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Era 1961 e a corrida espacial estava no auge. A Rússia colocou um homem em órbita e o Presidente John Kennedy, estava lidando com uma guerra fria e uma economia em dificuldades. Em um apaixonado discurso, ele lançou um objetivo extremo: os EUA colocariam um homem na Lua e o trariam de volta antes do final da década.

Em julho de 1969, menos de seis meses antes da data prevista, Neil Armstrong pisou na superfície da Lua. O ambicioso objetivo de JFK parece ter sido o combustível que impulsionou uma conquista tão incrível.

É meados de 2018. João, um adolescente de um bairro de classe média está tendo problemas com suas notas para terminar o ensino médio e conseguir um lugar na Universidade para se formar como arquiteto. Ele tem problemas para encontrar a motivação que lhe permita melhorar. A receita de JFK funcionará no caso dele? Pode João construir seu caminho à Universidade, estabelecendo metas suficientemente ambiciosas?

A forma como construímos a representação mental dos nossos objetivos tem grande influência no poder motivador que eles têm sobre as nossas condutas. Um sonho grande e ambicioso pode ajudar, porém os professores podem usar técnicas mais concretas na hora de ajudar a melhorar o desempenho dos estudantes.

A motivação nos testes

Gerenciar metas acadêmicas pode ser uma atividade desafiadora para os adolescentes. Durante a adolescência, as crianças enfrentam questões sobre seus objetivos de longo prazo, passando por um período de alta sensibilidade a estímulos ambientais e motivacionais. Casey (2015) propõe que o menor autocontrole e a maior sensibilidade ao ambiente que vivenciamos durante a adolescência têm uma explicação evolutiva na necessidade de impulsionar as crianças na saída da segurança de suas casas para seguir seu próprio caminho. Concentrando-se nas decisões de educação, Bettinger e Slonim (2007) provaram que a paciência das crianças evolui à medida que elas crescem.

Os estudos de Casey apresentam evidências que essa sensibilidade atinge o seu pico aos 15 anos, idade em que os adolescentes são mais sensíveis aos incentivos. O papel dos incentivos na estrutura de metas vista em relação a essa hipersensibilidade abre um espaço interessante para intervenções que podem ter impacto na motivação.

Estímulos concretos em uma prova conseguem melhorar o desempenho deles gerando dúvidas quanto a se os resultados dos exames são reflexo do conhecimento dos estudantes ou da motivação em responder as perguntas.

Um estudo recente realizado por Uri Gneezy e seus colegas (2017) sugere que incentivos econômicos podem influenciar a motivação em relação ao desempenho em testes realizados por alunos de 15 anos de idade. Os autores sugerem que o desempenho em testes pode refletir diferenças na motivação para realizá-los e não apenas diferenças advindas das capacidades acadêmicas. Eles concluem que a avaliação de sistemas acadêmicos baseados em testes padronizados deve ser feita com cautela.

Em suas pesquisas, eles compararam os resultados de uma intervenção em que incentivaram o esforço no teste em si, em diferentes países. A intervenção ofereceu uma recompensa relacionada ao desempenho para estudantes nos EUA e em Xangai. A recompensa foi anunciada somente no início do teste para evitar efeitos relacionados à diferença na preparação antecipada. Quando incentivados, os estudantes dos EUA (na posição 25 no ranking PISA) exibiram uma melhora significativa, enquanto os de Xangai (na posição 4) não tiveram melhora alguma. Para os estudantes com um desempenho relativo pior, a motivação “extra” adicionada pelo prêmio provocou uma melhora. Não foi o caso para aqueles que já tinham um desempenho melhor. Os autores interpretaram isso como evidência da importância da motivação com a qual o aluno chegara  à avaliação no desempenho deles.

Os resultados dos estudantes durante o processo de aprendizado refletem simultaneamente o conhecimento que eles estão adquirindo e a motivação com a qual o abordam. O desenho de um aprendizado eficaz deve atender, ao mesmo tempo, à correta transmissão do conhecimento e à criação de estruturas de objetivos que ajudem a manter a motivação dos estudantes.

A relação entre a estrutura de metas e a motivação

A psicologia da motivação ligou a energia que conduz nossas ações às nossas intenções (Ajzen, 1991) e às nossas próprias expectativas (Mischel, 1973). Vincular a motivação com a formação de objetivos e visualizar as metas como processos de representação interna permite relacionar a motivação com as características do processo de formação dos objetivos. Intervenções no processo de estabelecimento de metas mediante ações que têm como alvo exclusivamente a forma na qual são construídos os objetivos podem se constituir em uma grande ferramenta para mudar o comportamento (Bargh, Gollwitzer, & Oettingen, 2010). O trabalho conjunto com os estudantes no estabelecimento dos objetivos de cada atividade e a planificação destas como oportunidade para atuar sobre a motivação podem resultar em uma grande alavancagem no processo ensino-aprendizado.

De acordo com Austin e Vancouver (1996), a dinâmica de metas pode ser entendida usando seis dimensões que têm um papel importante na determinação da priorização de metas, e fornecem um guia de ação.

Importância e Compromisso: a força com a qual os alunos vinculam seu sucesso acadêmico aos objetivos de vida maiores influencia a prevalência do objetivo.

Nível de dificuldade: As crenças dos estudantes sobre suas próprias competências e sua capacidade de obter sucesso têm um grande impacto em suas decisões sobre o que procurar e quanta energia devem investir para fazê-lo.

Especificidade e Representação: Objetivos vagos como “faça o seu melhor” geralmente levam a um desempenho menor devido à grande variedade de níveis de desempenho aceitáveis que o satisfazem. Em contraste, metas específicas reduzem a ambiguidade em relação ao que deve ser atingido. (Locke & Latham, 2002) Em termos de exames, critérios de avaliação mais claros devem ajudar na construção de objetivos mais específicos e assim causar uma melhoria no desempenho.

