram a tese de que as atividades de busca de renda de privilégio estão institucionalizadas no país (Lisboa e Latiff 2013). Todos sabemos que o termo corrupção possui muitas conotações e interpretações. Neste post, a corrupção será definida de modo bem amplo como “o abuso de um pode confiado com o propósito de ganho privado” (Ackerman & Palifka 2016, p.9) Tal definição é interessante porque ilumina a questão de coordenação de interesses e padrões de comportamento, presentes em vários tipos de corrupção política e econômica, tais como propina, tráfico de influência, extorsão, desvio de recursos, nepotismo, etc. (Silva 1996)
Em seu mais recente livro sobre corrupção e governo, Susan Rose Ackerman destaca que o poder confiado pode ser dado a um funcionário pelo seu empregador ou até mesmo pela massa de eleitores a um prefeito, vereador, governador, deputado estadual, deputado federal, senador e presidente da república. Se há abuso do poder confiado, as regras são quebradas e os objetivos dos empregadores e eleitores são preteridos.(Ackerman & Palifka 2016)
Dadas as consequências perversas da corrupção para o crescimento econômico e desenvolvimento humano das nações, a Organização das Nações Unidas ajustou a lista dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” depois do Banco Mundial em 2013 também destacar a importância de eliminar a pobreza extrema até 2030.
Para tanto, os líderes mundiais passaram a chamar as metas de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) e destacar a necessidade de reformar instituições privadas e públicas que entravam a prosperidade. Uma das metas recentemente propostas pela ONU é a luta contra a corrupção. Segundo o próprio décimo sexto objetivo dos ODSs, a redução da corrupção e propina em todas as suas formas contribui para a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas. Isso porque, qualquer que sejam os objetivos do desenvolvimento, a corrupção sempre coloca um grande empecilho para que o sucesso deles.
Na literatura econômica tradicional, as atividades de corrupção – trocas de favores, extorsão, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, fraude eleitoral, nepotismo, subornos – são tratadas como manifestações de comportamentos de indivíduos racionais, maximizadores de seus próprios interesses, que respondem aos incentivos oferecidos pela matriz de instituições políticas e econômicas. Sendo assim, o sucesso dos programas anticorrupção depende apenas da mudança nos benefícios e custos da conduta trapaceira.
Com isso em mente, você, o (a) leitor (a) de nosso site pode estar se perguntando – “a pesquisa em economia comportamental pode ser útil para examinarmos a corrupção e eventualmente inspirar desenhos para a mudança de comportamento e promoção da prosperidade das nações”? O objetivo deste texto é convencê-lo de que precisamos de insights comportamentais para complementar a explicação econômica mais convencional da corrupção.
O ponto de partida deste artigo é a visão de que a corrupção ilumina o fato de que nós pensamos socialmente, ou seja, nosso comportamento é influenciado por preferências sociais e preocupação com os outros. Porém, nem sempre isso gera formas de cooperação benéfica para todos. Pelo contrário, temos aprendido que a corrupção tem uma natureza colaborativa. Mais precisamente, o objetivo do texto é divulgar e discutir brevemente a pesquisa experimental de Ori Weisel e Shaul Shalvi (2015) sobre a natureza colaborativa da corrupção.
