Blog

Em várias das suas TED talks, você diz que a publicidade cria valores porque salienta aspectos positivos da experiência subjetiva que, de outro modo, as pessoas talvez não apreciassem. A meu ver, essa afirmação é difícil de aceitar como regra geral. É verdade que a publicidade pode intensificar os desejos das pessoas por produtos específicos, mas será que esse valor se traduz em felicidade?
George Loewenstein

…o tempo todo estamos sendo alvo de manipulações e nudges, não só pela mídia e pelas empresas, mas também uns pelos outros. O processo é inevitável. Criticar o nudging é como criticar o eletromagnetismo ou a gravidade. O melhor que podemos fazer é estar cientes das forças atuantes, entendê-las e conscientizar amplamente as pessoas sobre elas.
Rory Sutherland

Os trechos a seguir são um debate entre George Loewenstein e Rory Sutherland escrito para o prefácio do Guia de Economia Comportamental 2014, na esperança de obter a perspectiva de duas pessoas que aplicam a ciência da EC nos setores acadêmico, público e privado.

loewensteinCaro Rory,

Pesquisei sobre muitos assuntos em minha longa carreira acadêmica, e meu mais recente tema de pesquisa é Rory Sutherland. Assistir às suas numerosas TED Talks e ler seus artigos na revista The Spectator tem sido não só incrivelmente estimulante mas, devo dizer, muito mais divertido do que meus estudos acadêmicos habituais. Suas TED Talks deveriam ser matéria obrigatória para todo pós-graduando em busca de temas de pesquisa novos e importantes.

Ao assistir às suas palestras, busquei, como tendem a fazer os cientistas sociais, um tema central, unificador, e vi que a tarefa era bem fácil. O tema central de grande parte da sua obra, ao qual você alude em todas as suas apresentações, é a ideia de que nossa percepção da realidade e reação a ela é subjetiva. Como nos sentimos com relação a um produto, ou até com relação à vida, é, no mínimo, tão importante, e provavelmente muito mais importante, do que as características objetivas do produto ou da nossa vida.

Essa é uma ideia que posso apoiar, pois tem sido um tema central de meu próprio trabalho. Em estudos sobre “arbitrariedade coerente” [ver também “ancoragem”] com Dan Ariely e Drazen Prelec, constatamos que frequentemente as pessoas têm pouca noção do quanto gostam de bens e experiências ou de como valorizá-los. Até identificamos experiências tão ambíguas que se torna fácil persuadir as pessoas de que a mesma experiência é boa (nesse caso elas se dispõem a pagar para tê-las, e mais ainda se forem mais longas) ou ruim (nesse caso as pessoas exigem ser pagas para tolerá-las, e mais ainda se forem mais longas).

Onde nossos caminhos começam a se separar, Rory, é nas implicações que extraímos desse insight fundamental sobre a subjetividade da valoração e experiência. As conclusões a que você chega são muito mais otimistas do que as minhas, e (o que não é de surpreender) muito mais positivas quanto ao papel da publicidade e do marketing.

Antes de lhe passar o proverbial bastão, permita-me tratar do meu segundo assunto: o papel da publicidade e do marketing. Em várias das suas TED talks, você diz que a publicidade cria valores porque salienta aspectos positivos da experiência subjetiva que, de outro modo, as pessoas talvez não apreciassem. A meu ver, essa afirmação é difícil de aceitar como regra geral. É verdade que a publicidade pode intensificar os desejos das pessoas por produtos específicos, mas será que esse valor se traduz em felicidade? Outra questão relacionada: os produtos que tendem a ser anunciados são aqueles que trazem às pessoas uma satisfação duradoura ou são aqueles cuja venda traz lucro?

