Entrevista exclusiva com Richard Thaler para o Guia
Um dos pais e grandes pensadores na área atualmente, fala sobre sua carreira, desafios e dá dicas especiais para pesquisadores aqui no Brasil.
Acredito que a lição mais importante a se tirar da Economia Comportamental e das minhas pesquisas em particular é que os economistas devem ser verdadeiros cientistas sociais e prestar atenção ao mundo que os cerca.
Richard Thaler, um dos pais da Economia e Finanças Comportamentais, é professor emérito em Economia e Ciências Comportamentais da Universidade de Chicago. Seus estudos pioneiros tem provocado uma grande reviravolta nos pressupostos e modelos tradicionais da Economia nos últimos 30 anos. Autor dos bestsellers Nudge (2008), em co-autoria com Cass Sunstein, e do recente Misbehaving (2015).
1. Existem muitas definições de Economia Comportamental e o que ela abrange. Qual seria a sua definição favorita?
A meu ver, Economia Comportamental é economia baseada em suposições e descrições realistas do comportamento humano. É simplesmente economia com maior poder explicativo porque seus modelos ajustam-se melhor aos dados.
2. Na sua opinião, quais devem ser os papéis da Economia Comportamental e Experimental na teoria econômica? Existem questões metodológicas específicas que os economistas devem ter em mente para fazer pesquisas de qualidade em EC?
Não acho que a Economia Comportamental requer ferramentas ou técnicas especiais. Gosto de descrevê-la como “economia baseada em evidências”. Deixe que os dados lhe digam o que está acontecendo, tanto no trabalho empírico como na formulação teórica. Mas os textos em Economia Comportamental são muito parecidos com os de qualquer outro tipo de economia. Sem truques.
3. Há trinta anos que suas pesquisas sobre aversão à perda, contabilidade mental e efeito dotação vêm sendo revolucionárias. Qual foi a lição mais importante que seus estudos lhe trouxeram nessa área, e que tendências vê para ela no futuro?
Acredito que a lição mais importante a se tirar da Economia Comportamental e das minhas pesquisas em particular é que os economistas devem ser verdadeiros cientistas sociais e prestar atenção ao mundo que os cerca. Comecei minhas “pesquisas” sobre contabilidade mental simplesmente observando e ouvindo meus amigos, inclusive colegas economistas, quando falavam sobre suas ideias a respeito de dinheiro. Como descrevo no meu livro recente, Misbehaving, comecei uma linha de contabilidade mental jogando pôquer com colegas economistas. Reparei que eles jogavam de maneiras diferentes dependendo de estarem na frente ou atrás no jogo daquela noite, apesar de o valor das apostas ser bem pequeno em relação à renda ou riqueza deles. Os insights que obtive ali foram usados mais tarde para explicar o enigma do “equity premium puzzle”, isto é, o fato empírico de que as ações têm retornos maiores do que os de títulos do governo em porcentagens que parecem altas demais. As mesmas ideias podem ser usadas para entender por que o volume cai quando o mercado imobiliário desacelera. Portanto, observar o comportamento do pequeno pode ajudar a entender o comportamento do grande.
4. Em uma resenha recente de Misbehaving na revista Regulation, o economista David Henderson disse que você vence frequentemente os debates sobre os méritos da Economia Comportamental. Você acha que a Economia Comportamental conquistou os economistas como um todo ou ainda existem resistências significativas a serem vencidas?
Creio que a maioria dos economistas com menos de 40 anos de idade não considera controversa a Economia Comportamental. A resistência vem dos economistas mais velhos da minha geração. Eu não diria que “vencemos”, mas que muitos dos melhores jovens economistas do mundo estão dedicando parte de seus esforços de pesquisa a abordagens comportamentais.
5. Na sua opinião, quais são as limitações de uma abordagem comportamental em política? Acha que a Ordem Executiva promulgada recentemente pela Casa Branca (15 de setembro) influenciará o modo como as políticas públicas são formuladas nos Estados Unidos?
Obviamente é muito cedo para dizer qual será o impacto de longo prazo da ordem executiva do presidente Obama, mas no Reino Unido, onde o Behavioral Insights Team já está em atividade há cinco anos, há evidências claras de que os resultados de seus experimentos estão influenciando as políticas.