2. Corrupção, um tipo de cooperação direcionada para poucos e em detrimento de muitos
Em 2015, a agenda de Economia Comportamental aplicada a questões de desenvolvimento e políticas pública teve seu grande momento. O Relatório de Desenvolvimento Mundial daquele ano destacou os novos rumos da pesquisa informada pela economia comportamental, psicologia cognitiva, sociologia e antropologia. Poucos meses depois, o ex-presidente norte-americano Barack Obama assinou uma ordem executiva que permitiu o avanço de pesquisas experimentais para identificar melhores desenhos e implementações de políticas. A abordagem comportamental destaca que os agentes no mundo real pensam “automaticamente, socialmente e seus comportamentos são influenciados pelos seus modelos mentais”. Por essa razão, a reflexão sobre o desenho e implementação de melhores instituições e políticas mais eficazes precisam se inspirar em hipóteses mais realistas sobre o comportamento humano. No caso da corrupção, a preocupação gira torno do fato de que a sociabilidade humana pode acompanhar padrões de cooperação perversa, tais como privilégios financeiros dirigidos a grupos de interesse em detrimento de toda a população. Em alguns casos, a corrupção parece ser uma crença compartilhada de que usar o serviço público para beneficiar-se ou ajudar a família e amigos é tolerável, desejável e previsível. Para complicar, algumas sociedades premiam mapas mentais capazes de justificar privilégios exclusivos a amigos e familiares. Por exemplo, em Uganda, obrigações de parentesco e normas de lealdade aos pares e amigos contribuíram para um resultado de governança no qual os servidores públicos bons são apenas aqueles que beneficiam de modo personalista membros da sua rede de relacionamento social. (Banco Mundial, 2015)
Com o propósito de testar as raízes colaborativas do comportamento corrupto, Ori Weisel e Shaul Shalvi desenharam um experimento para examinar a hipótese de que a natureza colaborativa dos indivíduos facilita a violação de normas morais: mentir e impor um ônus para um grupo maior do que o beneficiado pelo desvio. Os autores ressaltam que a colaboração envolve confiança e até preocupações com a reputação. Isso porque as pessoas também temem mentir em alguns ambientes colaborativos que oferecem vantagens indevidas aos seus parceiros. Por outro lado, a colaboração também carrega um efeito de liberação capaz de fazer as pessoas se comportarem de modo pouco alinhado com alguns compromissos morais. Muitas pessoas mentem não apenas se isso aumenta os seus ganhos, mas também os dos outros; ou quando a mentira beneficia uma causa ou uma outra pessoa, ainda que faltar com a verdade implique prejuízos para os outros.
Segundo a perspectiva funcionalista de moralidade de Weisel e Shalvi, as pessoas tratam a moralidade de uma maneira bem flexível. Isso porque os indivíduos julgam o mesmo ato como sendo ilegítimo ou imoral em alguns casos, porém os consideram legítimos e éticos em outros, como, por exemplo, quando isso beneficia os membros do seu próprio grupo.
A ideia de que a colaboração aumentará o comportamento desonesto dos indivíduos intriga os autores. Eles reconhecem que alguns cenários colaborativos podem ser mais propícios para a corrupção do que outros. Entretanto, os autores conjecturam que a colaboração corrupta – a obtenção de ganhos pessoais com um ato imoral conjunto – seria (a) predominante quando ambas as partes da interação extraem partes iguais dos ganhos obtidos com os atos desonestos e (b) mais frequente do que o comportamento desonesto individual, dado um cenário comparável.
Weisel e Shalvi examinaram a corrupção colaborativa com um experimento que envolve um jogo sequencial de dados. Em 7 tratamentos os participantes (n=280, 20 pares por tratamento; dados coletados na Alemanha) são organizados em duplas e assumem o papel dos jogadores A e B. Em um outro tratamento (n=36) individual, a mesma pessoa atua nos dois papéis.
Cada participante joga um dado privadamente e relata o resultado obtido. O jogador A joga um dado normal de 6 faces primeiro e relata o resultado digitando um número no computador. Na sequência, o jogador B sabe sobre o resultado de A e joga um dado e reporta também o número que tirou. A informação de B é então compartilhada com o jogador A. A interação é repetida 20 vezes. Os jogos de dados são privados, permitindo que participantes possam distorcer os resultados, sem que possam ser pegos e punidos. Tal privacidade é central para o desenho do experimento, pois reflete situações da vida real em que as fronteiras das considerações morais tornam-se tênues. Os números relatados pelos participantes moldam os seus payoffs.