Isso me faz lembar um engenhoso paper de Jing Xu e Norbert Schwarz intitulado “How do you feel while driving your car?”. O texto trata das atitudes das pessoas em relação a dirigir carros cobiçados — creio que o exemplo que os autores usam para ilustrar seu argumento é um BMW, que nos Estados Unidos, talvez mais que na Grã-Bretanha, é o epítome de uma “marca de prestígio”. Xu e Schwarz pediram às pessoas que predissessem e recordassem a sensação de dirigir o próprio carro, e constataram que as respostas a essas perguntas tinham alta correlação com o custo do veículo. No entanto, quando lhes perguntaram “Qual foi a sensação da última vez?”, seus relatos não mostraram correlação com o custo do carro, exceto na situação especial e incomum de estarem dirigindo por prazer, isto é, “passeando de carro” (ao contrário do estereótipo, nós, americanos, passamos grande parte do nosso tempo ocupados em atividades outras que não passear de carro).
Nesse caso, o marketing não parece criar valor, e sim criar desejos que são, na verdade, antitéticos ao valor. Não deixa de ter sua verdade a letra daquela música que diz “The best things in life are free” [as melhores coisas da vida são grátis], mas os prazeres disponíveis de graça raramente, ou talvez nunca, se beneficiam dos prodígios intensificadores de valor do marketing comercial.

Certa vez passei um dia delicioso andando de bicicleta com um amigo, e o encerramos em uma taverna à beira da estrada, onde nos recompensamos anulando os benefícios do nosso exercício com hambúrgueres, fritas e cerveja; pagamos com cartão de crédito. De repente, tive um momento déjà vu, mas não porque houvesse vivenciado algo parecido no passado. Com um desagradável choque de reconhecimento, me dei conta de que estava reencenando, com arrepiante precisão, um cenário que eu vira em um anúncio de cartão de crédito — talvez o mesmo que usei para pagar pelo nosso lanche. A publicidade cria as imagens icônicas pelas quais formamos nossa concepção do que é viver bem. Isso não aumenta o valor. O resultado, na maioria das vezes, é o descontentamento quando reconhecemos a insipidez da nossa existência em comparação com aqueles sensacionais grupos de amigos alegres se encontrando em lugares maravilhosos e bebendo Bacardi. Além do mais, mesmo no improvável caso de conseguirmos atingir o transcendente — o ideal publicitário — como me aconteceu durante aquele passeio de bicicleta, a publicidade tem um efeito pernicioso: ela transforma a experiência em lugar-comum.

Só mais um senão: Você realmente se deleitaria com aquela demorada viagem de trem em companhia de supermodelos? Assim como os comerciais do Bacardi, a principal emoção que uma vagarosa viagem de trem cercado por supermodelos engendraria em mim seria frustração.


 

rory_sutherland

Caro George,

Existem alguns aspectos nesse debate que sei que nunca irei ganhar. Os acadêmicos sempre serão hostis ao consumismo, e por motivos facilmente compreensíveis.
Primeiro, os acadêmicos pertencem a uma classe na qual demonstrações indisfarçadas de riqueza material tendem a reduzir ao invés de elevar o status.
Posso estar estereotipando o corpo docente da Carnegie Melon aqui, mas desconfio seriamente, George, que se você voltasse à Europa trajando Dolce & Gabbana da cabeça aos pés e dirigindo um Bugatti Veyron, seu conceito entre os professores cairia em vez de subir.

Obviamente, existe uma explicação simples para isso: contrassinalização e teoria dos jogos. Qualquer grupo que possua uma moeda sinalizando status em seu grupo de pares (em vez de Porsches, os acadêmicos têm efetivação, citações, vagas reservadas no estacionamento, cátedras, Prêmio Nobel — e, cara, vestir beca é tudo de bom) tem um óbvio interesse em criticar e desmerecer outras moedas de status para assim elevar o valor relativo da sua. Os aristocratas britânicos fazem isso há séculos, enaltecendo a importância do berço e da linhagem — áreas em que desfrutam de vantagem comparativa — e vilipendiando os novos-ricos (exceto quando se casam discretamente com eles).

O que estou querendo dizer é que o tempo todo estamos sendo alvo de manipulações e nudges, não só pela mídia e pelas empresas, mas também uns pelos outros. O processo é inevitável. Criticar o nudging é como criticar o eletromagnetismo ou a gravidade. O melhor que podemos fazer é estar cientes das forças atuantes, entendê-las e conscientizar amplamente as pessoas sobre elas.

