Blog

Recentemente, li um comentário de um trader (um consultor de investimentos) australiano sobre o chamado “spread brasileiro”, no link: http://psyquation.com/blog/the-brazilian-spread/.

O resumo da ópera é o seguinte: quando ele começou a trabalhar na mesa de negociações de produtos financeiros em um banco, contaram a ele sobre o tal spread brasileiro. A palavra spread descreve a diferença entre o preço de compra e o de venda de um produto, um jeito gringo de dizer “margem de ganho”. Mas no caso do tal spread brasileiro, a história era diferente. Se um trader tivesse excedido sua capacidade de compra e venda, ou por algum motivo tivesse assumido um risco inadequado, ele teria duas alternativas. (1) poderia dar sorte e descobrir que as apostas arriscadas deram certo e então… festa! (2) se as coisas dessem errado e ele encarasse o maior prejuízo, bastava fazer as malas e se mudar para o Brasil.

Vamos começar admitindo que a insinuação do consultor australiano, de que se alguém fizer uma grande besteira nos mercados internacionais bastaria fugir para o Brasil para que as consequências desapareçam, não foi muito benevolente ao país. OK… essa doeu! Mas temos que admitir que eventos históricos de nosso quadro político não favorecem uma reação muito ofendida. Quero acreditar que vamos avançar no fortalecimento de nossos mecanismos penais em um futuro próximo. Com pressão adequada da população e vontade política tudo se constrói.

Mas, ignorando essa parte, vamos nos concentrar na tendência comportamental a que ele estava se referindo. O consultor australiano contou de uma tendência de os investidores adotarem uma postura do tipo “tudo ou nada” quando estão com alta exposição ao risco. Em vez de admitirem que erraram no planejamento de uma posição e assumirem o prejuízo (e humilhação!), haveria uma tendência a fazer exatamente o contrário: aumentar o risco ainda mais, na tentativa de reverter a situação.

Isso não se restringe a investidores. Pode acontecer nas situações corriqueiras, como um jogo de cartas entre amigos. Há experimentos voltados a identificar as variáveis controladoras desses processos. Dá para citar algumas tendências já conhecidas em situações do tipo “tudo-ou-nada”:

Custos Afundados (sunk costs): ocorrem quando um sujeito dedicou grandes quantias de dinheiro, tempo ou energia a um investimento/projeto e descobre que ele não vai render os resultados premeditados, ou vai literalmente falir. O que esse sujeito faz? Em muitos casos, a decisão é tendência a manter o rumo e dedicar ainda mais dinheiro, tempo ou energia ao projeto. Como assim?! Mas isso aumenta ainda mais o prejuízo, que já era certeiro! Sim, os resultados podem ser catastróficos. O efeito de custos afundados ocorre quando a decisão de manter ou aumentar um projeto condenado é controlada pelo esforço ou tempo dedicado no passado e não pela antecipação de ganhos no futuro. Um desdobramento dessa tendência nos mercados financeiros é o chamado “efeito disposicional”: investidores são mais propensos a se desfazerem de investimentos lucrativos no presente e preservarem os ativos ruins, justificando que essa situação ruim pode se reverter no futuro.

Aversão a perdas. Um dos bastiões da Economia Comportamental é a noção de que as pessoas reagem mais intensamente diante da possibilidade de perder algo do que diante da possibilidade de ganhar esse mesmo “algo”. Os psicólogos econômicos Daniel Kahneman (Nobel de Economia em 2002) e Amos Tversky descreveram esse efeito no artigo “Prospect Theory: an analysis of decision under risk” (Teoria da Perspectiva: uma análise das decisões sob risco, 1979), que até hoje é o artigo mais citado do respeitado jornal Econometrica. No caso de um investidor que tem que escolher entre assumir uma perda agora ou postergá-la para algum momento futuro, a grande tentação é escolher a segunda opção.

Sensibilidade decrescente (Diminishing sensitivity). Outro efeito descrito por esses autores no artigo “Advances in Prospect Theory: cumulative representation of uncertainty” (Avanços na Teoria da Perspectiva: representação acumulada da incerteza, 1992) é que as pessoas não lidam com risco seguindo a lógica formal (fria) da teoria das probabilidades. Em vez disso, tendem a adotar um ponto de referência mais pessoal, tal como o valor que foi gasto para comprar um título financeiro. Após a compra, pequenas modificações no valor desse título, para cima ou para baixo, produzem grandes reações. Mas quanto mais distante o valor atual do título estiver do valor inicial, menor o efeito de modificações adicionais, menos intensa é a sensibilidade dos investidores a novas variações.

Assim, temos uma soma de efeitos:

Custos Afundados: gastos passados favorecem o aumento de investimento na posição “condenada”;
+ Aversão a perdas: tentação de postergar a perda para algum momento futuro.
+ Sensibilidade decrescente: reduzida sensibilidade ao aumento do risco.
= alta chance de acontecer o “tudo-ou-nada” descrito pelo consultor australiano
(vamos ignorar a piadinha sobre a fuga para o Brasil…)

Esse é um exemplo de como Finanças Comportamentais podem nos tornar mais alertas para não seguirmos tendências de curto prazo que podem nos prejudicar muito no longo prazo. Se esse pequeno exemplo despertou sua curiosidade, dou duas dicas.

No “Guia de Economia Comportamental e Experimental” há dois capítulos sobre Finanças Comportamentais: “Introdução a Finanças Comportamentais” (minha autoria) que dá uma visão mais geral da área e “Finanças Comportamentais: aversão míope às perdas e efeito dinheiro da casa” (Anderson Teixeira, Benjamin Tabak e Daniel Cajueiro), que trata de dois vieses específicos, com exemplos brasileiros. Se você ainda não baixou sua cópia digital gratuita, segue o link http://www.economiacomportamental.org/guia/.

No recentemente lançado MBA Executivo em Economia Comportamental da ESPM haverá um módulo específico sobre Finanças Comportamentais e uma articulação mais profundada entre esse tema e a sua área-irmã, a Economia Comportamental. Uma boa notícia é que o curso é on-line e não exige presença em São Paulo. Aos interessados em saber mais, segue o link: http://www2.espm.br/cursos/ead/mba-em-economia-comportamental.

Vou finalizar com um comentário bem pessoal. Se esse texto tivesse sido escrito dois anos atrás, eu não teria nenhuma dica de leitura que fosse em português e disponível para quem mora no Brasil. Apesar do grande crescimento da Economia Comportamental e Finanças Comportamentais pelo mundo, nosso país está apenas começando a descobrir essas fascinantes áreas. Mas esse cenário está se transformando rapidamente. Por iniciativa de um grupo de grande qualidade (ainda que pequeno em tamanho), de economistas comportamentais e psicólogos econômicos brasileiros, já temos hoje o Guia, o novo MBA executivo da ESPM e o blog que vocês estão acessando nesse momento. Essas iniciativas desenham um cenário de crescimento bastante favorável para área em nosso país.

Um Comentário

  1. Guilherme Ruffini

    Ressalto também a importância do trabalho do Daniel Kahneman e sua teoria do prospecto, onde decisões de curto prazo, instintivas, trazem, em média, resultados não desejados.

    Responder

Envie seu Comentário