No tratamento experimental principal chamado de “resultados alinhados”, os participantes ganham dinheiro se tanto A quanto B relatam os mesmos números (ou seja, uma dobradinha nos dados). Em tal caso, cada um ganha o número relatado em euros (por exemplo se ambos tiraram 4, cada um deles receberá 4 euros). Se os números não forem idênticos, os jogadores não ganham nada.
A probabilidade de cada um dos números ser obtido no jogo de dados é de 1/6. O número esperado de dobradinhas reportadas por cada par nas 20 rodadas é então 3.33 (16.7%) e a média relatada (dos jogadores A e B) é (1+2+3+4+5+6) / 6, ou seja, 3.5. A figura 1a mostra uma simulação dos resultados quando assumimos comportamento (mais precisamente, relato) honesto:
Por outro lado, podemos observar na próxima figura que os resultados efetivamente relatados são bem diferentes:
As 20 rodadas reportaram o número de 16.30 dobradinhas em média, quase 5 vezes mais do que o valor esperado de 3.3 dobradinhas associadas ao comportamento honesto. Vale destacar que a corrupção não está associada apenas com o número inflacionado de “dobradinhas”. As médias relatadas pelos jogadores A e B são respectivamente 5.02 e 4.92. Elas também são bem maiores do que o valor esperado de 3.5 assumindo honestidade no relato do número obtido com o dado. Isso quer dizer que as duas partes – não apenas o jogador B – são desonestas. Isso talvez seja resultado do próprio cenário, pois o comportamento de ambos jogadores afeta os custos, mas a situação não é simétrica.
Ainda que o jogador A possa marcar terreno através de um número alto errado, é o jogador B que faz o trabalho quando se alinha ao relato do jogador A. Sendo assim, os custos do comportamento corrupto dependem em larga medida do jogador B. Um jogador A desonesto pode apenas aumentar o custo das duplas reportadas até o número 6 se ele mentir descaradamente, uma vez que um jogador A honesto que relata honestamente informaria o número médio 3.5. Por outro lado, o jogador B quando ele mente de modo descarado, ou seja, ele sempre relata uma dobradinha. Ele tem uma probabilidade de 1/6, se for relatar honestamente. Neste cenário, o jogador A mente descaradamente 25% enquanto jogador B faz isso 50%.
Dado o papel central do jogador B, os autores do artigo montam tratamentos que alteram incentivos de B. Em alguns tratamentos, se removem incentivos para B se alinhar com A, pois os ganhos de B tornam-se fixos. No tratamento de ganho fixo alto para B, o jogador B ganha sempre 6 euros. No tratamento de ganho fixo baixo, ele ganhará 1 euro, independentemente de relatar dobradinha ou não.
Vale destacar que em todos os desenhos experimentais, percebemos que o jogador B relata um número de “dobradinhas” maior do que se assume no relato honesto (média de 3.3). Isso mostra que o jogador B aceita mentir até mesmo quando apenas o jogador A ganha com o relato de dobradinha (incentivos de A não são alterados). Todavia, o número de duplas relatadas caiu quando os autores alteram os incentivos do jogador B. Isso quer dizer que oferecer a B um incentivo fixo oferece maneira de detectar relatos desonestos.
Em um outro tratamento, outros participantes (n=36) exerceram tanto o papel do jogador A quanto o de B. Neste caso, as dobradinhas relatadas forem 11, em média, um número mais baixo do que no tratamento de alinhamento pleno dos jogadores. Isso sugere de que relatar desonestamente quando isso ocorre individualmente libera menos as pessoas do que quando estão em ambiente colaborativo.
A moral da história de Weisel e Shalvi é que existe um lado sombrio na cooperação – a corrupção colaborativa. Um ambiente colaborativo leva as pessoas a um comportamento excessivamente desonesto. Os autores notaram que os maiores níveis de corrupção colaborativa ocorrem quando os lucros das partes envolvidos estão bem alinhados e são reduzidos quando os incentivos de uma das partes são reduzidos ou até mesmo removidos. Sendo assim, atos de colaboração podem representar “moedas morais” que neutralizam de certa forma os custos morais de mentir.