Mas estou divagando…

Comecei a escrever esta réplica em um café na minha cidade. Vim de carro, paguei para estacionar (não em um BMW) usando um aplicativo de celular, remeti três pacotes pequenos pelo correio para alguém a 100 quilômetros de distância (ao custo aproximado de £1.50 cada), comprei um café (um flat white, por £2,40) e então me sentei para escrever isto.
Assim como a sua experiência do percurso de bicicleta e do hambúrguer, esses poucos incidentes triviais podem ser bem ilustrativos de algumas das singularidades mais amplas da psicologia e comportamento humano.

Primeiro: minha experiência de estacionar. Estacionei manobrando o volante. Nada demais, você poderia dizer. Todos os carros, dos Fórmula 1 até os seus tão desprezados BMWs, são manobrados essencialmente por meio dessa mesma interface.
Porém, se refletirmos mais a fundo, isso é muito interessante. Por que manobramos os carros com as mãos? Afinal de contas, elas não evoluíram com esse propósito.
O que o volante faz é explorar uma adaptação evolucionária — o polegar oposto aos demais dedos da mão — em uma tarefa totalmente diferente daquela para a qual se destina.

Fazemos um ótimo trabalho adaptando o design de objetos físicos à nossa forma física. Mas ainda somos uma lástima no campo do design psicológico: quando começamos a elaborar experiências e interfaces para o cérebro humano evoluído, frequentemente embutimos sem querer dolorosos anzóis psicológicos que causam imensa confusão, sofrimento e aborrecimento.

Por isso, minha primeira providência é sempre usar os insights dessa ciência meramente para eliminar essas contrariedades. Acho que isso é quase inofensivo (espero que o seja). No entanto, não nego que é possível manipular pessoas usando as técnicas da ciência comportamental em publicidade e marketing. De fato, uma das aplicações mais importantes da ciência comportamental é descobrir quando alguém está formulando escolhas enganosas e chamar sua atenção.

Mais do que isso, na verdade. Eu gostaria muito de um debate moral sobre essa questão, e acredito que já passou da hora de ele acontecer. Penso que a indústria da publicidade esquivou-se desse debate por uns 50 anos, empenhando-se em uma negação dúbia. Amedrontados por livros como The Hidden Persuaders, por críticas à pesquisa motivacional e por um estudo experimental sobre efeitos de anúncios subliminares em cinemas (que mais tarde se descobriu serem falsos), eles dissimuladamente tentaram se safar alegando que a publicidade trabalhava exclusivamente na esfera da atenção consciente.

 

Leia todos os episódios deste debate no Guia de Economia Comportamental e Experimental a partir da página 292.


George Loewenstein
PhD na Yale University (1985). Lecionou nas universidades de Chicago e Carnegie Mellon, foi fellow do Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences, do Institute for Advanced Study em Princeton, da Russell Sage Foundation, do Institute for Advanced Study (Wissenschaftskolleg) em Berlim e da London School of Economics. Presidiu a Society for Judgment and Decision Making e é fellow da American Academy of Arts and Sciences. Atualmente ocupa a cátedra Herbert A. Simon em Economia e Psicologia na Carnegie Mellon University e é diretor do Center for Health Incentives do Leonard Davis Institute da Universidade da Pensilvânia. É um dos fundadores das áreas de Economia Comportamental e Neuroeconomia, pioneiro na sua aplicação em políticas públicas.
Possui publicações científicas em diversas áreas do conhecimento, tais como Economia, Psicologia, Direito, Medicina. Escreveu seis livros sobre escolhas intertemporais, Economia Comportamental e emoções e participa dos conselhos editoriais de numerosas revistas.

Rory Sutherland
Formado pelo Christ’s College, em Cambridge e agraciado pelo o título de doutor honorário pela Brunel University London. Foi admitido pela agência Ogilvy & Mather Direct em 1988. Atualmente é o diretor executivo de criação da Ogilvy One e vice-presidente do Grupo Ogilvy no Reino Unido. Em 2009, foi eleito presidente do Institute of Practitioners in Advertising, tornando-se o primeiro diretor de criação a assumir o posto. Autor do livro Wiki Man e de diversas participações no programa TED Talks, ele é considerado um dos pensadores mais originais e conferencistas motivacionais da área de Marketing.

Envie seu Comentário