Intervalo temporal dos objetivos: Metas mais próximas no tempo chamam nossa atenção e às vezes relegam outros objetivos independentemente de sua importância. Os objetivos que são construídos com menor distância psicológica conosco, sejam eles tempo, espaço, distância social, ou grau hipotético têm mais poder movimentador. (Trope & Liberman, 2010)

Nível de consciência: Muitas intervenções na educação têm como alvo motivadores subjacentes. McClelland e coautores (1989) caracterizaram três camadas: a necessidade de realização, a necessidade de poder, e a necessidade de filiação. O mapeamento delas ajuda a entender o nível de motivação na aula.

Conectividade e Complexidade: Os objetivos são formados em uma rede de interações de metas. A Teoria das metas (Kruglanski et al., 2002) reflete sobre a estrutura dessa rede relacionando a energia que aplicamos para atingir os nossos objetivos com a sua posição hierárquica e quantidade de recursos aplicados em sua busca.

O desenho do sistema de provas de avaliação oferece uma oportunidade para ver as dimensões identificadas por Austin e Vancouver em ação.

Testes de perguntas abertas ou múltipla escolha

A escolha do sistema de avaliação tem grande impacto sobre a construção mental que o estudante faz do objetivo a ser atingido. Os sistemas de avaliação de pergunta aberta, são muitas vezes preferidos por professores porque, mesmo que demandem mais trabalho, permitem uma avaliação mais profunda do conhecimento do estudante. Porém, uma prova de múltipla escolha pode representar uma meta mais concreta e mais imediata em referência ao sucesso ou fracasso numa prova e pode ser melhor na hora de avaliar o conhecimento adquirido pelo aluno. Em algumas circunstâncias, o maior grau de concreção da múltipla escolha vai permitir reduzir a “distância psicológica” aumentando a motivação em atingir o resultado.

A interação entre os exames também pode se beneficiar de uma arquitetura que procure a formação de objetivos e metas mais poderosas nos estudantes. Se as provas que os estudantes precisam dar para aprovar um curso fornecem créditos para outros cursos, o modelo de Kruglansky et al sugere que a motivação cresce.  Objetivos intermédios são mais motivadores se eles atendem mais de um objetivo final. O desenho de sistemas cruzados de provas em um curso que gere antecedentes e créditos positivos em outro curso pode ter um efeito importante sobre a performance geral dos estudantes.

A estrutura do sistema de objetivos do estudante desempenha um papel chave na motivação, e a manipulação em torno deles pode contribuir na construção de um entorno de metas com mais impacto no nível de motivação.

Reflexão final

Os estudantes são tomadores de decisão. A receita de JFK de usar o poder motivador de grandes sonhos, pode ajuda-los a escolher as mais úteis. João pode achar no sonho de desenhar casas o guia nesse caminho. Porém em sua vida diária, muitas decisões vão trazer desafios.

A focalização do processo de aprendizado como um que é simultaneamente de transmissão de conhecimento e de construção de metas com impacto na motivação, oferece aproximações alternativas e complementares às tradicionalmente usadas pelos professores.

Como mencionado, a Construal Level Theory (Thorpe & Liberman) trabalhando em torno do conceito de distância psicológica, e a Theory of goals (Kruglansky et al) olhando para a construção do sistema de metas, fornecem uma estrutura para entender como estimular a criação de objetivos que movimentem os adolescentes na direção certa.

Referências

Ajzen, I. (1991). The theory of planned behavior. Organizational Behavior and Human Decision Processes50, 179–211.

Austin, J. T., & Vancouver, J. B. (1996). Goal constructs in psychology: Structure, process, and content. Psychological Bulletin120(3), 338–375.

Bargh, J. A., Gollwitzer, P. M., & Oettingen, G. (2010). Motivation. In Handbook of Social Psychology(Vol. 2, pp. 268–316).

Bettinger, E., & Slonim, R. (2007). Patience among children. Journal of Public Economics. https://doi.org/10.1016/j.jpubeco.2006.05.010

Casey, B. J. (2015). Beyond Simple Models of Self-Control to Circuit-Based Accounts of Adolescent Behavior. Annual Review of Psychology66(1), 295–319.

Dolan, P., Halpern, D., Hallsworth, M., King, D., & Vlaev, I. (2010). Influencing behaviour through public policy (Mindspace Short Guide). The Institute for Government for the Cabinet Office.

Gneezy, U., List, J. A., Livingston, J. A., Sadoff, S., Qin, X., & Xu, Y. (2017). Measuring Success in Education: The Role of Effort on the Test ItselfNational Bureau of Economic Research Working Paper Series.

Kahneman, D. (2003). A perspective on judgment and choice: Mapping bounded rationality. American Psychologist58(9), 697–720.

Kruglanski, A., Shah, J. Y., Fishbach, A., Friedman, R., Chun, W. Y., & Sleeth-Keppler, D. (2002). A Theory of Goal Systems. In Advances in Experimental Social Psychology(Vol. 34, pp. 331–378).

Locke, E. A., & Latham, G. P. (2002). Building a practically useful theory of goal setting and task motivation: A 35-year odyssey. American Psychologist57(9), 705–717. McClelland, D. C., Koestner, R., & Weinberger, J. (1989). How Do Self-Attributed and Implicit Motives Differ? Psychological Review96(4), 690–702.

Mischel, W. (1973). Toward a cognitive social learning reconceptualization of personality. Psychological Review80(4), 252–283.

Trope, Y., & Liberman, N. (2010). Construal-Level Theory of Psychological Distance. Psychological Review117(2), 440–463.

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