3. Implicações e comentários finais
Parece lugar comum afirmar que a corrupção importa. Ela também corrompe e gera incentivos para formas de vida econômica marcadas por relações personalistas e exclusivistas. Infelizmente algumas nações – o Brasil não está fora do grupo – passaram a endossar a corrupção como norma, tornando- se até mesmo parte da estrutura de crenças compartilhadas dos indivíduos.
Comportamentos cooperativos e trapaceiros não são meras consequências dos incentivos materiais colocados aos indivíduos, mas também dos esquemas de valores da sociedade. Logo, um desafio fascinante para estudantes e pesquisadores das ciências comportamentais é identificar como nosso pensar rápido, pensar socialmente e pensar através de mapas mentais interagem em determinados contextos para premiar o comportamento corrupto e punir a conduta honesta.
A literatura econômica propõe o combate `a corrupção através de reformas institucionais na direção de maior transparência e canais de monitoramento dos atos dos homens a quem confiamos algum poder para lidar com a coisa pública. Uma arquitetura de escolha ou arranjo institucional que ofereça aos eleitores lembretes e novos canais de informação sobre o comportamento de seus representantes nas diversas esferas de governo prometem alterar incentivos dos políticos de modo tal que os custos de trapacear os eleitores sejam percebidos como elevado demais. Entretanto, informar os eleitores é condição necessária sobre como se dá o processo decisório na esfera política e os comportamentos de seus representantes, porém não suficiente para moldar os incentivos dos políticos e a disposição da massa votante. Elementos emocionais também moldam a política e nem sempre evidências de corrupção bastam para punir o indivíduo trapaceiro. Uma maneira de minorar a corrupção é mudar a percepção de incentivos através de aumento de payoffs materiais. Mas isso nem sempre funciona. Pelo contrário; impor elevadas multas ou incentivos monetários pode distorcer motivações intrínsecas das pessoas, tais como a honestidade. Segundo Uri Gneezy e Aldo Rusticchini (2000), algumas pessoas podem considerar a multa como o preço ou disposição a pagar pelo comportamento desonesto. Os ganhos materiais corresponderiam, por seu turno, ao preço que se aceita receber para ser ou manter-se honesto. Em suma, faz-se importante desvendar as bases comportamentais da corrupção. Isso porque a sua estrada é muito mais do que uma trilha escorregadia. O caminho da corrupção é um penhasco muito perigoso. A corrupção não priva apenas os indivíduos de extraírem os frutos da prosperidade econômica, mas também acaba impedindo-os de achar a sua resposta para a grande questão ética sobre como viver verdadeiramente bem e tornar-se o agente do seu próprio destino. A honestidade é um ingrediente essencial do capital social, do qual a riqueza das nações depende.
Para refletir.
Referências Bibliográficas
- Ackerman, S.R & Palifka, B. J. (2016) Corruption and Government: causes, consequences and reform. Cambridge University Press
- Banco Mundial. 2015. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2015: “Mente, Sociedade e Comportamento”. Overview booklet. Banco Mundial, Washington, D.C.
- Gneezy, U. & Rusticchini, A. (2000) “A Fine is a Price”, Journal of Legal Studies, pp.1-17
- Lisboa, M. & Latiff, Z (2013) Democracy and Growth in Brazil. Insper Working Paper, WPE 31 1/2013
- North, D. (2005) Understanding the Process of Economic Change. Princeton, N.J: Princeton University Press
- Shalvi, S. (2016) “Corruption corrupts”, Nature, 17307, pp.1-2
Silva, M.F.G. (1996) Economia Política da Corrupção. Fundação Getúlio Vargas, EESP Working Paper Series, set.1996 - Weisel, O. & Shalvi, S. (2015) “The Collaborative Roots of Corruption”, PNAS, Aug 25, 2015, vol.112, no.34, pp.10651-1065611