Espero que o mesmo venha a acontecer nos Estados Unidos, mas é claro que isso vai depender de quem será o próximo presidente e da composição do Congresso. Isso é uma pena, pois ambos os partidos deveriam se interessar pelas nossa abordagem. David Cameron é um conservador e Obama é um democrata, mas ambos acataram a ciência comportamental. O mesmo acontece em vários países do mundo. Por isso, estou esperançoso.
6. O prof. Cass Sustein terá um capítulo no Guia baseado em seu artigo recente, Nudging: A Very Short Guide. O que, em sua opinião, é um “bom” nudge? Quais são as principais fontes de objeção que você encontrou desde a publicação e o grande sucesso de seu livro Nudge (2008), escrito em coautoria com Cass Sustein? As pessoas veem nudges onde eles não existem?
As críticas mais frequentes derivam de equívocos quanto à nossa abordagem. As pessoas se esquecem de que descrevemos nossas políticas como paternalismo libertário. Tentamos formular políticas nas quais as pessoas possam desconsiderar ou recusar qualquer “nudge” a um custo pequeno ou nulo, idealmente com um mero clique do mouse. Apesar disso, nos acusam de querer dizer às pessoas o que fazer. Para mim, o nudge é semelhante a um GPS. Quando alguém usa um GPS, digita o endereço desejado e fica livre para desconsiderar as instruções do aplicativo, porém se perde com menos frequência. Isso também vale para nudges bem formulados. Eles ajudam as pessoas a atingir seus objetivos. Também somos acusados de tentar manipular pessoas, mas frisamos que todos os nossos nudges são transparentes. As placas em Londres que lembram os pedestres de “olhar à direita” antes de travessar a rua são “manipulações” ou lembretes úteis?
7. Três capítulos do Guia tratarão especificamente de Finanças Comportamentais. Algum tempo atrás, você disse em uma entrevista que nos últimos vinte anos não conseguiu fazer um único crente da eficiência dos mercados mudar de ideia. Apenas “corrompeu os jovens” com ideias sobre finanças comportamentais (palavras suas!). Acreditamos que você quis dizer que a força das finanças comportamentais hoje em dia provém do interesse de mentes jovens que não foram tão fortemente moldadas por ideias tradicionais. No Brasil vemos agora uma tendência semelhante. O impulso das finanças comportamentais é de baixo para cima: muitos estudantes demandam essas ideias, mas encontram poucos orientadores que os ajudem. Em sua opinião, qual é o atrativo das finanças comportamentais para as mentes jovens?
Sabemos, com base em pesquisas, que as pessoas têm dificuldade em seguir o conselho dos economistas para não ligarem para os custos irrecuperáveis. Parece que o mesmo se aplica aos economistas! Os que passaram a vida trabalhando com abordagens tradicionais relutam em mudar as abordagens, mas os jovens não têm o ônus dos custos irrecuperáveis, por isso se dispõem a seguir em novas direções.
8. Como um dos fundadores da Economia e Finanças Comportamentais, como você descreve os desafios, revezes e êxitos que encontrou pelo caminho? Você tem alguma recomendação especial para os acadêmicos e profissionais que trabalham em países como o Brasil, onde a EC ainda não é amplamente reconhecida?
As finanças comportamentais foram recebidas com muito ceticismo no início porque as pessoas “sabiam” que os mercados eram eficientes. Só conseguimos avançar fundamentando o debate em fatos empíricos. Hoje esses fatos são razoavelmente conhecidos, e não muito polêmicos. Agora só nos resta discutir acerca da interpretação deles. Os avanços teóricos também têm sido importantes, mas quando se trata de novas abordagens parece que temos de começar pelos dados, e especificamente pelas anomalias. Esse é o modo de conseguir a atenção dos economistas
Richard Thaler
PhD em Economia pela Universidade de Rochester (Estados Unidos). É professor emérito de Economia e Ciências Comportamentais da cátedra Charles R Walgreen da Universidade de Chicago e diretor do Center for Decision Research na Chicago Booth School of Business. Presidente da American Economic Association (2015). Pesquisador associado da National Bureau of Economic Research (NBER) e co-diretor, junto com Robert Shiller (prêmio Nobel em 2013 por seus estudos revolucionários na área de finanças comportamentais), do Projeto de Economia Comportamental, patrocinado pela Fundação Russell Sage (EUA). Um dos fundadores da área de Finanças Comportamentais, investiga as consequências do relaxamento das hipóteses econômicas tradicionais sobre a previsão de movimentos financeiros.
Mais informações: www.chicagobooth.edu/faculty/directory/t/richard-h-thaler
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